Siga aqui o nosso liveblog sobre a guerra na Ucrânia

Na Ucrânia, é orfã e chama-se Margarita Prokopenko. Já na Rússia, é filha de um dos maiores aliados políticos do Presidente Vladimir Putin e chama-se Marina Mironova. Bastou viajar no comboio da “meia-noite” para que a bebé raptada de um orfanato ucraniano tivesse toda a história alterada. Mas agora uma investigação da BBC revelou a sua verdadeira identidade, e também o nome que aparece nos seus registos de adoção.

Com 70 anos, Sergey Mironov é não só o líder do partido Rússia Justa e deputado da Duma, como também um dos maiores parceiros do Presidente russo, tendo até sido alvo de sanções do Ocidente. E agora é também o pai da criança ucraniana de dois anos que foi raptada em agosto de 2022, segundo os documentos obtidos pelo canal britânico em colaboração com a investigadora ucraniana de direitos humanos, Victoria Novikova.

Apesar de os registos mostrarem que o político está casado com a mulher que alegadamente raptou Margarita, que tinha na altura dez meses, este refutou todas as alegações, descrevendo-as como um “ataque de informações falsas”.

“Não vejo sentido reagir a mais uma falsa histeria desencadeada pelos serviços especiais ucranianos e os seus curadores ocidentais”, começou por escrever, numa publicação no Telegram. “Há apenas um objetivo por trás de tudo isto: o descrédito pessoal grosseiro de todos aqueles que hoje assumem uma posição patriótica irreconciliável. A começar pelo Presidente da Rússia e por todos os que o rodeiam”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As autoridades ucranianas denunciaram que pelo menos 20.000 crianças foram levadas pelas forças russas desde que a invasão começou, tendo regressado menos de 400. O Tribunal Penal Internacional já emitiu mandados de captura a Putin e à sua comissária pelos direitos das crianças, Maria Lvova-Belova, enquanto a Rússia continua a negar a deportação ilegal de menores. No caso de Margarita, há diversas provas que a colocam no chamado “comboio da meia-noite” até Moscovo, que lhe mudou completamente a vida no papel.

Quase 20 mil crianças ucranianas deportadas ilegalmente pela Rússia

Segundo a BBC, a criança era a mais nova do orfanato de Kherson (de onde desapareceram 48 bebés), tendo sido abandonada pela mãe logo após o nascimento e não havendo qualquer informação a respeito do pai ou da sua família. A criança “sorridente” e que “adorava abraços”, como descrito pela médica Nataliya Lyutikova, que geria a unidade hospitalar, estava a ser tratada a uma bronquite e foi uma das que despertou a atenção da mulher com “vestido lilás” que visitou o edifício em agosto de 2022.

“Pouco depois da visita da mulher”, que se apresentou como a “responsável pelos assuntos infantis de Moscovo”, a médica recebeu “diversos telefonemas de um funcionário nomeado pela Rússia” a exigir que Margarita “voltasse para casa”.

A bebé acabou por ter alta uma semana depois, tendo sido levada por vários homens russos — “alguns com calças de camuflagem estilo militar e um com óculos escuros e uma pasta”. “Parecia uma cena saída de um filme”, recordou a enfermeira Lyubov Sayko. “Tínhamos medo. Toda a gente tinha medo”.

A partir desse momento, nunca mais souberam nada de Margarita. Já os homens regressaram passadas sete semanas, tendo levado as outras crianças, dizendo que iam para a Crimeia.

Mais de 2.400 crianças levadas para a Bielorrússia, afirma a Universidade de Yale

Durante meses, os investigadores tentaram rastrear as crianças desaparecidas e foram sempre parar a becos sem saída. Até decidirem voltar ao início e procurarem pela identidade da mulher com um vestido lilás.

Foi então, ao vasculhar por documentos relacionados com a transferência de Margarita, que a investigadora ucraniana se deparou com o nome Inna Varlamova. Procurou-a nas redes sociais e a médica Lyutikova acabou por confirmar a identidade.

Depois, a BBC conseguiu encontrar bilhetes de comboio registados em seu nome, que mostravam que tinha estado em Kherson no mesmo dia em que a bebé tinha sido levada do hospital. Nessa noite, às 00h20 comprou um bilhete a mais e viajou para Moscovo. Mas porquê?

Era essa a questão que pairava na cabeça dos jornalistas e investigadores, que depois chegaram à conclusão de que a mulher tinha casado recentemente com o oligarca russo Sergey Mironov, que tem dois filhos, Jaroslav Mironov e Irina Mironova.

Depois, descobriram que os dois tinham adotado uma menina chamada Marina, e, quando obtiveram os registos, perceberam que havia muitas coisas em comum entre aquela criança e a bebé raptada, nomeadamente a data de nascimento — 31 de outubro de 2021. “Quando vi que o aniversário de Marina era o mesmo de Margarita, percebi que tínhamos um bingo”, disse Victoria Novikova.

Finalmente, através de fontes anónimas russas, conseguiram aceder ao documento original da adoção de Margarita, tendo verificado que o seu nome tinha sido mudado, assim como o local de nascimento, que é agora Podolsk, na região de Moscovo.

A BBC tentou contactar o oligarca russo e o governo, tendo o primeiro recusado a responder e o segundo dito que “não tinha conhecimento do caso”.  Já no que diz respeito às outras crianças que desapareceram do orfanato, pelo menos, 17 ainda estão na Crimeia.