O embaixador de Israel em Portugal, Dor Shapira, anunciou que comunicou ao presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que o país não vai participar na Web Summit devido a “declarações ultrajantes” proferidas por Paddy Cosgrave, CEO da conferência tecnológica.

Numa publicação partilhada na rede social X (antigo Twitter), Shapira considerou que “mesmo nestes tempo difíceis”, Cosgrave é “incapaz de pôr de lado as suas opiniões políticas extremistas e de denunciar as atividades terroristas do Hamas contra pessoas inocentes”. “Dezenas de empresas já cancelaram a sua participação nesta conferência e encorajamos outras a fazê-lo”, acrescentou.

A reação oficial de Israel chega cerca de três dias após o principal rosto da Web Summit ter afirmado — após partilhar um gráfico onde comparava o número de mortes de palestinianos e israelitas de 2008 a 2023 (post que entretanto terá apagado) — que estava “chocado com a retórica e as ações de tantos líderes e governos ocidentais, com exceção em particular do governo da Irlanda”, país de onde é natural. “Os crimes de guerra são crimes de guerra, mesmo quando são cometidos por aliados e devem ser denunciados pelo que são”, escreveu na plataforma X.

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A publicação de Paddy Cosgrave recebeu vários comentários de antigos participantes da Web Summit que afirmam que não pretendem “nunca mais” trabalhar com o empresário, participar ou patrocinar os eventos por si organizados. É o caso de David Marcus, antigo executivo da Meta e da PayPal, que disse estar “triste” com a postura “mal informada” do principal rosto da cimeira tecnológica, que “poderia ter escolhido uma abordagem mais subtil, condenando estas atrocidades e pedindo moderação”.

Também Adam Singolda, CEO israelita da empresa de publicidade Taboola, que diz ter estado presente na Web Summit “durante anos”, informou que não pretende fazer “parte das iniciativas futuras” de Paddy Cosgrave e revelou que não deseja voltar a trabalhar com o empresário. Considerando que o principal rosto da Web Summit “cometeu um erro” e que “não é um bom momento para subir ao palco e falar de ‘igualdade'” ou liberdade de expressão, Singolda relembrou que as declarações surgiram “uma semana após o início da guerra, quando as mães veem os seus bebés queimados vivos por terroristas, quando quase 200 pessoas ainda são mantidas reféns, longe das suas famílias”.

Tanto David Marcus como Adam Singolda receberam a mesma resposta por parte de Paddy Cosgrave. Foram redirecionados para uma nova publicação, onde o irlandês condena os atos do Hamas, considerando que o que grupo fez é “repugnante”. “É, em qualquer medida, um ato de maldade monstruosa. Israel tem o direito de se defender, mas não tem, como já afirmei, o direito de violar o direito internacional”, clarificou.

Nesse post, também feito na rede social X, Cosgrave relembrou o “caminho para a paz na Irlanda” e citou Patrick Kielty, comediante e apresentador irlandês que falou sobre o conflito entre Israel e Palestina no seu programa de televisão: “Para todos os que estão em Israel e na Palestina, pode não parecer, mas há esperança e espero que o vosso milagre chegue em breve.”

Por sua vez, o investidor Hanan Brand, que também é vice-presidente e líder de investimentos em startups na Autoridade de Inovação de Israel (IIA), pediu o cancelamento da Web Summit de Lisboa através da hashtag “cancelwebsummit”, acrescentando que esta será a última vez que participará no evento. “O meu dinheiro e dos outros não será subsidiará apoiantes do ISIS como Paddy Cosgrave”, escreveu.

Noutra publicação, Hanan Brand pediu a remoção imediata do site da Web Summit de todos os oradores, moderadores e participantes que cancelaram a presença no evento. “Os participantes que pagaram uma quantia enorme de dinheiro devem conhecer a programação atualizada. Obrigado.”

Ao início da tarde desta segunda-feira eram seis os oradores israelitas que aparecem no site da Web Summit. Dessa meia dúzia de nomes, apenas um já anunciou que não estará presente na cimeira tecnológica, tendo, entretanto, sido retirado da lista. Ori Goshen, cofundador e co-CEO da empresa AI21 Labs, cancelou a participação, considerando que já é “suficientemente mau que o CEO da cimeira, Paddy Cosgrave, não tenha achado adequado expressar o seu horror face às atrocidades repugnantes cometidas pelo Hamas no dia 7 de outubro”.

Moshiel Biton, cofundador e CEO da Addionics, e Or Lenchner, CEO da Bright Data, também condenaram as palavras de Paddy Cosgrave e partilharam a hashtag “boicote Web Summit”. Porém, não deixaram claro se mantêm ou não a presença em Lisboa.

Esta segunda-feira, antes da publicação do embaixador Dor Shapira e do pedido do investidor Hanan Brand, Paddy Cosgrave voltou a abordar o conflito entre Israel e a Palestina no X. “Estamos todos devastados com as terríveis mortes e o número de vítimas civis inocentes em Israel e em Gaza. Condenamos os ataques do Hamas e apresentamos as nossas mais profundas condolências a todos os que perderam entes queridos. Esperamos que haja uma reconciliação pacífica”, escreveu, desta vez.

Umas horas depois, já ao final da tarde desta segunda-feira, Paddy Cosgrave regressou ao X para repetir que “os crimes de guerra são crimes de guerra mesmo quando cometidos por aliados e devem ser denunciados pelo que são”. “Eu não vou ceder”, escreveu.

Num comunicado enviado à DealBook, newsletter do The New York Times, o empresário irlandês afirmou querer reiterar a sua “condenação ao ataque que o Hamas realizou em Israel na semana passada”, mostrando-se “devastado pela perda de vidas em Israel e Gaza”. “Espero pela paz e reconciliação”, acrescentou.

O Observador contactou a Web Summit e a Câmara Municipal de Lisboa para obter uma reação não só às declarações de Paddy Cosgrave como ao boicote anunciado por Dor Shapira. A autarquia liderada por Carlos Moedas ainda não respondeu. A Web Summit, por sua vez, reiterou a “consternação pela perda de vidas inocentes em Israel e em Gaza”, condenando “veementemente os horríveis ataques do Hamas contra os israelitas”.

Entristece-nos saber que o embaixador de Israel em Lisboa, Dor Shapira, e alguns israelitas da comunidade tecnológica já não estarão presentes na Web Summit. Lamentamos qualquer dor causada e enviamos as nossas mais sinceras condolências a todos os que perderam entes queridos”, lê-se na resposta enviada ao Observador, que termina com esperança de uma “reconciliação pacífica”.

A Web Summit deste ano em Lisboa realiza-se entre 13 e 16 de novembro. No mês passado, a empresa inaugurou um novo escritório em Portugal e anunciou que quer contratar mais 50 trabalhadores no país, fazendo crescer a equipa para cerca de 150 pessoas.

Web Summit, com novo escritório junto dos Unicórnios, vai contratar mais 50 trabalhadores em Portugal