É aquela série que fica no limbo — que não é um bom sítio para estar. Não é suficientemente má para termos uma lista infindável de defeitos para lhe apontar, mas também não é suficientemente boa para elencarmos um rol de qualidades. O pior é que, nestas contas, o balanço não é neutro. É que The Regime — o primeiro episódio fica disponível na HBO Max a 4 de março e todas as segundas-feiras há um novo — era das estreias mais aguardadas do início de 2024 (ou até do ano todo) e, à medida que os seis episódios vão avançando e mostrando que a concretização fica muito aquém da teoria, a desilusão vai aumentando.
A ideia é esta: estamos algures num país fictício da Europa Central, onde uma lunática chanceler (Kate Winslet) lidera um regime autoritário enquanto se dirige aos súbditos como “meus amores”, apesar de os vigiar e de reinar um ambiente de medo e sanções. Sete anos após um golpe de estado que a colocou no poder, vive reclusa no próprio palácio, que “requisitou para o governo”, obcecada com um problema de bolor tóxico que acha que está a corroê-la por dentro aos poucos.
É então que recruta o cabo Herbert Zubak (Matthias Schoenaerts), a quem todos se referem como o “carniceiro da Zona 5”, depois de um incidente numa mina de cobalto ter levado os soldados a disparar sobre um grupo de manifestantes. Novo cargo de Zubak: andar sempre um passo à frente de Elena Vernham (Winslet) com um medidor de humidade, gritando os números do visor cada vez que ela entra numa sala diferente.
[o trailer de “The Regime”:]
Até aqui, parece tudo bem. Podemos instalar-nos confortavelmente para assistir a seis horas de humor negro puro. Pelo menos é o que o primeiro episódio leva a crer. Kate Winslet é uma figura imponente e leva-nos a questionar porque é que, até aqui, ainda não tinha feito nenhum papel que lhe abrisse um universo cómico que claramente domina. De vez em quando faz lembrar Selina Meyer (Julia Louis-Dreyfus), de Veep, como uma política completamente alienada da realidade, e é uma lufada de ar fresco ouvi-la dizer barbaridades como se fossem os dez mandamentos do universo, vê-la cantar If you leave me now num banquete para chefes de estado estrangeiros como se nada daquilo fosse inconveniente ou a debitar ordens à empregada com quem partilha a coparentalidade de uma criança (nota: Oskar não é filho dela, mas se a chanceler quer agir como tal, ninguém lhe diz que não).
[Já saiu o primeiro episódio de “Operação Papagaio”, o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir também o trailer aqui.]
Winslet acumula momentos nonsense e dá-lhes a solenidade necessária para a levarmos a sério e lhe reconhecermos carisma. Até a boca que, de vez em quando, descai quando fala, deixa de ser um detalhe estapafúrdio tendo em conta que esta mulher vive convencida de que está a ser contaminada e a morrer lentamente (um problema pulmonar que matou o pai está na origem de todos os medos). O sotaque é um british com toques de alemão e muitos “yes? (sim?)” no final das perguntas retóricas.
O problema é que a história depressa ganha contornos cada vez mais sérios e dramáticos, com referências à atualidade que também ficam no limbo (estão lá mas sem peso suficiente para levarem a ideia até ao fim). O governo de Elena desmorona-se e leva com ele a promessa de uma série diferente e bem concretizada.
As coisas começam a correr mal — se assumirmos que a aparente paz podre de um regime totalitário não é suficientemente mau — quando, após uma suposta tentativa de homicídio, da qual Zubak salva Elena, ela começa a olhar para ele como um herói e a depender dele para todas as decisões, até as políticas. O homem até consegue convencê-la a largar as maquinetas da humidade, trocando-as por coisas não menos absurdas: larvas ao pequeno-almoço e batatas cozidas fumegantes por tudo quanto é divisão do palácio para purificar o ar.
Só que, se Elena é uma mente alienada e disfuncional (que mantém o “papá” morto num caixão de vidro e com ele tem monólogos que andam entre acusações e auto-elogios), Zubak não está melhor. Claramente a sofrer de stress pós-traumático, auto-flagela-se e tem uma adoração extrema por Elena que rapidamente ultrapassa os limites do aceitável. Os dois, juntos, só podiam dar uma mistura explosiva e destrutiva.
Zubak é um homem do povo e, supostamente, “sabe o que o povo quer”. Elena Vernham tira terras a uns para dar a outros, corta ligações com os EUA, anexa um território só porque lhe apetece e, dentro das muralhas do seu gigantesco palácio, acha que os seus “amores” a adoram. Mas o povo revolta-se, os rebeldes avançam para derrubá-la e ela nunca se dá ao trabalho de perceber a gravidade da situação.
Escrita por Will Tracy (que trabalhou em Succession e The Menu), a história tem referências claras a guerras contemporâneas, líderes megalómanos ou à intervenção militar dos EUA em conflitos internacionais. Os traços estão nas personagens de Vernham e Zubak mas as suas ações parecem uma sucessão trapalhona que, a dada altura, já não faz qualquer sentido.
No meio disto, as personagens secundárias com potencial ficam-se também pela promessa. Andrea Riseborough é Agnes, a governanta-assistente-mãe que cede o filho à patroa. Com cabelo curto à homem, um vestido cinzento e um ar austero que até a cara lhe escurece, é o espelho do medo e da preocupação constantes. Porque é que não consegue dar o passo de fugir com o filho, o que a prende de tal forma àquela mulher louca nunca nos é realmente explicado e é uma pena.
Também o marido francês de Elena, Nicky (Guillaume Gallienne), que foi requisitado mais ou menos como o palácio foi roubado a alguém, se limita a um punhado de cenas com graça mas pouco significativas para o avanço da narrativa. Os conselheiros andam sempre em trio e parecem três mosqueteiros infantis sempre com medo de levarem um raspanete da mãe. Ah, e Hugh Grant também lá anda, mas se pestanejarmos ou fizermos uma pausa para chichi, nem damos por ele como o antigo chanceler a quem Elena roubou o cargo.
The Regime consegue, ainda assim, reunir algumas qualidades que fazem o todo ser minimamente coerente. O genérico grita distopia e o guarda-roupa tem austeridade soviética, além de vestidos, golas e tranças roubados às montanhas austríacas da Heidi. É tudo nonsense e perfeito.
Kate Winslet faz a festa, lança os foguetes e apanha as canas. Porém, não chega para salvar esta história do colapso. A verdadeira vitória da minissérie da HBO Max é mostrar o potencial cómico da protagonista.