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"Quiet on Set": estes miúdos não estão nada bem

Este artigo tem mais de 6 meses

Mostrando "outro lado da TV infantil", este documentário em quatro partes (mais uma) conta o que se passava nos bastidores da Nickelodeon, relatando casos de abusos sobre "child stars". Na HBO Max.

Apesar dos claros defeitos, "Quiet On Set" não deixa de ser interessante, nem deixa de ser necessário, até porque denuncia pelo menos três casos de pedofilia
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Apesar dos claros defeitos, "Quiet On Set" não deixa de ser interessante, nem deixa de ser necessário, até porque denuncia pelo menos três casos de pedofilia

Apesar dos claros defeitos, "Quiet On Set" não deixa de ser interessante, nem deixa de ser necessário, até porque denuncia pelo menos três casos de pedofilia

Em 2022, um dos livros mais comentados do ano tinha uma capa, no mínimo, inquietante. Uma mulher de cerca de 30 anos, loira, vestido cor-de-rosa a combinar com um sorriso amarelo, pega numa urna funerária. O título completa o ramalhete: I’m Glad My Mom Died (em português: Ainda Bem Que A Minha Mãe Morreu). A mulher da capa é a autora, num registo autobiográfico honesto e desbragado. Chama-se Jennete McCurdy, foi atriz de programas infantojuvenis e está mesmo contente por a sua mãe — a causadora e facilitadora dos abusos que, enquanto menor, sofreu na indústria do entretenimento — ter cessado de existir, qual papagaio dos Monty Python.

O livro correu mundo (em Portugal foi editado pela Lua de Papel) e terá precipitado um escrutínio, até então sempre varrido para debaixo do tapete, dos bastidores do canal Nickelodeon. É nesse contexto que a HBO Max lança agora o documentário em cinco partes Quiet On Set (quatro episódios mais um quinto com uma reação aos anteriores), sobre o silêncio ensurdecedor que permitiu anos de abusos morais e sexuais no gigante de conteúdos para os mais novos — sobretudo na pessoa do produtor e guru Dan Schneider.

Em Portugal, a Nickelodeon não tem o sucesso e a tração que tem nos Estados Unidos. Se um millenial português saberá identificar ex-estrelas da Disney como Miley Cyrus (então Hannah Montana) ou Hilary Duff (já para não dizer que foi no Mickey Mouse Club que começaram Britney Spears, Justin Timberlake, Ryan Goslin ou Christina Aguilera), terá mais dificuldade com um Josh Peck, um Drake Bell ou uma Miranda Cosgrove — e conhecerá a pop star Ariana Grande, mas talvez sem ter tão presente que começou no canal infantil do logótipo laranja.

[o trailer de “Quiet on Set”: The Dark Side of Kids TV”:]

Mas nuns EUA ainda longe da escolha aparentemente interminável do streaming, ali na primeira década dos anos 2000, a Nickelodeon era a versão mais rebelde e desarrumada da sempre tão pedagógica Disney. Era o que os miúdos fixes viam — logo, subentendia-se que era onde os miúdos ainda mais fixes trabalhavam. Anos mais tarde, Quiet On Set (que tem como subtítulo The Dark Side of Kids TV – “o lado negro da televisão para crianças”) vem revelar as verdadeiras condições laborais e emocionais daquelas crianças e pré-adolescentes.

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A figura central de Quiet On Set — apesar de ter recusado ser entrevistado — é então Dan Schneider, um criador de conteúdos juvenis com um toque de Midas infalível. Dan começou ele próprio como ator ainda na adolescência, mas nunca foi visto como uma verdadeira estrela talhada para o sucesso. Os seus papéis correspondiam sempre a um mesmo estereótipo: o do “puto gordo”. Apesar de, alegadamente, esta categorização o deixar desconfortável, tal não o impediu de, anos mais tarde, ser ele próprio gordofóbico com o elenco das séries que criou e chefiou — especialmente com as raparigas, que mandava emagrecer ou serem substituídas por um modelo mais recente. Os preconceitos não se ficavam por aqui, sendo relatadas várias situações de bastidores de índole misógina ou racista.

Os quatro episódios centrais de Quiet On Set usam como fio condutor entrevistas a jornalistas da área do entretenimento, mas também ex-guionistas e produtores, antigas child stars já feitas adultas (que aparecem pouco no episódio de arranque, mas são essenciais nos seguintes) e progenitores. Puramente enquanto objeto televisivo, o documentário não tem grande rasgo. Apesar de por cá passar na HBO Max, é um programa do canal Investigation Discovery (do mesmo grupo, focado em true crime) e tem os vícios de um programa de TV Cabo, sobretudo na realização e edição.

Quiet On Set é um documento importante, de visionamento fácil e compulsivo, apesar de não ser televisão particularmente bem feita

O quinto episódio, no qual a apresentadora Soledad O’Brien faz um ponto de situação com alguns intervenientes já à luz da polémica da exibição dos episódios anteriores, é particularmente escusado — não só por ser repetitivo, mas também por ceder num tom sensacionalista ao qual, apesar de tudo, os restantes capítulos fugiram. Até ao pitch ao novo álbum de uma vítima de abuso temos direito.

Apesar destes claros defeitos, Quiet On Set não deixa de ser interessante, nem deixa de ser necessário, até porque denuncia pelo menos três casos de pedofilia. E à velha questão “mas então onde estavam os pais?” dá também uma resposta, mostrando como em alguns casos houve pressão para os adolescentes pedirem emancipação jurídica dos pais ou despedirem-nos da função de managers. O caso de Amanda Bynes, que foi de estrela de televisão a estrela de tribunais de clínicas de reabilitação, é particularmente exemplificativo.

Uma das imagens de marca da Nickelodeon era o despudor em fazer piadas com coisas nojentas. Mas o que com 13 anos parecia só tolo ou quanto muito escatológico, revela-se num olhar mais adulto como sendo innuendos sexuais, executados frente a uma câmara por literais crianças. É assim que arranca o primeiro episódio, talvez com um dos momentos mais desconfortáveis, numa mostra de cenas repletas de simbolismo fálico e até de referências visuais àquilo que na indústria da pornografia se chama de cum shot.

Quiet On Set é um documento importante, de visionamento fácil e compulsivo, apesar de não ser televisão particularmente bem feita. Os quatro primeiros episódios valem a pena, mas em querendo uma reflexão mais texturizada e bem conseguida, é mesmo ler o Ainda Bem Que A Minha Mãe Morreu.

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