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"The Idea of You": nem comédia, nem romântica

Este artigo tem mais de 6 meses

Não se pede a um filme deste género concorrido que seja original, mas que seja ao menos algo fresca na abordagem que faz nos caminhos já muito trilhados. No filme da Prime Video acontece o contrário.

Nicholas Galitzine é Hayes Campbell; Anne Hathaway é Solène; juntos, são muito pouco
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Nicholas Galitzine é Hayes Campbell; Anne Hathaway é Solène; juntos, são muito pouco

Nicholas Galitzine é Hayes Campbell; Anne Hathaway é Solène; juntos, são muito pouco

Como garota dos anos 80 que passou por toda a adolescência nos anos 90, eu cresci com comédias românticas. A vê-las em repeat (perdi a conta de quantas vezes vi When Harry Met Sally, por exemplo), a sonhar com elas, a construir expectativas absolutamente irrealistas com elas. É um género ao qual regresso com gosto, sabendo que o que me espera é o equivalente a uma manta quentinha. Umas vezes feita de angorá, quando o filme é de facto bom. Outras de lã com mistura sintética, pronto, mas cumprindo a sua função. Mas outras ainda de um nylon meio translúcido e que faz logo borboto, como é o caso de The Idea Of You, o filme com Anne Hathaway e Nicholas Galitzine agora estreado na Amazon Prime com um êxito automático mas, suspeito, muito momentâneo.

As plataformas de streaming andam nos últimos anos a tentar ativamente fazer um comeback do género fílmico da comédia romântica, um estilo que outrora era quase sinónimo de sucesso garantido, de Pretty Woman a Quatro Casamentos e Um Funeral, passando por Bridget Jones ou por Sleepless In Seattle. Os resultados deste esforço têm tido resultados agridoces. Por um lado, são muitas vezes um sucesso de visualizações. Por outro, há muito tempo que não sai daqui um clássico para a panteão do género. Mesmo quem vai acompanhando as estreias terá dificuldade em enumerar dois ou três títulos pelo nome.

É neste contexto que surge The Idea Of You, amplamente promovido em todo o tipo de canais, dos clássicos talk shows americanos a reacts no Tik Tok. Conta a história de Solène, uma mulher divorciada de 40 anos que acompanha a filha adolescente a ver a sua outrora banda preferida no festival de Coachella e enceta assim um inesperado romance com Hayes Campbell, que aos 24 anos é a figura principal da maior boyband do mundo, os August Moon. Para qualquer pessoa com o mais básico conhecimento no que diz respeito a fenómenos pop contemporâneos (nem é preciso estar ao nível de um queijinho rosa no Trivial Pursuit), é muito fácil perceber que os August Moon são uma cópia chapada dos One Direction e que o muito britânico Hayes é, claramente, uma versão de contrafação de Harry Styles. A isto acresce que também Styles foi vítima de polémica por namorar com uma mulher mais velha, no caso a atriz e realizadora Olivia Wilde.

[o trailer de “The Idea of You”:]

The Idea Of You encaixa assim num fenómeno que já leva uns anos, o da fan fiction que consegue depois dar o salto para uma obra em nome próprio. O grande sucesso de 50 Sombras de Grey era, inicialmente, uma versão mais escaldante de Twilight imaginada por Stephenie Meyer, que eventualmente abandonou os nomes próprios e as características mais óbvias dos personagens que não eram seus. Neste caso, a escritora Robinne Lee chegou a admitir em entrevista que escreveu The Idea Of You com Harry Styles em mente, mas ao ver todas as análises ao livro a serem engolidas por essa revelação acabou por se arrepender e tentar negar. Tarde demais: tudo na personagem desempenhada agora por Nicholas Galitzine parece uma versão da candonga de Styles, das tatuagens ao ar sofredor ao pegar na guitarra. O filme consegue, aliás, o pior de dois mundos — por um lado, não ter um protagonista que conquiste para lá da imitação; e por outro, não ser minimamente credível no seu modo de ser e de estar, mesmo baseando-se em alguém que existe e paga impostos.

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A fan fiction tem a função primordial de passar para o papel (e, neste caso, para o ecrã) as fantasias dos leitores (sobretudo leitoras), de fazer sonhar acordado. The Idea Of You cumpre esse papel para quem vê em Harry Styles um apetecível naco — mas parece não cumprir mais papel rigorosamente nenhum. É uma comédia romântica que se esquece 99 por cento do tempo de ser uma comédia e que tem no cerne do seu romance um ponto de partida rebuscado até para o género em questão. A única coisa boa a realçar no filme é a bem conseguida química entre protagonistas, que salva cenas que têm o brilho de uma noite de nevoeiro num desterro. De resto, é uma história sem graça, sem conflito para trazer qualquer dinamismo narrativo, e apenas um mecanismo para quem quer imaginar que um dia vai conhecer o homem perfeito na casa de banho de um camarim. E, mais importante, acreditar por momentos que isso pode mesmo ser possível até para uma Armanda que vende seguros numa sucursal em Ponte de Lima.

A fraca epopeia amorosa tem quase duas horas (é um filme longo para uma comédia romântica) e o ciclo “conhecem-se de modo engraçado + evitam-se porque não pode ser + embrulham-se porque nunca sentiram um amor assim” ocorre nos primeiros 15 minutos. Então o que acontece na hora de 45 que sobeja? Muito pouco. As cenas de sexo são mais escaldantes do que a maioria dos filmes do género, servindo assim as descrições do livro, que andou a reboque da explosão recente de sucesso de livros “fofinhos” com cenas de sexo mais descritivas, que permite dar uma no cravo e outra nas 50 Sombras de Grey. E as canções do artista de sucesso incompreendido são fracas de mais para o peso narrativo que têm em cima — a típica “canção secreta que o tipo das boybands escreveu que o fará dar o salto para um singer songwriter adulto de impecável reputação” é uma xaropada altamente esquecível, tão oca como o restante filme.

"The Idea Of You" não inova e não tem de inovar, mas espalha-se ao comprido até na desejável repetição de mecanismos "feelgood"

Não se pede a uma comédia romântica que seja original, mas pede-se que seja ao menos algo fresca na abordagem que faz nos caminhos já amplamente trilhados. Mas no que diz respeito ao conceito “e se fosse uma celebridade mundial e uma pessoa desconhecida”, Notting Hill já fez incomparavelmente melhor. E na diferença de idade, temos filmes bem mais interessantes, de As Good as it Gets até ao recente Good Luck to You, Leo Grande. The Idea Of You não inova e não tem de inovar, mas espalha-se ao comprido até na desejável repetição de mecanismos feelgood. A premissa tem falhas por todos os lados que nem a maior suspensão do descrédito consegue salvar. Tanto há paparazzi e seguranças a rodo quando isso dá jeito como se entra num hotel, num camarim ou num estúdio de gravação sem a mínima dificuldade. E ter esta boyband a atuar em Coachella faz tanto sentido como ter o André Rieu no Rock In Rio: lá porque faz sucesso avassalador, não quer dizer que caiba em eventos mainstream, independentemente do seu estilo.

Uma das partes interessantes de The Idea Of You poderia ter sido a exploração de escrutínio público de uma mulher mais velha envolvida com um homem mais novo, mas também aqui o filme falha em toda a linha. As cenas sobre o tema são superficiais e tontas, esquecendo-se de ter graça ou de fazer pensar. Um dos problemas vem logo no casting. Apesar da já citada química ser boa (algo que até tem falhado muito noutros filmes), não são assim tão óbvias a olho nu as gritantes diferenças de idade. Não se olha para Anne Hathaway e se vê logo que é assim tão mais velha que Nicholas Galitzine — assim como uma madura Ella Rubin no papel de filha não passa a ideia de uma adolescente no secundário, frágil e infantil como a história exigiria. Farei apenas uma menção elogiosa ao ex-marido Reid Scott, que — já sabíamos desde Veep e de The Marvelous Mrs. Maisel — dá sempre um ótimo sacana.

O final do filme é, tal como o livro, mais ou menos em aberto. Espero que não seja convite a uma sequela. Antes levar com o André Rieu no Rock in Rio, caramba.

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