O novo filme do nonagenário Roman Polanski (e que poderá também ser o seu último), O Hotel Palace, escrito pelo realizador e pelos seus compatriotas, e velhos amigos e colegas, Jerzy Skolimowski e a sua mulher, Ewa Piaskowska, é uma comédia satírica e negra. E tem um tal viés anarquizante e surreal, que é como se tivesse sido rodada nos anos 60, quando a Nova Vaga dos cinemas de Leste, em especial o polaco, o checo (de que Polanski e Skolimowski foram expoentes), o húngaro e o jugoslavo estava no auge e ainda não tinha sido reprimida e “normalizada”, pela censura dos regimes comunistas (ou pelos tanques soviéticos, no caso da ex-Checoslováquia), e metida numa máquina do tempo e enviada para o nosso presente.
[Veja o trailer de “O Hotel Palace”:]
Feita “em casa” por Polanski, em Gstaad, na Suíça, a fita passa-se num hotel de luxo, no último dia de 1999, entre rumores apocalípticos sobre o Bug do Milénio, e para onde convergem, para celebrar a passagem do ano, uma série de personagens tão abastadas como ridículas e caprichosas. Temos Arthur Dallas (John Cleese), um bilionário americano alvar e caquético que casou com Magnolia (Bronwyn James), setenta anos mais nova que ele, e gordíssima; a Marquesa (Fanny Ardant), uma aristocrata francesa histérica e obcecada pelo seu cãozinho; Bongo (Luca Barbareschi), um ex-ator porno decadente; o Dr. Lima (Joaquim de Almeida), um cirurgião plástico brasileiro que ninguém deixa em paz e cuja mulher tem Alzheimer; e Bill Crush (Mickey Rourke), um escroque americano que quer aproveitar o Bug do Milénio para dar uma golpada com um bancário suíço lingrinhas e temeroso.
Há ainda mafiosos russos que chegam com malas cheias de dinheiro e acompanhados por prostitutas barulhentas e “seguranças” patibulares, famílias árabes endinheiradas em que os homens e as crianças usam fatos de treino ou de esqui berrantes, e as mulheres estão fechadas em burcas negras, milionárias europeias idosas e deformadas pelas operações plásticas e pelo botox, e um diplomata russo corrupto com uma mulher tosca e copofónica. Ao serviço de toda esta humanidade decaída, mimada, venal e grotesca, está Hansueli (Oliver Masucci), o competentíssimo e sofredor gerente do hotel, que coordena uma grande e sobrecarregada equipa e vai ter que acudir às mais insólitas e desvairadas emergências, de uma morte em pleno acto sexual ao aparecimento de uma família de pobres diabos, passando por um pinguim à solta.
[Veja uma entrevista com Oliver Masucci:]
Roman Polanski e os seus co-argumentistas parecem querer, de uma só vez, gozar sem a menor cerimónia com os ricos, célebres e poderosos, resvalando mesmo, ali e acolá, para o mau gosto (ver o indescritível plano final com o cãozinho e o pinguim); e através da reunião simbólica de personagens de várias nacionalidades no mesmo cenário, e apesar da ação se passar no último dia de 1999, satirizar a atual e caótica situação mundial. Só que, e apesar de dois ou três tiros certeiros, do ritmo da história nunca esmorecer e do timing não falhar, o traço cinematográfico é grosso e as personagens são caricaturais, o nonsense é superficial e o humor raso e denunciado, os gags são flácidos e a sátira romba, e as interpretações quase todas histriónicas.
[Veja uma cena do filme:]
Rimo-nos muito menos do que nos encolhemos, constrangidos perante o espectáculo de ver um realizador com os pergaminhos de Roman Polanski falhar de forma tão óbvia e confrangedora uma comédia que podia ter sido gloriosamente selvática, mas é apenas grosseiramente mal-ajambrada. Se O Hotel Palace fosse um estabelecimento turístico, era uma pensão de duas estrelas. E se este for mesmo o derradeiro filme do autor de Repulsa, A Semente do Diabo, Chinatown e Tess, aquele plano de remate envolvendo sexo animal contra natura vai ficar a assombrar os admiradores de Polanski para todo o sempre.