A presidente da Comissão Europeia anunciou, esta terça-feira, que vai retirar a proposta da instituição visando reduzir para metade o uso de pesticidas na agricultura até 2030, parte central da legislação ambiental europeia. O tema tem sido um dos pontos-chave da luta dos agricultores noutros países, em especial França. Em Portugal, embora não conste diretamente nas exigências dos agricultores que se têm manifestado nas estradas também pode influenciar os rendimentos do setor.

Pedro Santos, dirigente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), argumenta, ao Observador, que a questão está indiretamente ligada aos rendimentos: ao introduzir uma meta de redução do uso dos pesticidas, Bruxelas tenta incentivar a adoção de formas mais sustentáveis de práticas agrícolas, como a agricultura biológica ou a produção integrada, mas esses dois ecorregimes foram alvos de “cortes” nos apoios, entre 35% e 25% respetivamente, face àquela que era a expectativa dos agricultores portugueses (o Governo chama-lhe, antes, um “ajustamento” determinado em função da procura, que aumentou acima do previsto).

O dirigente defende que “se reduzirmos a aplicação de determinados pesticidas, sem alternativa viável — em eficácia e custos — tem de haver apoios que compensem os agricultores“.

“A PAC [Política Agrícola Comum] precisa de ser revista de alto a baixo e não é com estes pozinhos que lá vamos“, diz Pedro Santos, acrescentando: “A Comissão Europeia tem de dar alguma resposta aos vários protestos que vão acontecendo. E isto não sei se não é tentar atirar areia para os olhos dos agricultores“. Para Pedro Santos, a decisão de Bruxelas não responde na totalidade ao problema de fundo que move os agricultores europeus: a perda de rendimentos.

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A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) tem uma visão diferente. Num comentário enviado ao Observador, vê o anúncio da presidente da Comissão Europeia como “muito positivo”. As metas de redução do uso de pesticidas “de tão exigentes, colocavam em causa a viabilidade da atividade de muitos produtores” e deixava os agricultores “numa clara e injusta posição de desvantagem competitiva perante os países terceiros” de onde a UE importa, e que não têm de seguir as mesmas regras que os produtores europeus.

“Essa é uma discussão que, sendo obrigatória e necessitando de decorrer num quadro comunitário rigoroso e exigente, não pode ser feita à margem de quem está no terreno e produz alimentos. Os Agricultores portugueses estão disponíveis para participar nesse diálogo”, refere fonte oficial da CAP.

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Da parte da Confagri, Nuno Serra, secretário-geral, classificou a decisão de Bruxelas como “elementar bom senso”, uma vez que a medida iria trazer “danos” na produtividade, e disse esperar que a Comissão faça o mesmo relativamente a outras medidas, como a lei dos solos ou do restauro da natureza. “É preciso olhar e fazer uma reflexão profunda da importância que tem este setor e coordenar as políticas públicas a essa importância. Ficamos muito contentes que haja este recuo por parte da Comissão Europeia”, afirmou.

A meta da redução para metade do uso dos pesticidas até 2030, que constava na estratégia “Do Prado ao Prato” onde se estabelecem metas para a sustentabilidade do sistema alimentar, foi um dos pontos essenciais da revolta dos agricultores franceses e alemães. Em França, por exemplo, os agricultores conseguiram chegar a acordo com o Governo para impedir o avanço do plano destinado a eliminar o uso de alguns pesticidas.

Segundo a Euronews, o primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, prometeu que não haverá proibição ao uso de pesticidas “sem uma solução”, depois de os agricultores franceses se queixarem que a regulação sobre os pesticidas em França era mais apertadas do que nos países vizinhos.

Organizações do setor dos pesticidas em Portugal, como a ANIPLA, têm argumentado que a meta de reduzir em 50% o uso de pesticidas poderia fazer reduzir a produção agrícola, devido ao aumento de custos para os agricultores, que terão de recorrer a soluções mais caras (ou que exigem maior frequência de aplicação).

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“A Comissão propôs a DUS [Diretiva Utilização Sustentável dos Pesticidas] com o objetivo meritório de reduzir os riscos dos produtos fitofarmacêuticos químicos, mas a proposta tornou-se um símbolo de polarização [pois] foi rejeitada pelo Parlamento Europeu e também no Conselho já não se registam progressos, pelo que vou propor ao colégio que retire esta proposta“, anunciou Ursula von der Leyen, esta terça-feira.

Intervindo num debate na sessão plenária do Parlamento Europeu, na cidade francesa de Estrasburgo, dedicado às conclusões da cimeira extraordinária da semana passada, que foi marcada por intensos protestos dos agricultores a cerca de 800 metros do local, a líder do executivo comunitário salientou que “a proteção da natureza só pode ser bem-sucedida através de uma abordagem ascendente e baseada em incentivos”.

“E só se atingirmos juntos os nossos objetivos climáticos e ambientais é que os agricultores poderão continuar a ganhar a vida. Os nossos agricultores estão bem cientes disso e deveríamos confiar mais neles”, adiantou Ursula von der Leyen, numa alusão às queixas do setor sobre as apertadas metas ambientais. Von der Leyen prometeu, porém, vir a apresentar uma proposta “muito mais amadurecida e com a participação de todas as partes interessadas”.

Em novembro passado, o Parlamento Europeu rejeitou, com os votos da direita, legislação destinada a reduzir para metade o uso de pesticidas na UE, o que foi contestado por ambientalistas europeus.

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Peça central do Pacto Ecológico Europeu, o projeto legislativo, proposto pela Comissão em junho de 2022, visava reduzir para metade a utilização e os riscos dos produtos fitofarmacêuticos químicos em toda a UE até 2030 (em comparação com o período 2015-2017).

Artigo atualizado às 15h40 com as reações da CAP e da Confagri