Em 1953, há 70 anos, uma noiva, uma distinta jovem de classe alta, teve de usar um vestido de noiva que não queria porque iria começar uma caminhada para o topo do mundo com o seu noivo e era preciso passar uma mensagem. Contudo a verdadeira heroína da história viria a ser a costureira negra que superou todos os desafios e mesmo assim viu o seu nome esquecido. Para o segundo casamento, em 1968, a mesma noiva já era um ícone de estilo consagrado e escolheu um vestido saído de um desfile de um amigo. No final, Jackeline Kennedy Onassis deixou os dois vestidos na história da moda, e entre o brilho da celebridade e o drama dos bastidores eles são duas personagens com enredo próprio na vida desta diva.
Há 55 anos a ilha grega de Skorpios era palco de um pequeno casamento, uma cerimónia religiosa ortodoxa grega numa pequena capela que durou 45 minutos e contou com 40 convidados. À saída os noivos foram saudados com chuva e também com as tradicionais “chuvas” de arroz e amêndoas açucaradas. Mas enquanto os convidados seguiam para o copo de água no iate do noivo, o mundo estava de olhos postos nesta discreta união.
A 20 de outubro de 1968 Jacqueline Bouvier Kennedy, a antiga primeira-dama norte-americana, casava-se com Aristóteles Onassis na ilha privada do poderoso armador grego. O noivado, cinco anos depois do assassinato do Presidente John F. Kennedy, apanhou o mundo de surpresa. O casamento foi apenas para amigos próximos e familiares. Os filhos da noiva, John Junior e Caroline, seguraram velas enquanto a irmã da noiva, a também bem famosa Lee Radziwill, foi a dama de honor, relata a revista Brides.
O noivo era 23 anos mais velho e oficializou o pedido de mão com um anel Harry Winston com um diamante Lesotho III de 40 quilates, também ele impressionante. A joia esteve fechada num cofre e depois da morte da Jackie (em 1996) foi vendida em leilão por quase dois milhões e meio de euros. Já o vestido de noiva fica nos livros de história da moda. Jackie Kennedy era já um ícone de estilo consagrado e, mesmo quando tentou ser simples e prática, marcou a tendência.
O vestido com gola alta, manga comprida balão, torso com renda e saia de pregas acima do joelho era em tudo oposto ao primeiro vestido de noiva de Jackie, mas já lá iremos. Esta peça era também puro estilo década de 1960 e a noiva completou ainda o look com um laço branco no seu volumoso cabelo comprido, bem ao estilo da época.
Com assinatura do italiano Valentino Garavani, este vestido não foi uma criação especial para a ocasião. A peça tinha sido apresentada na famosa coleção toda em branco para a primavera/verão 1968 e só quando no dia depois do casamento o designer começou a receber inúmeras chamadas para confirmar se o vestido era da sua autoria, é que se apercebeu que se tratava de um vestido que a noiva terá simplesmente tirado do seu guarda-roupa, segundo disse numa palestra em Nova Iorque em 2014.
O próprio Valentino confessou que o “boom” da sua marca aconteceu com Jackie. John Kennedy morreu em 1963 e, depois de deixar a Casa Branca, a sua viúva regressou a Nova Iorque. A ex-primeira dama e o designer italiano conheceram-se no ano seguinte, quando Valentino foi à cidade para apresentar uma das suas coleções, e Jackie encomendou seis vestidos de Alta Costura, todos eles criações em preto e branco para usar durante o período de luto. Depois da relação cliente/designer viria uma forte amizade.
Valentino Garavani. A sofisticada “la vita in rosso” do imperador da moda
E há 70 anos tudo foi diferente
Quando John F. Kennedy e Jacqueline Bouvier se casaram a 12 de setembro de 1953, tudo fazia acreditar que se tratava de um acontecimento. Por isso mesmo, a revista Time enviou a fotógrafa Lisa Larsen, cujas imagens ilustraram o artigo que saiu na publicação nesse mesmo mês. Dois meses antes do casamento já tinham sido capa da revista como um jovem casal maravilha, que fazia furor mesmo antes de serem um dos pares presidenciais mais carismáticos da história dos Estados Unidos. A Life descreveu o seu casamento como sendo o “do jovem senador mais bem parecido de Washington com a fotógrafa mais bonita e curiosa de Washington”, concluindo que foi também “o mais impressionante que o antigo reduto da sociedade viu em 30 anos”.
O evento, podemos dizer assim, reuniu “600 diplomatas, senadores, figuras do social” na igreja de St. Mary e a cerimónia conduzida pelo arcebispo de Boston até contou com uma bênção especial do Papa. O copo de água teve 900 pessoas e os noivos terão demorado duas horas a cumprimentá-los a todos com um aperto de mão. Tal como nos casamentos de celebridades, havia fãs na rua, mais precisamente dois mil, que chegaram em autocarros e houve até um convidado que confessou à revista que tudo foi “como uma coroação”.
O vestido da noiva contava com quase 50 metros de tecido, segundo a legenda de uma das imagens de Larsen. E não é só na quantidade de material que ele impressiona, é também na história que tem para contar. No relvado da quinta da mãe da noiva, em Newport, Rhode Island, Jackie encarnou a princesa dos contos de fadas, mas a vida da fada madrinha nesta história não foi fácil.
A noiva queria que o vestido ficasse a cargo de um designer francês. O futuro sogro assumiu o comando das operações e decidiu que a peça deveria ser de uma marca norte-americana, para enviar uma mensagem de diplomacia. A escolha recaiu sobre Ann Lowe, a costureira que já havia feito o vestido de noiva da mãe de Jackie, Janet Auchincloss. Tratava-se de uma costureira muito procurada pelas famílias de classe alta da costa este para a criação de vestidos de noiva e debutantes e a lista de clientes de Lowe incluía apelidos tão poderosos como Rockefellers, Du Ponts e Roosevelts, segundo revela a Vanity Fair.
O vestido de noiva de Jacqueline Bouvier é uma peça rica em trabalho minucioso. Todo o corpete tem um efeito plissado a envolver o corpo, a saia amplamente rodada conta com um efeito de ondas na bainha, e grandes rosáceas em tecido com flores de laranjeira ao centro. Os efeitos tridimensionais em tecido eram uma especialidade de Lowe.
O processo de criação do vestido teve muito drama. Conta a Vanity Fair que duas semanas antes do casamento, o atelier de Lowe inundou e tanto o vestido de noiva como os das damas de honor ficaram destruídos, uma vez que estavam dois meses de trabalho para trás. Segundo especifica a Vogue, 10 dias antes da cerimónia um cano rebentou no atelier e destruiu o vestido de noiva, feito com quase 50 metros de tafetá de seda, e também nove dos quinze vestidos de damas de honor. A designer terá tido uma perda de 2200 dólares (que atualmente terá um valor equivalente de 21 mil dólares, ou seja, quase 20 mil euros).
Ann Lowe não só não desistiu como fez um grande investimento. Comprou ela própria novos tecidos e contratou uma equipa de costureiras para refazer tudo em 10 dias. E houve ainda mais drama. Quando Lowe foi entregar os vestidos, no dia do casamento, indicaram-lhe a porta de serviço e terá chegado a ameaçar levar os vestidos de volta se não a deixassem entrar pela porta da frente.
Há um elemento importante a referir, Ann Lowe era negra. A designer era bisneta de um dono de uma plantação no Alabama com uma escrava. Aprendeu a arte da costura ao estilo do século XIX com a mãe e com a avó, ambas chegaram a ter um negócio juntas, e aos seis anos a pequena Ann já sabia fazer flores em tecido. A cor da pele não é um pormenor nesta história, porque, segundo relata a Vanity Fair, uma vez um jornalista perguntou a Jackie o nome da designer do vestido e esta terá respondido “uma costureira de cor”, embora um esclarecimento posterior afirme que a citação veio de uma revista da época e não da antiga primeira dama.
Reza a lenda que a noiva não gostou do seu vestido. Por algum destes motivos, ou por todos, a verdade é que o nome de Ann Lowe não teve o merecido reconhecimento na história. Apesar da intensa cobertura que o casamento terá tido na comunicação social da época, só o Washington Post terá dado a Ann Lowe o crédito pelo vestido de noiva.
A designer descrevia-se a si própria como “uma terrível snob” e disse também que era “muito exigente” em relação a quem usava a s suas roupas. “Não estou interessada em costurar para a café society ou para alpinistas sociais.” A designer teve a sua própria casa de costura, Ann Lowe’s Originals. Inc, com morada na Madison Avenue em Nova Iorque. Em meados da década de 1960 Lowe teria uma dívida na ordem das dezenas de milhar de dólares e também problemas com a autoridade tributária, contudo “uma amizade anónima” tratou de lhe pagar os impostos, reduzindo as dívidas em metade. Segundo o Washington Post, Lowe acreditava que a benfeitora teria sido Jackie.
O vestido será demasiado delicado para estar exposto e está conservado na Biblioteca e Museu Presidencial John F. Kennedy, mas recentemente foi permitido o acesso a uma professora e designer da Universidade do Delaware para que fosse feita uma cópia para a exposição “Ann Lowe, American Couturier”. Durante a análise do vestido para reprodução foi descoberta uma fita azul escondida na bainha. A mostra é dedicada à designer e está patente no Winterthur Museum Garden and Library, em Delaware, desde o passado dia 9 de setembro e até ao próximo dia 7 de janeiro.