Khaled é um refugiado sírio, que depois de nove anos deslocado no seu país de origem, onde também esteve preso, foi torturado e detido de novo na Líbia. Fugiu do continente africano à procura de melhores condições, depois de várias travessias de barco, chegou ao Reino Unido em Junho de 2022. Ao  jornal britânico The Guardian, confessou não conseguir comer nem dormir perante a possibilidade de deportação iminente para o Ruanda, que descreveu como “um país não seguro”, garantindo matar-se assim que lá chegasse.

O refugiado sírio – identificado com o nome fictício de ‘Khaled’ para proteger a sua identidade – frisou que a necessidade de segurança era o que mais motivava os pedidos de asilo dos refugiados. Khaled está no Colnbrook Immigration Removal Center, em Middlesex, desde junho de 2022, e segundo diz, os restantes migrantes aqui detidos também viveram detenções e torturas no passado, o que acaba por agravar e intensificar a situação na qual se encontram de iminente deportação para um país que não consideram seguro.

Estamos muito stressados por causa do Ruanda. Não conseguimos comer nem dormir. Eu estive deslocado na Síria durante nove anos e detido na prisão e depois fui detido e torturado na Líbia. A detenção prisional é muito problemática para mim. O importante para os requerentes de asilo é estar a salvo. Eu não vou estar a salvo no Ruanda. Se eles me conseguirem deportar, vou matar-me assim que chegar ao país.”, declarou Khaled, acrescentando que “ficou muito assustado” ao saber do polêmico plano de deportação para o Ruanda de migrantes proposto pelo primeiro ministro de Inglaterra, Rishi Sunak.

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Enquanto prestava declarações em Birmingham, Khaled foi algemado e levado para uma cela. A seguir foi encaminhado para um autocarro que o levou para o centro de detenção – uma situação semelhante aconteceu com dois curdos iraquianos. Desde a sua chegada que precisa de antibióticos para tratar uma infeção que tem na perna. Pediu assistência médica, até à data, sem sucesso.

Um segundo requerente de asilo, sudanês, que também optou pelo anonimato para garantir a sua segurança, disse, em conversa com o mesmo jornal britânico, que também esteve detido na Líbia enquanto fugia de Darfur, uma zona em conflito neste país. A sua chegada ao Reino Unido foi atribulada. Primeiro, teve de reunir fundos para ‘comprar’ a liberdade aos seus captores. Depois, cruzou o mediterrâneo até Itália, num barco que quase se afundava. Foi para França, onde lhe disseram que o seu processo podia demorar até quatro anos e só depois partiu de Calais para atravessar o Canal da Mancha, num barco sobrelotado, descrevendo esta última travessia como “a mais assustadora”.

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Por mim, tinha pedido asilo em Itália, mas a polícia italiana não aceitou tirar as minhas impressões digitais e disse-me para seguir para França. Quando lá cheguei, disseram-me que ia demorar pelos menos quatro anos até que o meu pedido de asilo fosse considerado, portanto, esperai na selva de Calais para atravessar o Canal para o Reino Unido, num barco sobrelotado, o que foi ainda mais assustador do que atravessar o mediterrâneo”, declarou o detido sudanês.

Chegou ao Reino Unido em junho de 2022 e foi levado para o centro de detenção há uma semana, quando prestava declarações em Newcastle. Inicialmente, foi-lhe dito que seria deportado para um terceiro país seguro, só mais tarde lhe foi explicado que este país seria o Ruanda, levando-o a declarar: “Fiquei muito assustado. Fugi de um país africano porque não era seguro e tenho muito receio de ser deportado para outro país africano que também não será seguro para mim.”

Ambos migrantes falaram sobre as dificuldades vividas no centro de detenção, em particular a impossibilidade de entrar em contacto com possíveis representantes legais devido às filas intermináveis para os computadores e máquinas de fax, impossibilitando que os requerentes de asilo cumpram com o prazo de sete dias estipulado pela Home Office (Ministério do Interior Britânico) para contestar a decisão de deportação para o Ruanda.

Em contrapartida, um porta-voz do Ministério de Interior Britânico garantiu que “todos os indivíduos detidos têm acesso a um telemóvel, internet e ainda um telefone fixo para poderem estar em contacto com amigos, familiares e outro tipo de apoio” vincando ainda que “levamos extremamente a sério o bem-estar das pessoas sob o nosso cuidado. Há medidas de salvaguarda robustas de forma a garantir que todas as pessoas recebem o apoio de que precisam e que são tratadas com dignidade.”

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Os detidos que serão deportados para o Ruanda recebem uma carta da Home Office (à qual o The Guardian teve acesso) onde está estipulado que, caso não seja possível chegar a acordo quanto ao envio de requerentes de asilo para um país terceiro seguro num espaço de tempo razoável, então a Home Office reconsiderará o pedido de asilo, sugerindo que nem todas as pessoas detidas para o Ruanda vão de facto ser enviadas e ter os seus pedidos de asilo processados no país.

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O jornal britânico avançou ainda que mais de 100 pessoas foram detidas até agora. A organização de beneficência Care4Calais publicou informação relativa à nacionalidade dos detidos, sendo que a maioria vem de zonas de conflito. A responsável legal desta organização disse que “Os pedidos de asilo das pessoas detidas não foram processados e é claro pelo primeiro grupo com o qual estamos contacto que caso os seus pedidos fossem processados, teriam direito ao estatuto de refugiados no Reino Unido. Isto reforça o quão vergonhoso o plano de deportação para o Ruanda é e a necessidade de que seja impedido.”

De acordo com outra organização de beneficência Charity Detention Act, pelo menos um detido que será deportado para o Ruanda começou uma greve de fome. Este disse que “Estou a destruir o meu corpo e a minha saúde para obter ajuda e para que a minha voz seja ouvida.”

A coordenadora da campanha do Partido Trabalhista (Labour Party, em inglês), Pat McFadden disse que, caso o partido fosse eleito, duvidava que os Trabalhistas trouxessem de volta para o Reino Unido as pessoas deportadas para o Ruanda.