Ainda mal lançou a candidatura, num Largo do Rato a rebentar pelas costuras, mas Pedro Nuno Santos já fez duas intervenções públicas no papel de candidato (e comentador demissionário). Na SIC, o candidato à liderança do PS concedeu, primeiro, uma entrevista curta e ainda fez uma última participação, também breve, como comentador, papel que abandonará agora que se candidata na disputa socialista. E ambos os momentos trouxeram revelações: tanto sobre o primeiro-ministro que Pedro Nuno Santos será caso supere o desafio de ganhar o PS e o país; como quanto às decisões que tomará.
Prometendo adotar um estilo de “proximidade”, sem se concentrar apenas no que diz a chamada “bolha” mediática, Pedro Nuno deixou em aberto o futuro da TAP e da privatização que está prevista, lançou ataques ferozes à direita — mesmo sem contar com o Chega — e ainda comentou a sua má relação com Diogo Lacerda Machado.
A privatização que deve ser alvo de “debate”
Em ambos os momentos, Pedro Nuno Santos fez questão de agitar uma das suas grandes bandeiras: a recuperação da TAP, que diz ser uma história de sucesso, tendo a convicção de que o Estado não deveria vender a maioria do capital da companhia aérea. Desta vez, reiterou esta opinião, frisando que não há pressa no processo de privatização da empresa, mas acrescentou mesmo que é preciso fazer uma “avaliação” sobre o que “se pode perder” quando o Estado deixar de deter a maioria do capital da empresa: ““É um debate que tem de ser feito”.
Ainda a propósito das pastas que geriu enquanto responsável pelas Infraestruturas, Pedro Nuno não hesitou em defender o famigerado despacho que previa a localização do novo aeroporto de Lisboa e que acabou revogado por António Costa. Apesar da polémica, pela qual na altura pediu desculpa publicamente, o candidato não resiste a ser “muito sincero” e voltar a defender as suas ações: “Era para mim insuportável a ideia de termos de esperar mais um tempo prolongado para se decidir a localização do aeroporto. O país está há 50 anos a tentar”, recordou. Por isso, achou que devia haver um momento em que o Governo “decidisse”. Desta vez, se chegar ao Governo, a primeira etapa da decisão estará nas mãos da Comissão Técnica Independente.
O “radical” Governo de direita (sem o Chega)
Mesmo sem falar na hipótese de o PSD recuar e voltar a admitir um acordo com o Chega, Pedro Nuno Santos acredita que pode vir aí, de qualquer forma, um governo de direita “radical”. “O projeto PSD-IL já é suficientemente radical para nos preocupar”, atirou. “A IL tem um projeto radicalmente liberal. Um eventual Governo PSD-IL seria mais à direita do que o de Passos Coelho”.
Sobre a hipótese de viabilizar um Governo de direita para que esta não precise do Chega, Pedro Nuno disse apenas que não está a trabalhar nesse cenário e que só está a pensar em ganhar. Já sobre os acordos à esquerda que sempre defendeu, reserva a opinião para depois, dando por agora uma resposta politicamente correta: “Vamos tentar lutar pelo melhor resultado possível. É só isso que temos na nossa cabeça(…) Consoante o arranjo parlamentar que sair das eleições, faremos essa avaliação. Mas não faz sentido fazê-la a priori, quando queremos ganhar as eleições”.
A má relação com Lacerda e a não demissão de Galamba
Sobre Diogo Lacerda Machado e uma eventual proximidade “problemática” a António Costa, Pedro Nuno confirmou o que já era “mais ou menos público”: a sua relação com Lacerda Machado “não era a melhor”.
Quanto a Vítor Escária, e apesar dos “cuidados” para não se meter no processo, quis defender Costa: “Não conseguimos antecipar tudo sobre as pessoas com quem trabalhamos. Costa escolheu uma pessoa com competência e currículo, e obviamente não estava à espera”.
Ainda sobre os implicados deste caso, admitiu que, na posição de João Galamba, teria saído do Governo mais cedo.
A solução Centeno
Pedro Nuno Santos chegou, como foi noticiado, a ser informado da “solução Centeno”, o nome proposto por António Costa a Marcelo Rebelo de Sousa para tentar salvar a maioria absoluta e evitar eleições antecipadas. E confirmou-o neste comentário, admitindo que não se “opôs” à ideia, mas sem se mostrar, ao mesmo tempo, particularmente “entusiasmado” com ela: “Não me opus a ela, como não critico a decisão do Presidente, antes pelo contrário”.
O afastamento do caso judicial que deitou abaixo o Governo
Se no discurso de lançamento da candidatura o socialista defendeu que o PS não pode passar os próximos quatro meses (até às eleições antecipadas) a discutir a Operação Influencer, estes dois momentos que se seguiram também foram usados para frisar a ideia. “Seria muito mau para o nosso país que não discutíssemos a política”, disparou, rejeitando entrar numa postura de “confrontação” com o sistema judicial, que “deve ser respeitado”. É esta a linha que os dirigentes do PS querem seguir, embora o caso esteja a irritar e a provocar muitas críticas, mais ou menos em surdina, ao Ministério Público nos corredores do partido.
O perfil “próximo” como primeiro-ministro
Apesar de ainda faltar uma etapa — a vitória no partido — para poder sonhar com governar o país, durante a edição final do seu espaço de comentário Pedro Nuno Santos aceitou definir qual será o seu perfil se chegar ao cargo de primeiro-ministro. “Muito próximo das pessoas”, garantiu, recusando afastar-se “da vida da maioria dos portugueses” e mantendo-se “fora da bolha”. “Com esta capacidade de sentirmos o que o outro sente”.
As promessas em que é preciso “trabalhar”
Quanto ao tempo de serviço dos professores, cuja recuperação integral e faseada já defendeu — precisamente na SIC, há um par de semanas –, Pedro Nuno respondeu inicialmente de forma mais vaga, dizendo que é preciso uma administração pública mais qualificada e com salários melhores. A propósito dos docentes assegurou que a sua opinião “não muda”, mas também reconheceu que é preciso fazer “um trabalho” junto dos representantes destes e dos médicos.
A hipótese longínqua do apoio a Costa
Nos corredores do PS circula uma tese sobre o futuro de Costa: uma libertação do atual processo judicial poderá permitir ao primeiro-ministro demissionário equacionar uma candidatura a Belém — um cenário que o primeiro-ministro sempre negou, mas isso, acredita o PS, era antes da improvável e inédita crise que o país e o PS atravessam. Tendo ouvido Costa negar o regresso a cargos públicos, no sábado, corrigindo depois a afirmação para “cargos executivos” (o que não exclui Belém), o partido acredita que ainda existe margem para convencer Costa a regressar para uma corrida presidencial.
Pedro Nuno evitou comentar diretamente esta hipótese, defendendo que Costa “estará livre para o que ele próprio entender”. “Se ele sentir que tem condições para voltar à vida política ativa, nem sequer precisa do apoio de ninguém”, atirou, sem se comprometer. “Essa questão não se coloca, não faz sentido estarmos a falar de presidenciais em 2023”.
O momento não é ideal, mas “a vida é assim”
Pedro Nuno Santos contava com mais tempo para, no espaço de comentário na SIC Notícias que termina precocemente, se apresentar aos portugueses. E assumiu mesmo que o momento da candidatura “não é ideal” e que a realidade “se precipitou”. Mas nada a fazer: não só “a vida e a política são assim” como Pedro Nuno sabe que seria “difícil explicar”, depois de tantos anos de preparação, chegar à tão antecipada oportunidade de disputar a liderança do PS e recuar. Desta vez avançou mesmo. A primeira prova acontece a 16 e 17 de dezembro, quando for a votos contra José Luís Carneiro.