A última vez que se pesou, Josias Alves já tinha perdido 7 quilos. É sargento ajudante da GNR, tem 44 anos, e está em greve de fome há dez dias à frente da Câmara Municipal do Porto — que lhe tem dado acesso a instalações onde tem feito a sua higiene pessoal. Dorme numa tenda, de plástico para proteger melhor da chuva, e tem consigo bancos de campismo e livros.

Na manhã desta sexta-feira, enquanto falava com o Observador sobre a luta dos últimos dias, por ele passaram vários profissionais de segurança pública, trabalhadores da zona e moradores a oferecer apoio. Queriam saber como estava e o que precisava. “Sem este apoio seria bastante difícil continuar exatamente sem comer e acampado aqui, exatamente nestas condições”, afirma Josias Alves, garantindo que sente que a sua “capacidade cognitiva já não é a mesma”.

Por estes dias tem estado a ler “A Cidade e as Serras”, de Eça de Queiroz — um livro que também lhe foi oferecido por duas moradoras da zona, que vão visitá-lo todos os dias.

Ali, no topo da Avenida dos Aliados, o ponto de encontro de muitos guias turísticos da cidade, vários turistas que passavam tiravam fotografias à faixa que tem pendurada ao lado da sua tenda: “Não somos polícias de segunda! Por salários dignos! Pelo fim da perseguição daqueles que lutam pelos seus direitos!”. Ao lado, umas humildes folhas de papel deixavam claro o que estava a acontecer: “Hunger Strike“, em inglês, e, em português, “Greve de Fome”.

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Profissionais sentem que não vale a pena lutar pelos “seus direitos”

Com este protesto, o militar garante querer chamar a atenção para a falta de respeito e reconhecimento pelas força de segurança pública, os baixos salários, as perseguições e pressões a estes profissionais, e para a não concessão à GNR e PSP do suplemento de missão — atribuído à PJ pelo Governo.

No que toca ao fim das perseguições e pressões, Josias Alves fala mesmo na primeira pessoa. Tudo aconteceu, diz, depois de ter enviado uma carta a Marcelo Rebelo de Sousa. “Depois disso fui alvo de preterição através da discricionariedade da Guarda Republicana, no que diz respeito ao processo de promoção oficial dos militares provenientes da classe de sargentos. Isto porquê? Porque, simplesmente, numa primeira fase, atribuíram cinco vagas, deixando Criminologia de fora, quando nós sabemos, por exemplo, que na Lei 70/2019, se prevê exatamente a inclusão dos licenciados e mestres em Criminologia nas forças e serviços de segurança.”, defende o militar, que é mestre em Criminologia e pós-graduado e doutorando em Direito.

“Aquilo que eu vejo é, claramente, sem qualquer tipo de dúvidas, que me estão a impedir de aceder a essa posição exatamente em virtude da carta que foi enviada ao senhor Presidente da República”, declara.

O militar não se fica, no entanto, pelo seu exemplo. Mencionou, entre outros casos, a abertura de um inquérito às declarações de Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional da Polícia (SINAPOL), após ter falado sobre os riscos de não haver polícia no período das eleições legislativas, de 10 de março.

Isto mostra, diz, “que as pessoas, mesmo que lutem, que cumpram com aquilo que são os seus deveres profissionais, a favor da lei, mas [vão] um pouco contra os interesses da tutela ou dos comandos”, acabam por ser “prejudicadas nas suas progressões de carreira”, sublinha.

“Quem luta pelos seus direitos é alvo de ações, no âmbito das avaliações, da não atribuição de louvores, na questão das colocações”, defende Josias Alves, acrescentando que os profissionais acabam por sentir que não vale a pena lutarem pelos “seus direitos”.

“Esta luta não é minha, é de todos”

Josias Alves garante que esta greve de fome não é por uma luta pessoal, mas sim uma luta pela sua classe.”Todos, de qualquer maneira e de qualquer forma, tanto na PSP, como na GNR, como no Corpo da Guarda Prisional já foram alvo de pressões”.

O militar afirma que vai continuar em greve de fome enquanto tiver “condições de saúde para se manter nela”, ou até as suas reinvindicações serem respondidas. “Nós não temos colhido da parte do Governo uma resposta cabal às nossas exigências. A partir desse momento, terminarei com a minha greve de fome”.

E lembra que o trabalho das forças de segurança pública tem influência no dia a dia dos cidadãos, mas também no turismo, influenciando, garante, o crescimento económico português.

No dia 24 de janeiro, a manifestação de polícias juntou mais de 15 mil pessoas em Lisboa. Uma semana depois, a 31 de janeiro, o protesto das forças de segurança pública contou com mais de 20 mil pessoas, sendo a maior manifestação de polícias de sempre. Em declarações ao Observador na manifestação do Porto, Paulo Santos, da Associação Sindical dos Profissional da Polícia (ASPP), disse que os protestos vão ser avaliados e que novos acontecerão se a o Governo não tomar medidas. “A luta não vai parar”, garantiu.