O antigo presidente do PSD Rui Rio considera que é “evidente” que a procuradora-geral da República, Lucília Gago, “deveria abandonar o cargo” na sequência da polémica em torno da Operação Influencer, cujos desenvolvimentos acabaram por resultar na demissão de António Costa. Acusa mesmo o Ministério Público de fazer “o que quer e como quer”, sem dar “uma explicação aos portugueses”, numa “arrogância própria dos poderes absolutos”.
Numa entrevista por escrito ao Jornal de Notícias, Rui Rio acusou o Ministério Público ter violado “o princípio da separação de poderes ao criar uma crise no país, sem ter ainda a sua investigação em estado que o justificasse”.
“Isto é gravíssimo, mesmo que mais tarde possam vir a ser descobertos novos factos. No momento em que o fez, nunca o podia ter feito”, disse, referindo-se ao caso que envolveu buscas a governantes, empresários e até ao chefe de gabinete de Costa, relacionadas com suspeitas de corrupção na exploração de lítio e hidrogénio e de um data center em Sines.
A Procuradoria-Geral da República emitiu um comunicado a confirmar as buscas e acrescentou ainda que, por haver referências ao primeiro-ministro no caso, Costa seria investigado num inquérito autónomo no Supremo Tribunal de Justiça. Veio a saber-se, mais tarde, que esse parágrafo tinha sido escrito pela própria procuradora-geral — e foi justamente esse parágrafo a motivar a demissão de Costa.
“Perante aquele parágrafo da PGR, o primeiro-ministro não podia fazer outra coisa”, considera Rui Rio. “Tudo isto se tem degradado muito, mas ainda não chegámos ao ponto de se achar que um PM pode conviver bem no exercício da função com suspeitas de que é corrupto. Na prática, o PM foi demitido pela PGR. E essa mesma PGR não tem sequer noção do gravíssimo dano que provocou ao país, quando em todo o Mundo se noticiou que o PM português se demitiu devido a suspeitas de corrupção. Isto põe a nossa imagem ao nível dos piores do Terceiro Mundo. É muito, muito mau.”
No entender de Rui Rio, a PGR foi clara ao assumir que não se sente responsável pela demissão de Costa. “Pior ainda, abriu um processo contra a procuradora Maria José Fernandes, que ousou corajosamente dar a sua opinião crítica sobre o funcionamento do MP. Mais grave ainda, sabe-se que o MP manteve um membro do Governo sob escuta quatro anos”, sublinhou, referindo-se a João Galam.a
“Tudo isto seria inaceitável num verdadeiro regime democrático. E, por isso, para mim, é evidente que deveria abandonar o cargo, mas, no Portugal contemporâneo, a sua permanência não será assim tão fora do comum”, assinalou.
Para Rui Rio, isto resulta do facto de o Ministério Público “não ter de responder por nada a ninguém, a não ser a si próprio”, o que “não é minimamente aceitável num Estado de direito democrático”. O antigo líder social-democrata sugere mesmo que há motivações políticas por trás das ações do MP. “Por que razão as suas ações a políticos são sempre acompanhadas pelas TV?”, questiona.
“Não se nota uma animosidade contra um partido em concreto. Nota-se uma postura antipolíticos. Com base num justicialismo de perfil populista, porque, da forma como as investigações são conduzidas, estas levam sempre à ideia subliminar de que na política são todos desonestos”, considera, lamentando também a inexistência de “coragem” política para mexer no Ministério Público.
Caso das gémeas: “Maioria dos portugueses está convencida de que PR é responsável pela cunha”
Rui Rio comentou também o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com um medicamento dispendioso no Hospital de Santa Maria, que tem estado no centro da controvérsia política em Portugal.
“Perante os dados que vieram a público e as inefáveis explicações que foram (ou não) dadas, a maioria dos portugueses está convencida de que o Presidente da República é o primeiro responsável pela cunha que levou a um favorecimento indevido que ocorreu no principal hospital do país”, disse.
“Em democracia, isto é uma situação que fragiliza bastante o chefe do Estado, ou seja, é um assunto muitíssimo delicado. Tem de ser bem esclarecido. Quem apostar na ideia de que a solução pode ser a de que o tempo trará com ele o esquecimento, acho que se engana. Porque isso seria mais uma machadada violenta na já depauperada credibilidade das nossas instituições”, acrescentou.
Chega é o “grande vencedor desta crise”
Na entrevista, Rui Rio recusou comentar a vida interna atual do PSD e a liderança de Luís Montenegro, mas falou da realidade na direita portuguesa, considerando que “o crescimento do Chega é a consequência” de uma “crescente incapacidade que os partidos clássicos têm demonstrado para resolver a sério os problemas do país”, bem como da “permanente obediência à conjuntura e ao imediatismo e, fundamentalmente, a crónica falta de coragem para afrontar os interesses corporativos que a própria ausência de reformas estruturais reforça”.
Rio diz ainda que o Chega é o “grande vencedor desta crise”. “Quando as sucessivas ações do MP e da comunicação social são feitas de forma a parecer que na vida política são todos corruptos e todos ladrões, estão também a fornecer o combustível necessário para o crescimento dos extremismos”, salientou. “E estão no caminho para que um dia seja mesmo assim, porque os cidadãos sérios e competentes estão cada vez menos disponíveis para isto.”