O ministério da Coesão Territorial considerou esta quinta-feira que “algumas conclusões” do Tribunal de Contas sobre a descentralização de competências “carecem de maior robustecimento factual” e afirmou que exigir estabilidade na concretização desta reforma “é inviabilizar o próprio processo”.
“Quando o Tribunal de Contas refere ‘falta de mecanismos estáveis’ ignora um processo de descentralização a decorrer num período instável (pandemia, eleições legislativas e inflação elevada) e ignora a própria natureza evolutiva e dinâmica do processo”, declarou o ministério da Coesão Territorial (MCT), sob tutela de Ana Abrunhosa, em resposta escrita à agência Lusa.
O relatório do Tribunal de Contas (TdC) sobre a transferência de competências da administração central para os municípios de Portugal continental, divulgado na quarta-feira, alerta para a existência de “muitas fragilidades” no processo, inclusive a falta de “mecanismos estáveis e transparentes de financiamento”.
TdC identifica “muitas fragilidades” no processo de descentralização de competências
“A implementação do processo foi afetada pela [pandemia] Covid-19, que monopolizou atenções e recursos da administração central e dos municípios, mas outras dificuldades resultaram de insuficiências na fundamentação e planeamento”, indicou o TdC, no relatório datado de dezembro de 2023, elaborado com base em dados de janeiro de 2019 a setembro de 2022.
Segundo o relatório da instituição que fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas em Portugal, o Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD) só foi aprovado pela Assembleia da República em 2022, “o que obrigou a uma solução de recurso [nos anos anteriores, nomeadamente em 2019, 2020 e 2021], que se revelou pouco transparente e que dificultou a produção de informação coerente e fiável”.
Em resposta, o MCT lamentou que “grande parte dos esclarecimentos” apresentados em fase de contraditório “não foram considerados no relatório e algumas conclusões deste documento do TdC carecem de maior robustecimento factual, tendo em conta a complexidade do processo de descentralização no período em análise”.
O ministério explicou que na “esmagadora maioria” do período em análise pelo TdC o apuramento das verbas a transferir para os municípios relativas à descentralização era efetuado pelas diferentes áreas governativas, até porque “as competências de algumas áreas com impacto não tinham sido ainda transferidas para os municípios, como é o caso da ação social e da saúde”.
“Por outro lado, com a entrada em funções deste Governo em abril de 2022 e com o fim da pandemia reinicia-se um trabalho de diálogo com a ANMP [Associação Nacional de Municípios Portugueses] que justifica alterações e melhorias significativas no processo de descentralização”, argumentou o MCT, referindo que havia já o entendimento de que as transferências para os municípios tinham de evoluir para a constituição de um fundo de descentralização autónomo, o que aconteceu a partir do Orçamento do Estado (OE) de 2023.
Na perspetiva do ministério liderado por Ana Abrunhosa, “o princípio da estabilidade por si só não é um valor a preservar quando a manutenção do status quo não permite melhorar o processo, nem o tornar mais transparente, como passou a ser após a criação do FFD”.
“Exigir estabilidade a um processo de reforma, como é o da descentralização, é inviabilizar o próprio processo”, defendeu a tutela, referindo que os OE de 2023 e 2024 explicitam os montantes que cada município irá receber em cada uma das áreas de descentralização.
Em conjunto com a ANMP, o Governo estabeleceu os critérios de variação de valores de financiamento, em que “os cálculos de atribuição de verbas tiveram por base o histórico existente nas respetivas áreas setoriais, com a necessária atualização, em função das competências, equipamentos e recursos humanos a transferir”.
O MCT realçou ainda que, no desenvolvimento do processo de monitorização da descentralização, o Governo propôs, através da lei do OE de 2024, “um aumento das retenções aos municípios que incumpram nos deveres de reporte de informação por motivo imputável ao município”, para permitir um acompanhamento da execução financeira do FFD, bem como “avaliar e corrigir, se for o caso, a adequabilidade na atribuição das verbas”.
Iniciado em 2018, o atual processo de descentralização de competências da administração central para os 278 municípios de Portugal continental “já resultou na transferência para os municípios de mais de 1.100 escolas, de mais de 1.200 centros de saúde, de mais de 900 imóveis públicos sem utilização, tendo sido acompanhada pela transição de perto de 50 mil trabalhadores”, segundo a tutela.
O processo estava previsto decorrer de forma gradual entre janeiro de 2019 e janeiro de 2021, mas os prazos foram prorrogados. A transferência nas áreas da educação e saúde foi adiada até março de 2022, mas só avançou com a celebração de acordos com a ANMP, em julho de 2022. O prazo na ação social foi adiado até abril de 2023.
Relativamente às recomendações do TdC, nomeadamente cumprir os novos prazos do processo de descentralização, garantir a estabilidade do financiamento e evitar sobreposições ou situações de sub ou sobrefinanciamento, o MCT adiantou que “muitas das recomendações” já se encontram implementadas e as restantes observações incidem sobre aspetos que já se encontravam em análise.
O ministério reforçou que a revisão da Lei das Finanças Locais vai permitir “racionalizar o financiamento dos municípios, reforçando a transparência e contribuíndo para a eficiência no uso dos recursos”.