“Inoportuna”. Foi essa a palavra utilizada cinco vezes pelo bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, em declarações à Rádio Observador, para se referir à entrevista dada pelo diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), Fernando Araújo, ao jornal Público, publicada na manhã desta terça-feira.

Para o bastonário, a entrevista “vem criar um ruído completamente desnecessário junto da população, dois dias antes de uma reunião muito importante com o Ministério da Saúde e os sindicatos”, que ocorre na sexta-feira.

Ruído este causado pelo possível pânico instaurado pela afirmação de que “novembro poderá ser o pior mês dos últimos 44 anos do SNS” e também pelo “ónus absolutamente intolerável sobre os médicos na questão ética”, criticou à Rádio Observador.

“A ética de hoje é uma questão política e institucional, não dando aos profissionais de saúde e aos médicos as condições necessárias para tratar os seus doentes”, declarou.

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“Entrevista a Fernando Araújo é inoportuna”

Carlos Cortes refere-se, então, à entrevista em que o diretor-executivo do SNS avisou que, se os médicos não chegassem a acordo com o Governo, novembro poderá ser o pior mês dos últimos 44 anos no SNS.

Fernando Araújo revelou ainda que a reorganização das urgências estará pronta até final do ano e que, dentro de pouco tempo, só poderá ir às urgências quem for enviado pela linha SNS24, por um médico ou por outro hospital.

A poucos dias de uma nova reunião entre os sindicatos médicos e o Ministério da Saúde, o diretor-executivo do SNS disse temer que novembro seja um mês “dramático” e deixou um apelo aos médicos: “Temos de reclamar direitos, mas de uma forma que seja eticamente irrepreensível”.

Sobre o aumento proposto do limite anual de horas extraordinárias das atuais 150 para 250, que os sindicatos médicos têm recusado, Fernando Araújo disse que os médicos têm razão e sublinhou que é preciso encontrar “modelos que reduzam a necessidade de horas extras, que se consiga pagar melhor aos médicos pela atividade normal programada”.

O diretor-executivo reconheceu ainda que a reorganização das urgências vai implicar alterar a rede e o mapa [de serviços de urgência], sublinhando: “Temos de ser muito objetivos relativamente à capacidade de resposta que temos. Não podemos ter serviços de urgências que estão um dia por semana abertos, outro dia fechados”.

“Estamos perante uma situação inimaginável”

Ainda sobre os serviços de urgência, adiantou que estão já a ser reorganizados, mas que a questão das 150 horas extraordinárias dos médicos, que nas últimas semanas se recusam a ultrapassar o limite anual de trabalho suplementar, “acabou por mudar o foco do processo”.

Deu o exemplo de projetos-piloto que afirma estarem a funcionar bem, como o da Póvoa de Varzim- do Conde, afirmando que, neste caso, conseguiu evitar-se muitas idas às urgências, explicando: “O SNS24 consegue ir à agenda [dos médicos de família] para marcar consultas para o dia seguinte, ou para o mesmo dia”.

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“Agora, a urgência continua ainda a ser utilizada de forma indevida por alguns utentes, que, por falta de informação ou de confiança, acabam por optar por ir ao hospital sem ligar ao SNS24. Mas nesta segunda fase que vai agora avançar — estamos a trabalhar na questão jurídica e temos uma versão que acho que cumpre todos os requisitos — a urgência será realmente referenciada”, acrescentou.

Adiantou que esta opção é possível do ponto de vista legal, desde que se tenha capacidade de resposta alternativa: “Não se pode dizer ao doente que não pode ser atendido, mas sim que a urgência não é o melhor local para ser atendido, e que tem uma consulta agendada no dia seguinte no centro de saúde, no seu médico de família, ou até no hospital”.

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Sublinhou que está será “uma mudança cultural significativa, que tem que ser acompanhada de informação e de formação”.

“Por um lado, terá de haver uma revisão do SNS24 e temos de criar nos cuidados de saúde primários uma capacidade de atendimento, entre as populações que estão a descoberto, de termos consultas todos os dias, também ao fim de semana e aos feriados, como acontece na Póvoa de Varzim”, explicou.

Sobre a urgência pediátrica, admitiu que o caminho será a concentração de respostas, como já acontece no Norte do país. “Temos mesmo de replicar os modelos que todo o mundo usa e, portanto, que concentrar esta resposta de urgência com alguma coerência”, referiu.