Saiu do plenário da Assembleia da República, fez uma declaração sem responder a perguntas e a falar do legado que deixa e seguiu caminho, com os seus ministros atrás, pelos Passos Perdidos até à porta de saída onde desabafou para ninguém: “Está feito”. António Costa tinha acabado de ver aprovado o último Orçamento da sua era e, já com a demissão na calha, saiu do Parlamento a garantir que deixa uma “sólida e tranquila estabilidade orçamental que aumenta agora a liberdade das escolhas políticas”. Uma espécie de passagem de testemunho seja para quem for. Mas do outro lado o balanço dos últimos oito anos está longe de ser o mesmo: a oposição disse adeus — ou “hasta la vista” — a Costa, apontando-lhe culpas próprias pela queda repentina do Governo, e focou-se no futuro (e na campanha).
No rápido resumo que fez do seu tempo como primeiro-ministro que agora acaba, Costa focou a recuperação de rendimentos, a aposta no investimento e a convergência económica com a União Europeia, na expectativa que a a linha possa vir a ser “seguramente prosseguida”. Mas sublinhou sobretudo que ela dá “mais capacidade e liberdade” para quem vier “poder prosseguir a trajetória de continuada melhoria”.
Dentro do plenário tinha acabado de apertar a mão a Fernando Medina, Mariana Vieira da Silva e Ana Catarina Mendes, os ministros mais próximos, perante uma bancada do Chega a acenar um sarcástico adeus. O ministro das Finanças foi o escolhido para o encerramento (no debate na generalidade esse momento tinha ficado a cargo de João Galamba, que agora já estava entre os deputados na bancada) e já tinha aberto o caminho ao balanço da actividade governativa, sobretudo em matéria de economia e finanças. Agarrou nas recentes palavras de Paul Krugman, que falou de Portugal como um milagre económico, para garantir: “A resposta não está nos santos, está nas boas políticas”.
No país político o clima eleitoral está de estaca e Medina não passou ao lado, puxando ao PS a parte positiva e trazendo do Governo de Passos os fantasmas dos cortes e da privatização da Segurança Social. Pelo meio ainda atingiu a esquerda, que, embora tenha feito parte do caminho com o PS, desdenhava de um trunfo que Medina agora ostenta: a redução da dívida pública.
Lembrou que “a estratégia económica da direita, que pensa aumentar a competitividade internacional do país na base da redução dos custos de produção — sejam salários, encargos sociais ou impostos, uma verdadeira linha de produção low cost — foi derrotada”. E ainda tocou na memória dos cortes nas pensões da era Passos e do tempo em que “o PSD e o seu atual líder” defendiam o plafonamento da Segurança Social.
Numa altura em que no seu partido há um candidato (o contrário ao que apoia, José Luís Carneiro) a piscar o olho à maioria de esquerda, Medina não foi brando com essa frente. Fez questão de juntar à lista de feitos que enumerava a vitória sobre “os dogmas da esquerda, que permanentemente se opõe” às contas certas. Ainda que tenha referido que o PS contou com a esquerda no caminho feito, muitas vezes seguiu “sozinho”. “Fomos conquistando a credibilidade financeira do país, com Orçamentos equilibrados”, lembrou isolando no PS a responsabilidade pela redução da dívida que, disse, “não é um capricho, não é um troféu, não é um fetiche. É um caminho que garante a nossa soberania”.
Da maioria “desbaratada” ao alvo preferido: Pedro Nuno
Por seu lado, a oposição concentrou-se, na hora da despedida de António Costa, em dois pontos: primeiro, fazer o enterro da maioria absoluta socialista, assegurando que caiu por culpa própria; depois, olhar em frente, já de olhos postos nas eleições antecipadas de março – e ensaiar argumentos de campanha.
A ideia de que Costa não pode agarrar-se às culpas do Ministério Público para se justificar teve eco um pouco por todas as bancadas. À direita, Joaquim Miranda Sarmento fez uma intervenção em tom inflamado – que lhe valeu logo, do lado do PS, comparações com o tom do Chega – e acusou o PS de ter “desbaratado a maioria” e “caído por dentro” e por falta de bom senso de António Costa, cujas ligações a pessoas como Diogo Lacerda Machado, Vítor Escária ou João Galamba foi enumerando.
Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, adotou uma tática semelhante, acusando António Costa de se ter agarrado ao famigerado “parágrafo” divulgado pela Procuradoria Geral da República para justificar a queda de um Governo que tinha problemas muito mais graves do que esse, lembrando que não foi o “parágrafo” que fechou urgências no SNS ou gerou a crise da Habitação. Mas também aplicou a ideia à crise que acabou por ditar o fim do Governo: “Não foi o parágrafo que escolheu Diogo Lacerda Machado como seu melhor amigo, nem que escondeu 75 mil euros no gabinete”. André Ventura acabou por resumir a mesma ideia assim: “O PS acaba por ser vítima do compadrio que promoveu”.
Também foi assim à esquerda, com o Bloco de Esquerda a condenar um PS que “teve todas as condições para governar” e se enredou numa teia de “privilégios” e da economia de favores que o Bloco se esforça por denunciar. Num ensaio dos lemas de campanha que vai usar, Mariana Mortágua disparou a ideia que vem repetindo: “A esquerda não é isto”. Ao lado, no PCP, Paula Santos sentenciava: a maioria absoluta foi uma “garantida de instabilidade na vida do povo”, que terá uma oportunidade de mudar de rumo nas eleições de março.
Da esquerda à direita, foi possível distinguir os temas e lemas de campanha em que cada partido vai apostar, e que já nada têm a ver com a era António Costa. Rui Rocha falou já para os futuros líderes da esquerda, onde incluiu Pedro Nuno Santos (“a troika Raimundo, Mortágua e Santos”), que acusa de estar a tentar despir a pele de radical. Miranda Sarmento foi pelo mesmo caminho, considerando que Pedro Nuno será um líder “radical, impreparado e impulsivo” que trará uma governação “ainda mais trágica” do que os antecessores socialistas.
O “hasta la vista” (palavras de Rui Rocha) a Costa estava cumprido, o ensaio de campanha – com Pedro Nuno a ser escolhido como alvo predileto da direita – também. No final, só PAN e Livre apontaram alguns méritos deste Orçamento do Estado, além do próprio PS – coube ao líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, defender o documento ponto por ponto. No final, aproximou-se do tom da oposição para fechar o discurso em modo de campanha, contra a “falta de alternativa” apresentada pela direita: “Entre os radicais que parecem agora moderados e os moderados que fazem discursos radicais, venha o diabo e escolha”.