Terminou a reunião entre os sindicatos dos médicos e o ministro da Saúde que durou mais de nove horas. Já passava das duas da madrugada quando sindicatos e ministro terminavam “a longa reunião que foi muito positiva, uma reunião que foi demorada”, como referiu o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, no entanto sem qualquer acordo.

À saída da reunião, às 2h15 desta segunda-feira, Manuel Pizarro falava aos jornalistas no rescaldo desta reunião referindo que “o SNS [Serviço Nacional de Saúde] é um bem precioso para os portugueses mas que necessita de ser reorganizado. Para isso, nós precisamos melhorar as condições de trabalho dos profissionais, neste caso dos médicos”, sem que comprometa o papel fundamental do SNS, como explica o ministro. “Precisamos de encontrar uma solução equilibrada deste problema que exige algum esforço e acho que hoje demos passos muito importantes na direção certa“, termina.

Em relação às 35 horas semanais a médicos do serviço de urgência, o ministro explica: “o acordo terá de ser feito de forma global, e esse é um dos temas muito difíceis desta negociação. Como é que nós podíamos ao mesmo tempo fazer uma redução no horário de trabalho e garantir que o SNS não perdia nada da sua capacidade de resposta? Acho que encontrámos as soluções adequadas para que isso aconteça. Vamos agora esperar pela conclusão dos nossos trabalhos”.

Uma nova ronda negocial está marcada para a próxima terça-feira, às 14h30: “a minha expectativa é de que seja possível concluir um acordo na reunião de terça-feira, mas isto tem de ser tratado pelo respeito devido pelas posições de cada um. Se é verdade que hoje houve uma enorme aproximação também é verdade que persistem ainda algumas diferenças que têm de ser limadas”, explicou o ministro.

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O ministro Manuel Pizarro termina a curta declaração aos jornalistas dizendo que não ficou fechado um acordo, “é visível que isso não aconteceu mas acho que hoje demos passos muito significativos para aproximar as nossas posições”.

Também no fim desta reunião, Joana Bordalo e Sá da FNAM [Federação Nacional dos Médicos] disse ser indispensável ver por escrito tudo o que já foi falado e decidido entre sindicatos e ministro, recusando-se a adiantar mais pormenores do que se passou ao longo daquelas nove horas de reunião. No entanto, haverá um pré-acordo para as 35 horas semanais e 12 horas de urgência mas faseado. Um dos principais problemas estará na grelha salarial.

Por sua vez, Roque da Cunha, do SIM [Sindicato Independente dos Médicos], assumiu que houve avanços tal como disse o ministro, mas sem querer nunca revelar grandes pormenores dos pontos abordados e decisões concretas daquela reunião. Já no fim, o dirigente sindical assumiu que o Governo propõe um aumento de 5% de salário base e que essa é uma das questões que ainda não teve acordo entre as duas partes.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o que é ser hoje médico.

Ser médico já não é uma profissão de sonho?

Governo aceita repor 35 horas semanais a médicos do serviço de urgência, mas exige “apoio” na reorganização do SNS

O Ministério da Saúde compromete-se a repor as 35 horas semanais para os médicos dos serviços de urgência e reduzir progressivamente o horário naquela atividade, mas adverte que tal não pode prejudicar o acesso a cuidados de saúde. Depois de ter sido revelado um documento que a tutela enviou aos sindicatos, e que serve de ponto de partida para a reunião negocial deste domingo, em que se abria a porta à redução do horário semanal de trabalho, o ministro da Saúde confirmou essa disponibilidade, mas impôs condições.

“Espero que nos consigamos aproximar muito, prevejo uma negociação longa, mas finalmente dissemos sim a duas grandes reivindicações dos médicos, mas não podemos deixar de assegurar que estas mudanças se traduzam em melhores condições para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e para os portugueses”, disse o ministro à entrada para a reunião com os sindicatos médicos — a Federação Nacional dos Médicos e o Sindicato Independente dos Médicos.

“Estas mudanças até podem parecer paradoxais, porque o que os portugueses veem é dificuldade no acesso à saúde, e estamos a acordar reduzir o horário e o número de horas que prestam no SNS, por isso tem de haver um ‘mas’, e a compensação é o apoio dos sindicatos médicos para reorganizar os serviços, para não colocar em causa a assistência em saúde aos portugueses”, disse o governante aos jornalistas antes da reunião que decorreu este domingo à tarde no Ministério da Saúde e que se prolongou pela noite dentro.

“Fizemos hoje mais uma enorme aproximação às reivindicações dos médicos, aceitando generalizar progressivamente e de forma faseada o horário das 35 horas e reduzir progressivamente, de forma faseada, o número de horas de urgência, mas todos os portugueses percebem que isso só pode ser feito desde que possamos assegurar uma métrica de resultados que garanta que essas mudanças não põem em causa a assistência médica aos portugueses”, disse Manuel Pizarro.

O ministro da Saúde vincou ainda que “há coerência na ideia de que o horário dos médicos seja igual ao dos outros trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde (SNS), assim como faz sentido que façam urgências de 12 horas, mas de forma a garantir que o que não falha é o atendimento assistencial de que os portugueses necessitam”.

Redução imediata para médicos de urgência, faseada para os restantes

No documento que foi enviado pelo Governo aos sindicatos dos médicos, e a que a Lusa teve acesso, o Ministério da Saúde destacava que a redução do horário de trabalho dos médicos e do número de horas de atividade no serviço de urgência “não pode significar a diminuição de acesso a cuidados de saúde e da capacidade de resposta do SNS [Serviço Nacional de Saúde]”.

O executivo cede à reivindicação das 35 horas de trabalho semanais, mas coloca condições para não pôr em causa o atendimento no SNS. Se for aceite, a medida abrangerá de imediato os médicos dos serviços de urgência, sendo depois gradualmente aplicada a todos os outros.

“Exige-se, por isso, um compromisso das duas partes em relação a esta matéria, que é condição essencial para que as referidas alterações possam vir a ser consideradas”, refere o ministério tutelado por Manuel Pizarro.

Na contraproposta enviada aos sindicatos, a tutela compromete-se a consagrar o horário semanal de 35 horas aos médicos do serviço de urgência, e posteriormente aos médicos de outros serviços, mas destaca que “o devido descanso compensatório não pode implicar o prejuízo do cumprimento do horário de trabalho semanal, sob pena de provocar uma perda de carga horário global incompatível com o funcionamento dos serviços”.

O Ministério da Saúde admite também indexar a “redução progressiva” de 18 para 12 horas semanais no serviço de urgência, desde que se verifique a “diminuição da dependência do SNS da realização de trabalho em horas extraordinárias e em regime de prestação de serviço”.

A reorganização dos serviços de urgência, através da criação de Centros de Responsabilidade Integrados e de equipas dedicadas à urgência nos diversos hospitais do país é outra das propostas da tutela, assim como criar condições para o alargamento do horário de funcionamento das Unidades de Saúde Familiar (USF) “possibilitando o acesso dos utentes em situação de doença aguda não urgente e reduzindo a necessidade de recurso aos serviços de urgência hospitalares”.

“Esperamos ter condições para evoluir, em conjunto, na direção de um acordo que, constituindo uma valorização da profissão médica e melhoria das condições de trabalho das equipas clínicas permita, em simultâneo, melhorar a capacidade de resposta do SNS. É isso que os portugueses nos exigem!”, acrescenta.

Sindicato Independente dos Médicos preocupado com proposta do Governo

O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) manifestou-se preocupado com a proposta apresentada pelo Governo antes de regressarem à mesa das negociações e para o qual está a ser preparada uma contraproposta. “Numa primeira análise devo dizer que estamos seriamente preocupados com essa proposta” apresentada pelo Ministério da Saúde, disse à agência Lusa Jorge Roque da Cunha.

Desde logo, continuou, porque “vai ao arrepio daquilo que foi dito na última reunião negocial” e “há um sentimento de deceção, porque, como é evidente, se a situação se mantiver, como tem estado (…) a situação vai agravar-se”. “Parece-me que o Governo está totalmente insensível em relação ao que está a ocorrer em todo o país, na dificuldade nas escalas de urgência, das consultas externas e das cirurgias que são adiadas e no número de utentes sem médico de família”, acusou.

O sindicalista acusou o Governo de não aproveitar a disponibilidade apresentada pelo SIM e pela Federação dos Médicos de uma “cedência importantíssima que era a calendarização de três aspetos que ocorreram no período da troika”.

“Na transição, de uma forma faseada, para 35 horas de trabalho, tal como todos os funcionários públicos; diminuição da carga de urgência na carga de trabalho, permitindo, dessa forma, criar condições para que as cirurgias programadas e as consultas faça, claramente, uma menor pressão junto da urgência e, ao mesmo tempo, fazer uma reposição salarial, também faseada no tempo”, enumerou.

Permitir-se-ia desta forma, continuou, “criar estas três condições para que os médicos deixem de sair do Serviço Nacional de Saúde” como aconteceu em 2022, quando “cerca de 1.100 rescindiram” e, este ano, “espera-se a reforma de 1.200”. “Esta preocupação é fundada, é uma preocupação muito responsável, porque abdicamos de exigir imediata reposição e, pelos vistos, o Governo não tem essa perceção”, alertou. E acrescentou: “Quando se coloca a questão de diminuir a carga de trabalho, nomeadamente em relação à exigência no horário de trabalho de serviço de urgência, nós, ao mesmo tempo garantimos que os médicos continuam a fazer as 24 horas de urgência por semana até ser necessário”.

A reunião negocial com o Governo, deste domingo, Jorge Roque da Cunha adiantou que, juntamente com os colegas da Federação dos Médicos, foi apresentada uma contraproposta ao que foi apresentado pelo ministério.