À beira de fazer 70 anos, Godzilla não podia ter melhor prenda de aniversário do que este “Godzilla Minus One”, de Takashi Yamazaki, com produção da casa-mãe Toho, onde o Japão volta a chamar a si o mais célebre e carismático de todos os “kaiju” (ou monstros gigantes) deste subgénero, depois de Hollywood o ter subaproveitado em sucessivos filmes do “Multiverse”. “Godzilla Minus One” não é um “remake” da fita original sobre a criatura, “O Monstro do Oceano Pacífico”, de Ishirô Honda (1954), mas cabe perfeitamente na cronologia aberta por este, voltando a evocar os traumas do horror dos bombardeamentos atómicos do Japão pelos EUA em 1945.
Passado nos anos 50, o filme de Yamazaki tem a novidade de juntar a isto o tema da crise de identidade e da frustração colectiva dos nipónicos no pós-guerra, através da história de Shikishima (Ryunosuke Kamiki), um antigo piloto da Força Aérea, que vive duplamente atormentado. Primeiro, por se ter acobardado e não haver cumprido o seu dever como “kamikaze”, simulando uma avaria no seu Zero. E depois, por não ter disparado contra Godzilla quando o monstro apareceu na ilha onde havia uma base de “kamikaze” e matou todos os militares que lá se encontravam (fiel à sua história, Godzilla começa aqui por ser um monstro pré-histórico das profundezas do oceano, depois transformado num mutante pela radiação das bombas atómicas).
[Veja o “trailer” de “Godzilla Minus One”:]
Muito mais do que a maior parte dos filmes anteriores de Godzilla, “Godzilla Minus One” dá atenção quer ao drama humano (a história da família “improvisada” de Shikishima) e às privações do povo japonês nos anos após a guerra, quer ao comentário político, quando a defesa de Tóquio do ataque do monstro é feita não pelo governo, mas sim por um grupo de cidadãos que se mobilizam para o efeito, entre eles muitos antigos militares, técnicos e cientistas. E a qual Shikishima vai aproveitar para conseguir a sua redenção, aos comandos de um caça experimental Shinden (uma das muitas boas ideias da fita e que fará as delícias dos apreciadores de aviões de guerra).
[Veja uma sequência do filme:]
Takashi Yamazaki não esquece as convenções essenciais dos filmes de Godzilla, que volta a espezinhar Tóquio, espalhando o caos, a destruição e a morte em seu redor. O realizador guarda o melhor para o confronto final das forças voluntárias de Auto-Defesa com o monstro no mar, que têm uma espectacularidade, um “suspense” e uma grandeza tremenda, como Hollywood nunca conseguiu atingir nos seus filmes com o monstro, e os efeitos especiais são excepcionais. Godzilla cumpre ainda, neste filme, uma dupla função: a literal, de monstro mutante com poderes de arma atómica, mas também de símbolo dos horrores da guerra que é preciso exorcizar, destruindo-o.
“Godzilla Minus One” é o primeiro de uma nova série de filmes da Toho sobre o monstro (como fica sugerido no final), todos passados na mesma época, e mesmo que os restantes não estejam à sua altura, já valeu a pena, por este, o investimento no regresso da criatura à pátria. É a melhor estreia deste final de ano.