Nos últimos 17 anos J.P., hoje com 54 anos, foi tratado como escravo por um grupo de pessoas e alugado para trabalhos agrícolas, que eram pagos a quem o explorava. Quase duas décadas depois de estar privado do acesso a cuidados de saúde e de viver num “furgão em estado de sucata, num acampamento”, em Bragança, conseguiu fugir e contar o inferno por que passou.

Foi depois da fuga que as autoridades iniciaram a investigação que culminou na detenção de quatro pessoas com idades entre os 37 e 44 anos, que são os principais suspeitos dos crimes de tráfico de pessoas, escravidão e falsificação de documentos. Na Operação “17 anos escravo” da Diretoria do Norte da PJ foram feitas várias buscas, domiciliárias e ao acampamento onde a vítima, que tem um “atraso cognitivo”, pernoitava.

Não tinha documentos, dormia num furgão e era alugado a terceiros

“A investigação permitiu apurar que ao longo de 17 anos a vítima sofreu, às mãos dos arguidos, maus tratos físicos e psicológicos, foi explorada como força de trabalho, tendo inclusive sido ‘alugada’ a terceiros para a prestação de trabalhos agrícolas, recebendo os arguidos a respetiva contrapartida financeira pelos serviços prestados pela vítima”, explica a Judiciária, acrescentando que além de “padecer de um atraso cognitivo”, a vítima “não tem qualquer retaguarda familiar”.

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Durante o tempo em que esteve privado de liberdade, o homem “foi controlado e vigiado ininterruptamente”, sendo que “os seus documentos se encontravam na posse dos arguidos, o que o tornou especialmente vulnerável”.

Quanto ao local onde vivia, a Judiciária esclarece que encontrou “uma situação degradante”, “pernoitando num furgão em estado de sucata, num acampamento, sem o mínimo de condições de habitabilidade, salubridade, higiene e alimentação”.

Não o deixaram ir às urgências quando sofreu acidente grave

A investigação concluiu que o homem de 54 anos também não tinha acesso a cuidados de saúde, tudo porque os arguidos simplesmente não o permitiam: “Nem mesmo quando sofreu um grave acidente lhe possibilitaram o recurso a uma urgência hospitalar”.

A falta de tratamento após esse acidente acabou por deixar “lesões permanentes nos membros inferiores, que lhe afetam gravemente a mobilidade”, explica a PJ, sublinhando que esta operação foi desencadeada na sequência da fuga da vítima, que acabou por contar as condições em que viveu durante todos estes anos.

“Acabou por conseguir fugir, desencadeando a intervenção da PJ que, de imediato, encaminhou a vítima para um Centro de Acolhimento e Proteção especializado para vítimas de tráfico de seres humanos e desenvolveu diligências de investigação relativas aos factos e identificação dos autores dos crimes”, conclui.

Agora, os detidos, que já têm antecedentes criminais por crimes contra o património, vão ser presentes a um juiz para primeiro interrogatório judicial e aplicação de medidas de coação.