O ciclismo é um das modalidades em que a diferença entre ganhar e perder é maior. É raro alguém superiorizar-se ou ceder apenas pela margem mínima, uma vez que a ditadura das duas rodas deixa sempre explícitas eventuais fragilidades que um corredor tenha em relação a outro mesmo que seja apenas num dia em específico. Esta situação só enaltece o facto de se tratar de um desporto que onde o trabalho de equipa é fundamental, mesmo que o esforço de todos muitas vezes só se reflita no sucesso de um. Um corredor que pedala à frente de um colega de equipa pode reduzir até 30% da energia do companheiro que se encontra atrás por o proteger da resistência do ar. Na maior parte das vezes, quem se oferece a este esforço, em função da hierarquia que ocupa na equipa, acaba por pagar no final, fazendo com que os ditos gregários fiquem arredados da lutar por vitórias e por bons lugares nas classificações gerais.
Foi graças a corredores deste tipo que a Jumbo-Visma conseguiu vencer as três grandes voltas em 2023. No Tour, apesar de Jonas Vingegaard ter ficado com a camisola amarela, Nathan Van Hooydonck também teve o seu papel no triunfo apesar de, muitas vezes, as suas tarefas não tenham ido além de servir de aguadeiro ao líder dinamarquês. Nenhuma parte desse esforço, além do bom ambiente que criava numa prova de três semanas, é refletido no 93.º que Van Hooydonck acabou por ocupar no final da Volta a França.
O sacrifício que não se verifica pela classificação fica esbatido no reconhecimento dos colegas de equipa. Foi por isso que Jonas Vingegaard não se esqueceu de Nathan Van Hooydonck quando, na Volta a Espanha, dedicou a vitória ao companheiro. “Hoje, quis ganhar para o meu melhor amigo”, disse o dinamarquês no final da etapa em Bejes. Aquele foi um dia conturbado para a Jumbo-Visma. Antes da corrida, a equipa recebeu a notícia de que Nathan Van Hooydonck, que não correu na Vuelta (só Sepp Kuss fez as três grandes voltas na equipa), tinha tido um acidente enquanto conduzia na Bélgica. O ciclista de 27 anos perdeu o controlo do veículo devido a um problema cardíaco. Junto de si seguia a mulher grávida.
Os primeiros relatos, provenientes dos órgãos de comunicação locais, davam conta de que Van Hooydonck estava no hospital em estado crítico. A Jumbo-Visma, antes do arranque da etapa da Vuelta, confirmou o acontecimento, mas disse não ter informação quanto à situação concreta do belga. No final da corrida que Jonas Vingegaard venceu sem festejar junto da meta, um dos corredores da Jumbo-Visma, o húngaro Attila Valter, foi o primeiro a dizer que tinha recebido via rádio a comunicação de que Van Hooydonck estava acordado. No dia em que Sepp Kuss confirmou ser o vencedor da classificação geral da Vuelta, já com Nathan Van Hooydonck melhor, a equipa voltou a homenagear o colega.
The ???????????????????????????????? team aren't going to celebrate without paying tribute to their missing team-mate, Nathan van Hooydonck ????????#LaVuelta23 | @JumboVismaRoad | @NVHooydonck pic.twitter.com/NmZU8l8yct
— Eurosport (@eurosport) September 17, 2023
No entanto, Nathan Van Hooydonck anunciou posteriormente que ia terminar a carreira como ciclista. O belga, livre de lesões cerebrais, foi diagnosticado com uma anomalia no miocárdio que levou a que colocasse um desfibrilhador interno para prevenir futuros problemas como o que ia levando à sua morte. “Tive uma sorte incrível”, disse Van Hooydonck num comunicado divulgado pela Jumbo-Visma. “As coisas podiam ter sido diferentes se eu não tivesse sido ajudado tão rapidamente. Estou bem agora, mas ainda tenho que lidar com o facto de que isto marca o fim da minha carreira profissional. Gostaria de agradecer às pessoas que me ajudaram, a equipa médica do hospital e todos os fãs que me enviaram mensagens. Agora vou-me concentrar na recuperação e na minha futura paternidade. Tudo está a correr bem com a Alicia e a gravidez, e aguardamos ansiosamente o nascimento”.
Nathan Van Hooydonck termina a carreira sem nenhuma vitória profissional, mas com a participação em quatro grandes voltas (dois Tours e duas Vueltas), todas elas vencidas por corredores da Jumbo-Visma. Em agosto, ajudou Wout Van Aert, compatriota e companheiro de equipa, a ficar em segundo lugar no Campeonato do Mundo de estrada. Van Aert teve oportunidade de comentar o fim do percurso de Van Hooydonck no ciclismo junto do canal belga Sporza. “Esta notícia é muito triste, embora a tristeza venha em segundo lugar. Estou feliz que ainda esteja vivo”, destacou.