O investigador Christopher Vandome, do think tank Chatham House, disse à Lusa que o legado do líder histórico sul-africano Nelson Mandela está a ser posto em causa pelos que lhe sucederam.
“O seu legado de libertação está a ser posto em causa em duas frentes: em primeiro lugar, muitas pessoas consideram que a emancipação política dos cidadãos sul-africanos não foi acompanhada pela transferência da riqueza económica”, considera.
Em declarações à agência Lusa a pretexto da passagem do 10.º aniversário da morte de Nelson Mandela —que se completa nesta terça-feira—, o investigador sénior do Programa África da Chatham House avalia que a África do Sul “continua a ser um país profundamente dividido do ponto de vista económico, com níveis persistentes de pobreza, desigualdade e desemprego”.
Com trabalho publicado no domínio da economia política e nas relações internacionais da África Austral, Christopher Vandome critica a evolução do partido que liderou a luta contra a segregação racial, o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês) após a morte de Nelson Mandela.
“As políticas de empoderamento e de transição do Congresso Nacional Africano apenas serviram para criar uma elite rica e politicamente ligada, em vez de uma grande classe média emergente. E é aqui que reside o segundo desafio ao seu legado: os cidadãos comuns sentem que o sistema pós-apartheid serviu apenas para beneficiar uma elite política que desiludiu os cidadãos e minou a autoridade moral que o Congresso Nacional Africano outrora teve”, salienta.
Para o investigador da Chatham House, a visão de Nelson Mandela de uma África do Sul democrática, de uma pessoa um voto, “manteve-se no bom caminho”.
“A emancipação política da maioria da população da África do Sul, a dignidade dos seus cidadãos e a paz duradoura que se manteve sob o regime democrático continuam a ser uma das realizações mais importantes da história da África Austral e um dos momentos mais significativos do século XX. A este respeito, o seu legado foi e continua a ser um exemplo importante para outros países em transição”, defende.
No plano interno, Christopher Vandome reconhece que os atuais dirigentes sul-africanos têm conseguido salvaguardar a visão de Mandela para o país vizinho de Moçambique.
“No entanto, é importante notar que a vida de Mandela foi a luta pela liberdade, e não a conceção do sistema que substituiria o regime do apartheid. Os seus ideais centravam-se na criação de um sistema mais justo e equitativo, que se concretizou e se manteve amplamente”, diz.
“Não é tanto que a atual elite política não tenha conseguido pôr em prática a visão de Mandela. Pelo contrário, o que se passa é que não conseguiram corresponder às expetativas dos cidadãos de operar e respeitar as regras e os condicionalismos do sistema que Mandela imaginou e ajudou a criar”, acrescenta.
Questionado sobre como ficou a África do Sul depois da morte de Mandela, Christopher Vandome responde que os “anos de corrupção e corrosão institucional” que se seguiram afetaram o estatuto da África do Sul na região e no mundo.
A África do Sul “perdeu a autoridade moral de que gozava durante a presidência de Mandela. No entanto, ainda tem potencial para responsabilizar o poder no sistema internacional e tem sido, por vezes, um crítico útil e eficaz da hipocrisia e da extensão excessiva do poder e da influência das potências mundiais”.
“No entanto, são necessárias mudanças e reformas internas significativas para que possa recuperar esse estatuto e esse lugar no mundo”, conclui.