Quando em agosto de 1999 foi condenado a três anos de pena de prisão por um tribunal da Califórnia, Robert Downey Jr. bateu no fundo. A sentença foi o culminar de um período de vários anos durante os quais o ator, um dos mais promissores da sua geração, se tornou mais conhecido pelas suas relações com drogas e vários problemas legais que ameaçaram arruinar-lhe a carreira.
Agora, quase 25 anos depois, Downey Jr. subiu ao palco do Dolby Theatre para receber o Óscar de Melhor Ator Secundário pelo desempenho como Lewis Strauss em Oppenheimer. “Quero agradecer à minha terrível infância e à Academia. E à minha mulher, que me trouxe de volta à vida”, disse no discurso de aceitação da estatueta, num momento que, qual narrativa romântica de Hollywood, fechou o ciclo da reviravolta de uma carreira que renasceu das cinzas nos últimos 20 anos, levando o ator de 58 anos de volta ao topo da indústria.
Para lá chegar, foi necessário um longo processo de reabilitação, pessoal e profissional, durante o qual Downey Jr. teve de recuperar a confiança de Hollywood, até se tornar num dos atores mais bem pagos da indústria à boleia do maior fábrica de franchises da era moderna: o Universo Marvel.
Seria certamente um cenário difícil de acreditar em 1999. Na altura, o futuro Homem de Ferro – que poucos anos antes tinha sido nomeado para um Óscar por interpretar Charlie Chaplin – via-se a braços com anos de dependência de drogas e problemas com a lei que o levaram à prisão por crimes como invasão de propriedade, posse de drogas e armas.
Não será exagero dizer que a instabilidade que seguia Downey Jr. para onde quer que fosse tornou-o num pária de uma indústria que nele chegou a depositar esperanças. Em 2001, foi despedido da série Ally McBeal (pela qual ganhou um Globo de Ouro) após nova detenção; uma produção teatral de Hamlet, encenada por Mel Gibson e onde seria protagonista, foi cancelada; Woody Allen não o pôde ter no elenco de Melinda e Melinda (2005) porque, caso o fizesse, a produção não teria como conseguir seguro.
Era tempo de mudar e o próprio reconheceu-o. “Não podia continuar assim”, refletia em 2004 a Oprah Winfrey, questionado sobre os motivos que o levaram a inscrever-se numa clínica de reabilitação. “Estou desfeito, acabei de perder o meu emprego, a minha mulher [a modelo e cantora Deborah Falconer] deixou-me… se calhar não perdia nada em tentar. (…) Não é difícil ultrapassar estes problemas aparentemente tão graves. A parte difícil é decidir fazê-lo”, sustentou.
Após anos de tentativas, o ator conseguiu manter a sobriedade a partir de 2003. No mesmo ano, a produtora do amigo de longa data Mel Gibson convidou-o para protagonizar O Detetive Cantor, naquele que foi o seu primeiro papel em cinema em três anos. O filme, uma pequena produção à escala de Hollywood, recebeu críticas negativas e foi um flop de bilheteira; para Downey Jr., que recebeu elogios pela sua performance e pelo profissionalismo durante a rodagem, representou o primeiro passo na sua reintegração no meio.
Pouco depois, voltaria aos filmes de estúdio com Gothika (2004), da Warner Bros, onde conheceria aquela que, segundo o próprio, se revelaria a pessoa mais importante para a sua mudança de rumo: a sua mulher, Susan Levin. Inicialmente, a produtora de cinema (à época assistente de Joel Silver) resistiu às investidas: “ele era ator e eu tinha um trabalho a sério”, brincou numa entrevista. Eventualmente, aceitou o pedido de casamento de Downey Jr., mas com uma condição: o ator tinha de largar as dorgas por completo. “Graças a Deus que o fiz”, disse Downey Jr. numa entrevista conjunta do casal ao Hollywood Reporter. “Se ela soubesse até onde ia o meu comportamento, não estaríamos aqui hoje”.
Além de par romântico, Levin passou também a parceira profissional do ator, responsável por ajudar a guiar a carreira e projetos do marido. Através dela e de Joel Silver, Downey Jr. conseguiu o papel que viria a marcar o ponto de viragem na sua trajetória: o de Harry Lockhart, na comédia noir Kiss Kiss Bang Bang. Ao lado de Val Kilmer, o filme ofereceu ao ator uma oportunidade de exibir o seu carisma e talento cómico, num dos papéis que melhores críticas lhe valeram até então.
Apesar de não ter sido um sucesso de bilheteira, o filme de Shane Black veio a assumir um estatuto de culto nos anos seguintes e, de acordo com o próprio Downey Jr., abriu-lhe as portas para o maior papel da carreira, ao chamar a atenção do realizador Jon Favreau. “Foi o meu cartão de visita para conseguir o Homem de Ferro”, disse.
Na altura, a Marvel Studios era uma produtora independente apostada num projeto de longo prazo que nunca tinha sido feito: um universo cinematográfico com dezenas de personagens, interligadas numa série de filmes ao longo de mais de uma década. Um pouco à imagem do próprio Downey Jr. a personagem era então um risco: longe da popularidade que veio a alcançar graças aos filmes, o Homem de Ferro de então era um herói de “segunda linha” no catálogo da Marvel, que anos antes tinha vendido os direitos de adaptação dos seus principais rostos (Homem-Aranha, Hulk, X-Men e Quarteto Fantástico) para ajudar a atravessar uma grave crise financeira que quase ditou o fecho da editora de BD.
“Senti-me como se fosse a banda de abertura em Woodstock” ironizou o ator, que eventualmente foi escolhido para dar início à saga, com um filme que se revelou um êxito-surpresa (faturou quase 600 milhões de dólares) e, ao lado de O Cavaleiro das Trevas (2008), precipitou uma verdadeira era dourada para as adaptações de super-heróis no cinema, que até muito recentemente dominaram as salas de cinema mundiais.
O sucesso estabeleceu Robert Downey Jr. como uma verdadeira atração de bilheteira e um dos mais bem-pagos atores de Hollywood. Em 2016, quando renovou contrato com o estúdio para entrar em Capitão América – Guerra Civil e nos mais recentes Vingadores, Downey Jr. faturava qualquer coisa como 50 a 75 milhões de dólares por filme, entre salários, prémios de assinatura e percentagens das receitas de bilheteira, num valor que espelha bem o quão valioso se tornara em Hollywood.
Por outro lado, ao longo da década em que interpretou o super-herói, a carreira e imagem pública de Downey Jr. ficaram associadas de forma indelével aos filmes da Marvel, razão pela qual, à exceção de um par de adaptações de Sherlock Holmes para a Warner Bros., trabalhou quase em exclusividade na “bolha” dos super-heróis. Quando a personagem teve direito a uma morte heroica em Vingadores – Endgame, em 2019, Downey Jr. sentiu que era altura de levar a carreira para outro rumo. “Vir daquele lugar, do lugar de filme número um na bilheteira, e vir para este novo sítio onde estou contente e a fazer um produto de qualidade… estou feliz por recuperar a minha ligação a uma forma mais pura de fazer cinema”, disse ao New York Times.
O “primeiro ensaio” pós-Marvel, uma malograda adaptação do Doutor Dolittle lançada durante a pandemia, não lhe correu bem. Depois, Christopher Nolan bateu-lhe à porta. Em entrevistas, o realizador revelou que há muito queria trabalhar com o ator, a quem reconhecia “uma grande generosidade de espírito” – características que considerou essenciais para dar vida a Strauss no filme sobre a criação da bomba.
Durante a corrida aos Óscares, o ator agradeceu publicamente a Nolan pelo voto de confiança. “Estava num ponto da minha carreira em que precisava de alguém que tivesse uma visão sobre o que era possível para mim, que nem eu conseguisse ver”, disse. Nesta cerimónia dos Óscares, Downey Jr. confirmou esse potencial.