Drake ou Kendrick Lamar, quem ganhava se houvesse uma batalha de rap? A pergunta foi feita em 2016 numa entrevista a Barack Obama, na altura presidente dos Estados Unidos, e o vídeo ressurgiu nos últimos dias nas redes sociais.
“Tenho de escolher o Kendrick”, respondia então o ex-presidente ao YouTuber Swoozie. “Acho que o Drake é um entertainer excecional, mas o Kendrick, as letras dele… O último álbum é espetacular. Acho que foi o melhor álbum do ano [To Pimp a Butterfly, de 2015].”
Oito ano depois, a rivalidade entre os rappers Drake e Kendrick Lamar está mais acesa do que nunca, com a troca de oito diss tracks (canções feitas com o propósito de insultar outro artista) lançadas no último mês, a maior parte na última semana.
A euforia foi tal que o site Genius, criado em 2009 com o nome Rap Genius para explicações e interpretações de letras de músicas, chegou a ter problemas de ligação. A culpa foi da canção euphoria, lançada por Kendrick Lamar a 30 de abril, uma terça-feira pacata até o rapper da Califórnia publicar a diss track no YouTube às 08h24 da manhã – a hora terá sido calculada como homenagem a Kobe Bryant, antigo jogador dos LA Lakers (que morreu em janeiro de 2020 num acidente de helicóptero), com os números das camisolas que usou.
Segundo informações do Genius, a canção “crashou temporariamente o website quando os fãs [de Kendrick] se apressaram a decifrar a letra”, lê-se. No mesmo dia, a música, que, entretanto, apareceu noutras plataformas de streaming como o Spotify, batia recordes, tornando-se a canção de rap mais ouvida num só dia de 2024 nos Estados Unidos.
euphoria, uma referência à serie de televisão da HBO com o mesmo nome que tem Drake como produtor-executivo, foi a bomba de Kendrick Lamar no desentendimento de mais de uma década – ou o beef, usando a gíria americana – entre os dois rappers. Nos mais de seis minutos da faixa, Kendrick não poupa Drake, o “mestre da manipulação” e um “mentiroso habitual”, como lhe chama, com acusações várias: de misoginia a relações com menores, de apropriação racial ao uso de ghostwriters para escrever as suas canções.
Para a revista Complex, euphoria é um “exercício de ódio de classe mundial”, com “jogos de palavras inteligentes”, uma “masterclass de teatro rap”. Na verdade, parece ter sido, sobretudo, a gota de água num beef antigo.
Banho-maria
Segundo o The New York Times, Drake, de 37 anos, e Kendrick Lamar, de 36, passaram “mais de uma década a provocarem-se um ao outro subtilmente em canções”, sendo “frenemies” em público. Em 2012, e com A$AP Rocky, Kendrick, ainda no início de carreira, chegou a fazer a primeira parte da digressão Club Paradise de Drake e os dois músicos gravaram juntos Poetic Justice, de Good Kid, M.A.A.D City, o primeiro álbum de Kendrick, do mesmo ano.
Foi a partir desse período que a coisa azedou e começou aquilo a que o jornal norte-americano considera de “guerra fria do hip-hop”. Drake tornou-se o “principal criador de hits da sua geração, de hip-hop e não só”, enquanto Kendrick, com álbuns mais conceptuais e complexos, conquistava a crítica, mas conseguia “menos sucesso comercial”, escreve o jornal.
A rivalidade (um clássico da história do hip hop, que, de tempos a tempos, deixa o underground para ficar bem visível na superfície do mainstream, com nomes bilionários como estes) terá estado em banho-maria durante mais de uma década, mas terá entrado em ebulição em março deste ano com a resposta de Kendrick Lamar ao tema que Drake lançou em outubro do ano passado com J. Cole, First Person Shooter. Na faixa, J. Cole questiona quem será o grande nome do hip-hop da atualidade: se ele, se Drake (Aubrey) ou se Kendrick (K-Dot): “Love when they argue the hardest MC/ Is it K-Dot? Is it Aubrey? Or me?/ We the big three like we started a league, but right now,/ I feel like Muhammad Ali.”
A resposta de Kendrick surgiu só este ano, a 22 de março, na canção Like That, uma colaboração com Future e Metro Boomin. Para Kendrick, não há dúvidas sobre quem é o melhor. Não há sequer um “big three”, apenas um “big me”, diz. O músico compara a sua rivalidade com Drake com a rivalidade antiga entre Prince (com quem se compara) e Michael Jackson (com quem Drake já se tinha comparado na mesma canção). “O Prince viveu mais que o Mike Jack”, remata.
O vai e vem de insultos e diss tracks começou a ganhar forma quando Drake respondeu com duas músicas. A primeira, Push Ups, a 13 de abril, é um ataque a mais artistas que já lhe tinham lançado farpas, entre eles Future e Metro Boomin, mas também Rick Ross e The Weeknd. A Kendrick, o principal alvo, Drake associa os nomes de Taylor Swift e Maroon 5, artistas pop com quem terá trabalhado. “Durante anos as pessoas têm tentado desacreditar Drake, rotulando-o de estrela pop”, explica um crítico da revista Complex. “De uma forma inteligente, ele [o Drake] está aqui a mostrar que o Kendrick não está imune à mesma crítica.”
Segundo o The New York Times, para Kendrick Lamar terá sido nesta canção que a “linha foi ultrapassada”, quando Drake mencionou o nome de Whitney Alford (a namorada, noiva e mãe dos dois filhos de Lamar), com insinuações de traições. A resposta de Kendrick não surgiu logo, nem sequer quando, a 19 de abril, Drake lançava mais uma diss nas suas redes sociais, Taylor Made Freestyle, associando o silêncio de Kendrick ao lançamento do álbum de Taylor Swift, The Tortured Poets Department: “But now we gotta wait a fuckin’ week ’cause Taylor Swift is your/ new Top.”
A música de Drake, com simulações das vozes de Tupac e Snoop Dogg feitas com Inteligência Artificial, teve de ser retirada das redes depois de ameaças de processo judicial dos herdeiros de Tupac. Já Snoop Dog, de acordo com o vídeo que publicou nas redes sociais e que viralizou, não estava a par da música até começar a receber telefonemas. “Fizeram o quê? Como? Quando? (…) Vou voltar para a cama.”
Vai e vem
A resposta de Kendrick Lamar, com euphoria, chegou a matar no último dia de abril. Pouco depois, a 3 de maio, juntou ao repto mais uma canção, 6:16 in LA, com um título a ridicularizar as referências de tempo e lugar nas músicas de Drake, uma “pessoa terrível”, palavras suas.
Na mesma noite, Drake dava oito minutos de resposta com Family Matters, a incluir acusações de violência doméstica e de que o verdadeiro pai de um dos filhos de Kendrick era o seu guarda-costas, Dave Free. Horas depois, Kendrick respondia com Meet The Grahams, mais uma enxurrada de insultos, uma comparação com Harvey Weinstein e uma suposta revelação de que Drake teria uma filha secreta de 11 anos. A 4 de maio vinha a continuação, com Not Like Us e mais ameaças e acusações de pedofilia — “Tryna strike a chord and it’s probably A-minor.”
[as “diss tracks” lançadas por Drake e Kendrick Lamar nas últimas semanas, por ordem cronológica:]
Por enquanto, o último capítulo da saga que promete pipocas e mais episódios foi a resposta de Drake, The Heart Part 6, no domingo, 5 de maio. Com um sample de Prove It, de Aretha Franklin, Drake respondeu às acusações e afirmou que a existência de uma filha de 11 anos foi um boato espalhado de propósito pela sua equipa.
Segundo a página de Wikipedia que entretanto foi criada sobre o caso (“Drake — Kendrick Lamar feud”) e que explica cronologicamente o beef entre os dois rappers, Kendrick Lamar reúne o maior número de apoiantes: Metro Boomin, Future, the Weeknd, Rihanna, A$AP Rocky, Rick Ross, Megan Thee Stallion e Kanye West. Do lado de Drake apenas Azealia Banks e Jay Electronica.
Em abril, na sua página de Instagram, Drake fez uma referência às últimas guerras no mundo do rap, com uma imagem do filme Kill Bill, onde a personagem interpretada por Uma Thurman, com uma espada na mão, está rodeada de inimigos. A própria atriz respondeu com uma fotografia do famoso fato amarelo que a personagem usava no filme de Quentin Tarantino. “Precisas disto?”
Até ao momento, o conflito parece estar em pausa. E se por um lado é um comportamento que motiva a criatividade (seja ela mais ou menos apreciada pelos fãs, mais ou menos tida em conta pela crítica), também há quem nele encontre um lado mais grave, um que deixa insinuações por explicar, sobretudo as que estão relacionadas com acusações de crimes.