“A aprovação parcial da ‘Lei Bases’ foi a primeira prova de fogo que Milei superou para demonstrar que pode tomar decisões com base em consenso, diálogo e acordos. Até agora todos os analistas políticos perguntavam-se como faria Milei para governar sem maioria para aprovar leis. Essa é a grande novidade desta vitória legislativa, independentemente do seu conteúdo”, explica à Lusa o cientista político Lucas Romero, diretor da consultora Synopsis, uma referência na Argentina.

Nesta terça-feira, depois de 29 horas e 20 minutos de debate, a segunda mais extensa jornada legislativa da história argentina, o governo obteve a sua primeira vitória na Câmara de Deputados, conseguindo a meia sanção da chamada “Lei Bases”, um pacote de ferramentas básicas com as quais o presidente Javier Milei pretende desregulamentar o Estado e modernizar a economia.

Em meados de maio, quando se prevê o tratamento no Senado, Milei poderá conseguir a sua primeira lei, cinco meses depois de assumir funções. “Quando olhávamos para este governo, em absoluta minoria, víamos que seria necessária muita construção política para tomar decisões. Ao mesmo tempo, víamos um Presidente intransigente e dogmático, distante desse objetivo. Agora, estamos a ver um Milei muito mais pragmático”, compara Romero.

A oficialmente chamada “Lei de bases e de pontos de partida para a liberdade dos argentinos” foi aprovada em geral por 142 votos a favor, 106 contra e cinco abstenções. Para a aprovação, eram necessários 129 votos a favor, um limite desafiante para um governo com apenas 37 deputados, cerca de 15% dos deputados.

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Na votação em particular de cada um dos 25 capítulos da lei, além de 21 capítulos de um pacote fiscal, as aprovações oscilaram entre 134 e 142 votos. No Senado, no entanto, o desafio será ainda maior. Milei conta apenas com 10% dos senadores, precisando exercer ainda mais o jogo político por um estreito caminho de opositores.

Em fevereiro, a tentativa de aprovar a “Lei Bases” fracassou quando o Governo decidiu retirar a o texto do debate, depois que a oposição começou a alterar cada inciso, de cada artigo. De fevereiro para cá, enquanto o Presidente Javier Milei desdenhava o que chama de “casta política que o impede de governar”, procurou negociar um consenso com a mesma “casta”. O resultado foi um pacote de leis mais do que desidratado, longe do ideal pensado pelo Governo, mas dentro do possível permitido pela oposição.

“Milei passou de intransigente e ambicioso a limitado pelo sistema político que confrontava. Começa a entender o seu papel num sistema de decisões. Esse é o sinal que os analistas económicos e o Fundo Monetário Internacional queriam ver”, indica Lucas Romero.

Daqueles 664 artigos iniciais com seis anexos, restaram apenas 232 artigos com um único anexo. Foram excluídos, portanto, 432 artigos. A reforma laboral, por exemplo, diminuiu de 60 artigos a 15, excluindo todo o capítulo sindical. A “reforma” é agora apenas uma “modernização” que flexibiliza o modelo de emprego, mas não afeta o poder dos sindicatos.

Outro aspeto desidratado é o capítulo de privatizações. Das 41 empresas estatais privatizáveis, restaram apenas 11. As outras 30 empresas escaparam da venda. O governo também ficou proibido de acabar com diversos organismos públicos que tinha prometido eliminar.

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A concessão de superpoderes passou de onze áreas durante dois anos para apenas quatro durante um ano. Nenhuma área é sensível: administrativa, económica, financeira e energética.

“O mercado quer saber se Milei está limitado a tomar decisões apenas sobre o gasto público ou se consegue avançar com reformas estruturais. Até agora, o Presidente só avançou em atacar o défice fiscal. Faltam as leis para desregulamentar o Estado”, aponta o economista Rodrigo Álvarez.

A primeira vitória legislativa de Milei é um trunfo a ser exibido a investidores e ao Fundo Monetário Internacional. As ações das empresas argentinas em Wall Street subiram até 7% e a bolsa de valores de Buenos Aires subiu 3,8%.

“Acabo de chegar dos Estados Unidos. Investidores querem provas de que a Argentina possa ser sustentável em termos fiscais, que possa acumular reservas internacionais e que o governo possa aprovar leis. Querem saber se Milei tem músculo político para isso”, conclui Rodrigo Álvarez.