Apesar de o Governo ter feito questão de apresentar o seu programa frisando que incluiu “60 medidas” dos restantes partidos, isso não suficiente para convencer a oposição dos méritos do documento — nem da seriedade da sua tentativa de criar pontes de diálogo. “Pouco ambicioso” e “vago” foram os adjetivos que a restante direita escolheu para descrever o documento, enquanto a esquerda atacou, sem surpresas, um programa que diz transferir a riqueza do país para “grandes interesses e patrões”. Ainda assim, o PSD pode estar descansado: apesar da chuva de críticas, PS, Chega e IL não alinharão com as moções de rejeição que BE e PCP vão apresentar.
Logo após ser eleita líder da bancada parlamentar socialista, Alexandra Leitão disse isso mesmo: o PS vai abster-se na votação das duas moções. Mas isso não quer dizer “que depois se tenha de viabilizar tudo”, alinhou logo de seguida. O Programa da AD tem “sinais preocupantes”, na opinião do PS, a começar logo pela forma como foi feito. Apesar de conter algumas medidas que constavam no programa eleitoral do PS, Alexandra Leitão lembra que nada disso foi resultado de conversações: “Não é claramente um sinal de diálogo”.
Sublinhou ainda que o programa contém “um conjunto de medidas com que o PS discorda frontalmente, como a ideia de revisitar a Agenda do Trabalho Digno”. Ou ainda o “desvio de meios do SNS para o sector privados” ou o “aparente atraso nas medidas relativas à Administração Pública” que, considera Alexandra Leitão, “passaram a ser de aplicação muito mais lenta”.
À direita, as reações não foram positivas. O Chega, que como o Observador escreveu não ajudará a deitar abaixo o Governo neste primeiro teste, descreveu o documento como sendo “muito vago e pouco ambicioso”, nomeadamente em “em métricas, objetivos e no calendários” dos objetivos que estabelece — à cabeça, quanto aos aumentos para várias carreiras, que para André Ventura ficam “muito aquém do prometido”.
No caso das forças de segurança, atirou o presidente do Chega, o programa é “absolutamente vago, falando em dignificação de carreiras”. “O programa deixa no ar uma ideia de incumprimento e incapacidade de resposta”, rematou Ventura.
Já a IL tinha um instrumento diferente para medir os méritos do programa do Governo: a lista de desafios que Rui Rocha chegou a entregar a Luís Montenegro, no debate pré-eleitoral entre os dois. Foi comparando essa lista com o programa final que chegou à conclusão de que só metade das medidas estão lá vertidas, que “metade é pouco” e que o documento está marcado por uma “falta de ambição”.
A líder parlamentar do partido, Mariana Leitão, sentenciou que o programa é “insuficiente para as transformações urgentes que o país precisa” e “fica aquém das necessidades”, da descida dos impostos às soluções para a Saúde. E prometeu que no Parlamento o partido continuará a “insistir” nas suas medidas, para que sejam adotadas em pleno. Ainda assim, feitas as críticas, estas não serão “suficientes para votar favoravelmente uma moção de rejeição”.
5⃣/???? METADE É POUCO
A Iniciativa Liberal leu e avaliou o programa do governo do PSD e considera que está marcado por falta de ambição nas mudanças que é preciso fazer na governação do país, para que tenham realmente impacto positivo na vida das pessoas.
Dos 10 desafios que a… pic.twitter.com/B7bnx6RATI
— Iniciativa Liberal (@LiberalPT) April 10, 2024
Bloco também apresenta moção, PCP diz que diálogo é “logro”
Mais à esquerda, sem surpresas, as medidas do Executivo não foram bem acolhidas e até incluíram o anúncio de mais uma moção de rejeição, desta vez apresentada pelo Bloco de Esquerda. Mariana Mortágua, que vinha evitando dizer diretamente o que faria em relação à moção já anunciada pelo PCP — embora sempre indiciando que o Bloco a acompanharia –, confirmou que, visto o documento, o Bloco optará afinal por apresentar iniciativa própria.
E detectou vários pontos do programa de que os bloquistas discordam — o aumento do salário mínimo não é um compromisso real e depende da “produtividade” do país, mas a descida do IRC não tem a mesma condicionante; vai abrir-se um “novo negócio da Saúde”; e haverá mais “liberalização” na Habitação e no mercado de trabalho — para concluir que o documento traz uma “brutal transferência de rendimentos e recursos de quem trabalha para setores muito específicos da sociedade e grandes empresas”. “É um programa de direita, decalcado do programa da confederação dos patrões, todas as medidas propostas por grandes patrões e empresas estão aqui”. Assim sendo, o Bloco vai rejeitá-lo.
O mesmo fará o PCP, que já tinha anunciado a sua moção de rejeição logo após as eleições. Coube à líder parlamentar, Paula Santos, defender que o programa do Governo “não constitui qualquer surpresa” e que traduz uma “política de direita, que está na origem dos problemas que afetam a vida dos portugueses”, o que confirma a “justeza” da moção dos comunistas.
Quanto à tentativa de diálogo do Governo, é um “logro” dizer que incluiu medidas do PCP (e dos outros partidos), atacou, lembrando a referência específica que o Executivo fez, a título de exemplo, a uma proposta sobre a capacidade produtiva da indústria conserveira — sem a “abrangência” das medidas que o PCP tinha apresentado no seu programa sobre o assunto, apontou. Para o PCP, o documento representa um “retrocesso” e omite medidas necessárias, como as de combate à precariedade, pelo que a posição do partido quanto ao programa do novo Governo está mais do que confirmada.
Um “peddy paper” à procura de medidas
Também o Livre desvalorizou as promessas de diálogo do Executivo, com a líder parlamentar, Isabel Mendes Lopes, a ironizar dizendo que o partido esteve quase a fazer “um peddy paper” à procura das suas medidas incluídas no documento. “Teria sido bom que comunicassem quais eram” previamente, atirou: “O diálogo faz-se dialogando e não apenas incluindo algumas medidas”. Este é um exemplo de como “não” se deve fazer o diálogo no Parlamento, sugeriu.
O Livre viu também um “desfasamento” entre o programa e as promessas eleitorais, em relação às quais houve um “recuo”, atirou (exemplos: a descida do IRS — que era “mais pormenorizada e calendarizada” — ou ao apoio à tesouraria das PME). Outras medidas “preocupam” o Livre, como a descida do IRC para 15% — “no fundo vem beneficiar sobretudo as grandes empresas, diminuindo a receita do Estado”, apontou Mendes Lopes, remetendo o sentido de voto do partido sobre as moções de rejeição que irão a votos para os órgãos do Livre, que ainda se irão reunir.
A deputada do Livre indicou ainda que deveria haver diálogo na proposta para a criação de um círculo de compensação eleitoral ou medidas contra a corrupção, e que o partido está disponível para isso. E adiantou desde já que, se o Governo tentar governar por decreto, estará pronto para chamar as medidas ao Parlamento: “Sabemos que o Governo nesta situação terá de dialogar, e se tentar esquivar-se ao escrutínio parlamentar o Livre procurará outras forças para trazer à Assembleia decretos-lei que o Governo produza e com os quais não nos sintamos confortáveis, ou que achemos que põem em causa direitos ou a melhoria da qualidade de vida das pessoas”.
No PAN, Inês Sousa Real repetiu uma crítica já referida por outros partidos: “Um diálogo não pode ser um monólogo”. “Podemos fazer uma busca pelos ovos da Páscoa, mas era preciso que os Governo tivesse dialogado com os partidos” antes disso, atirou.
E elencou reparos ao conteúdo do documento e aos “passos atrás” que traz, da “falta de ambição em matéria climática” à “falta de visão em relação à agricultura” e à devolução da tutela das florestas e da proteção animal à Agricultura. Em matéria de Igualdade, Sousa Real criticou também a associação da questão da natalidade e da maternidade à mulher, no programa do Governo, atacando o suposto “retomar de um papel e de uma visão conservadora neste programa do Governo”.