O Orçamento do Estado para 2024 foi aprovado na generalidade numa outra era e é fechado na especialidade numa muito diferente. Entre um ponto e outro caiu o Governo e a oposição fez do arranque do debate na especialidade um tubo de ensaio de argumentos de campanha. No Governo reconhece-se que o “momento é “crítico” e, numa tentativa de contra-ataque, recua-se à troika para tentar atingir o adversário na sensível zona dos cortes em salários, pensões e subsídios e agita-se o fantasma da instabilidade.

Este foi o primeiro de cinco dias de debate, com a votação final agendada para a próxima quarta-feira, e no plenário já se vai fazendo o aquecimento de uma campanha antecipada. O que saltou à vista na intervenção de André Ventura que levou para este debate os casos que fizeram cair o Governo e até com referências ao passado do caso Casa Pia — o que irritou a bancada socialista.

André Ventura arrancou a intervenção a dizer que “o dia tardou mas chegou” e que o PS trouxe ao país o terceiro “pântano”, com um escândalo de “corrupção”. Ainda recordou, em jeito de aviso, o contexto internacional da vitória de Javier Milei na Argentina e da extrema-direita na Holanda. “Por todos os países do mundo, os eleitores livram-se de sociais democratas, socialistas, liberais, livram-se de todos. A alternativa é dizer: queremos o país nas nossas mãos”.

Depois olhou para dentro e apontou uma cadeira específica na bancada socialista. “E se houvesse maior degradação das instituições possível, é João Galamba ali sentado”, atacou o líder do Chega indicando o ex-ministro já de regresso ao Parlamento — depois de ainda no debate na generalidade ter sido ele a fazer o encerramento por parte do Governo. A seguir partiu para as questões de Justiça, dizendo ao PS que não pode “apresentar-se neste debate como se tivesse um historial imaculado”. “É o mesmo PS que não esquecemos da Casa Pia e da Operação Marquês”, disparou colando aos socialista a problemas de corrupção e acusando-os de “interferir na Justiça”.

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No PS, Eurico Brilhante Dias quis defender a honra da bancada e não “deixar que seja tratada atribuindo-lhe um crime, que é o da corrupção”. “Não vamos transformar este debate num debate sobre um processo judicial”, disparou o socialista irritado.

No PSD, Hugo Carneiro concentrou tudo no ataque ao Governo e à “degradação dos serviços públicos”, acusando a ministra presente na sala de ter feito um discurso sobre uma realidade alternativa. Ana Catarina Mendes tinha citado o nobel da Economia Paul Krugman, que falou do “milagre português” ainda esta semana, mas ficou muito longe de convencer a oposição onde Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, reclamava não existir “milagre nenhum em sufocar serviços públicos e e substitui-los pelos serviços de assistencialismo”. Na mesma bancada, Pedro Filipe Soares dizia que este é “o Orçamento dos tubarões”.

Duarte Alves, do PCP, acrescentava que o OE é uma “oportunidade perdida” em várias frentes, da Habitação ao investimento público, mas que o povo terá “a oportunidade de com o seu voto dar força” às soluções do PCP. Inês Sousa Real defendeu algumas propostas bandeira do PAN na frente da Habitação, da revisão dos escalões do IRS ou a manutenção do IVA zero. E Rui Tavares apontou — ainda que com outra intenção — para o mesmo que André Ventura tinha chamado a atenção, referindo o sucesso das “propostas autoritárias da extrema-direita” e também dos que “canibalizam o centro direita” — “tenham atenção a isso”.

O fantasma do passado e o da instabilidade

Há dois terrores que o PS usa por esta altura para tentar conter os danos de uma crise política com origem na demissão do seu primeiro-ministro: o da troika (e o regresso da direita ao poder) e a instabilidade. Ana Catarina Mendes afirmou, logo no arranque do debate, que é preciso garantir que o país não “entra em colapso por querelas partidárias ou qualquer agenda política”.

Na parte final, numa resposta à bancada do PSD sobre a Segurança Social a ministra voltaria a usar a palavra para lembrar que foi o PSD que “negociou em Bruxelas um corte de 600 milhões de euros nas pensões para os mais necessitados”, defendendo o PS que “garantiu a sustentabilidade da Segurança Social até 2070.

No PSD, a deputada Clara Marques Mendes pedi a palavra para acusar a ministra de “usar falsidades para acusar o Governo que tirou a troika de Portugal, quem a trouxe foi o PS”. E disse mesmo que Ana Catarina Mendes “estava cá, viu e assistiu aos cortes que começaram no Governo de José Sócrates”. Acabou a atirar à “insensibilidade social do Governo” e, logo a seguir, a ouvir a ministra responder-lhe com a “sensibilidade social é ter contas certas ao serviço do Estado social”. Há mais quatro dias de debate orçamental pela frente. E quatro meses de campanha até às legislativas.