O Ministério Público de Espanha pediu esta quinta-feira pela primeira vez a um tribunal a abertura de uma investigação de alegados crimes de tortura durante a ditadura franquista, apoiando-se numa Lei de Memória Democrática aprovada há um ano.
O pedido foi apresentado pelo Ministério Público a um tribunal de instrução de Barcelona e resulta de uma queixa de um sindicalista contra seis polícias por alegadas torturas na década de 1960.
Esta é a primeira vez em Espanha que o Ministério Público se pronuncia a favor de uma investigação de crimes contra a Humanidade e torturas durante a ditadura de Francisco Franco, que chegou ao poder em 1939 e morreu em 1975.
Até agora, as autoridades de Espanha invocaram, para recusar dar seguimento a casos destes, a prescrição dos alegados crimes e, sobretudo, a lei de amnistia aprovada em 1977.
Essa lei, considerada fundamental na designada “transição espanhola” da ditadura para a democracia, abrangeu os delitos políticos cometidos durante a ditadura pelos opositores ao regime de Franco e pelos “funcionários e agentes da ordem pública”.
Segundo o pedido entregue no tribunal de Barcelona, o Ministério Público justifica que a nova Lei de Memória Democrática, aprovada em 2022, permite e obriga agora a investigar este tipo de delitos.
A nova lei “impõe ao Estado, dentro do âmbito da Justiça, o dever de investigar as violações do Direito internacional dos Direitos Humanos e do Direito internacional humanitário, ocorridas durante a Guerra Civil [1936-1939] e a ditadura franquista”, defendeu o Ministério Público, no pedido, citado pela agência de notícias EFE.
A queixa que motivou este pedido dos procuradores foi apresentada por Carlos Vallejo, um sindicalista detido duas vezes em Barcelona no início dos anos de 1960 e que diz que foi torturado numa esquadra de Barcelona por causa da sua atividade política e sindical.
Esta foi a primeira vez que o Ministério Público se pronunciou a favor de uma investigação, mas se avançar, não será a primeira em Espanha, porque em Madrid foi admitida, este ano, por uma juíza, uma queixa apresentada diretamente num tribunal de instrução por um homem que denunciou também torturas durante o franquismo.
Esse homem, Júlio Pacheco, foi ouvido na semana passada pela juíza, tendo sido a primeira vez que a justiça espanhola ouviu uma vítima de tortura durante a ditadura de Franco, 48 anos após a morte do general e de mais de 100 queixas similares que não tiveram seguimento nos tribunais.
Julio Pacheco, 67 anos, apresentou queixa contra quatro homens a quem acusa de o terem torturado em agosto de 1975, quando tinha 19 anos e era estudante, militante do Partido Comunista e membro de uma organização de ativistas contra a ditadura.
Este tipógrafo reformado alega ter sido torturado durante três dias na extinta Direção-Geral de Segurança por quatro agentes da Brigada Político-Social, a polícia política do franquismo.
Embora o Ministério Público não se tenha ainda pronunciado sobre este caso, à audição de Julio Pereira assistiu uma procuradora da recém-criada Procuradoria da Memória Histórica.
Esta estrutura do Ministério Público foi criada no âmbito da Lei da Memória Histórica, que tem entre os seus objetivos alargar a reparação das vítimas do franquismo.
À porta do tribunal onde foi ouvido Julio Pacheco, estiveram membros de organizações não-governamentais (ONG) de defesa dos Direitos Humanos e dos direitos das vítimas da ditadura espanhola, entre elas, a Amnistia Internacional.
As pessoas que se concentraram à porta do tribunal exibiam cartazes com frases como “Acabemos com o muro de impunidade” e “As vítimas do franquismo exigem Justiça. Aplicação dos Direitos Humanos já”.