Salvo alguns casos raros (Match Point, de Woody Allen, ou Borg vs. McEnroe, de Janus Metz), e descontando os documentários, o ténis não costuma dar bons filmes. Challengers, de Luca Guadagnino, vem agora juntar-se às exceções, e precisamente por se passar no mundo do ténis. Senão, seria mais uma banal e muito vista história de uma sólida amizade masculina destruída por uma mulher — e de um triângulo amoroso. Além disso, o ténis é também responsável por em Challengers haver mais descargas de endorfinas e mais suor do que numa final de um torneio do Grand Slam entre Rafael Nadal e Novak Djokovic, disputada sob calor intenso em cinco partidas e com tie break decisivo no último jogo.
[Veja o trailer de “Challengers”:]
Grande fã da modalidade (ao contrário do realizador), o argumentista Justin Kuritzkes concebeu Challengers como um filme em constante agitação cronológica. A história não pára de circular no tempo, entre 2019 e os primeiros anos do século, qual bola de ténis batida de um lado para o outro de um court. Art Donaldson (Mike Faist) e Patrick Zweig (Josh O’Connor) são tenistas juniores, amigos desde os 12 anos e parceiros em pares, conhecidos como Fogo e Gelo, e acabaram de ganhar o Open dos EUA nesta categoria. É então que conhecem, numa festa pós-torneio, Tashi Duncan (Zendaya), o novo fenómeno do ténis feminino, que pouco antes viram esmagar a sua adversária na final, e ficam os dois pelo beicinho por ela.
[Veja uma entrevista com os três atores:]
Tashi é tão formidável a jogar ténis como a manipular e picar rapazes, e uma controladora consumada, acabando por escolher Patrick, afastar Art da equação e estragar a amizade entre eles. Mas a gravíssima lesão que sofre num jogo na universidade acaba-lhe com a carreira — e também com a relação com Patrick. Quase 15 anos mais tarde, Tashi é a treinadora e a manager de Art, com o qual casou e teve uma filha. Art é agora um grande campeão que só não ganhou o Open dos EUA e está na mó de baixo, física e mentalmente. Tashi inscreve-o então num Challenger, um torneio do circuito secundário, que poderá ganhar facilmente e assim recuperar a forma e a confiança. O que eles não sabem é que o seu ex-namorado e ex-amigo Patrick, que nunca saiu da cepa torta, vai disputar o mesmo torneio.
[Veja o realizador falar sobre o filme:]
Todos os sonhos, ambições, ressentimentos e frustrações dos três protagonistas de Challengers, tal como o desejo que sentem uns pelos outros, são mediados, filtrados e sublimados pelo ténis. Ele funciona alternadamente como catalisador, metáfora, correlativo e cadinho da atração e da repulsa, da rivalidade e da pressão competitiva, do teasing e da tensão sexual entre Tashi, Art e Josh ao longo dos anos. Até um clímax em que tudo se resolverá dentro do court, durante um última partida disputada em estado de graça e inspiradamente transfiguradora, em que o jogo em si se mostrará maior, mais importante e decisivo para o trio do que qualquer outra coisa.
[Veja uma cena do filme:]
Antes da rodagem, Zendaya, Mike Faist e Josh O’Connor foram aturadamente treinados todos os dias, ao longo de três meses, pelo antigo jogador e atual treinador Brad Gilbert, pelo que o ténis praticado em Challengers é convincente (com uma boa ajuda dos efeitos de som). E a jiga-joga temporal que define a fita do ponto de vista narrativo encontra equivalente na inventividade visual da realização, já que Luca Guadagnino mandou o diretor de fotografia Sayombhu Mukdeeprom e os responsáveis pelos efeitos especiais pôr a câmara onde nunca esteve antes num jogo de ténis, desde dentro da bola até sob o court, o que nos dá direito aos mais desvairados pontos de vista e mete o Olho de Falcão num chinelo.
Zendaya é uma atriz algo limitada, compensando em presença e em sensualidade o que lhe falta em raio de ação dramático, e Mike Faist e Josh O’Connor estão bem metidos nas suas personagens, mas apesar de já terem ambos passado a casa dos 30, têm um ar agarotado que nos faz opor alguma resistência à plausibilidade da sua transição de adolescentes para adultos. Seja como for, a voltagem sentimental e sexual entre as três personagens não deixa de ser alta nem por um momento dos 130 minutos do filme, e nunca o “love” da pontuação do ténis adquiriu um significado tão pleno e intenso como em Challengers, porque aqui o amor ao jogo confunde-se com o amor no jogo.