Mais de 1.500 obras de Pedro Cabrita Reis compõem “Atelier”, exposição constituída unicamente por peças do acervo pessoal do artista, que leva para oito pavilhões da Mitra, em Lisboa, o espírito da “desordenação acumulada” de um estúdio artístico.

A mostra, de entrada gratuita e que estará patente a partir de 19 de maio, inclui obras criadas por Pedro Cabrita Reis, “um pintor, que faz umas esculturas engraçadas de vez em quando”, desde o início da década de 1970 até hoje — há 15 a 20 peças que surgiram durante a montagem da exposição.

A agência Lusa visitou “Atelier” na quinta-feira de manhã, e Pedro Cabrita Reis, um dos artistas portugueses mais reconhecidos nacional e internacionalmente, na altura revelou ter decidido “não fazer mais nada”, mas como alguém que trabalha “desalmadamente”, é possível que tenha criado mais obras desde então.

Entre as peças mais antigas em exposição estão trabalhos sobre papel e pinturas a óleo e tela, datados de quando Pedro Cabrita Reis era ainda adolescente, e “já tinha absoluta clareza” que ia ser artista, e que o seria “toda a vida”.

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Os oito pavilhões, onde há apenas luz natural, podem ser percorridos como cada visitante entender, visto que não há uma ordem cronológica ou temática da colocação das peças.

“O critério de montagem desta exposição não é seguramente um critério de ordem curatorial ortodoxo”, referiu o artista, explicando que as obras expostas “vêm de tempos diferentes, de disciplinas diferentes, contam histórias diferentes e estão todas umas ao lado das outras, ordenadas de uma forma aleatória, mas desenhada, de uma forma inédita, mas desenhada, de uma forma caótica, se quiser levar-se isto ainda mais longe, mas desenhada”.

O lugar que cada obra ocupa no espaço partiu de uma decisão do artista: “Se esta tela laranja, que é uma paisagem, deve ser ou não mostrada com estes autorretratos que se encontram à sua direita”, por exemplo.

Pedro Cabrita Reis quis levar para os pavilhões da Mitra “o espírito do atelier” de um artista, “um espírito que tem uma desordenação acumulada”.

“A exposição chama-se ‘Atelier’ não só pelo facto de ser apenas oriunda do meu acervo pessoal, mas também porque há no atelier uma ambiência de convivência. As obras atropelam-se, empurram-se, falam umas com as outras, estão umas viradas para a parede, outras viradas para cá, com esculturas pelo meio do chão”, disse.

As obras, que não têm legendas a contextualizá-las, foram ‘arrumadas’, nas paredes e no chão, por “afinidades de ordem estética”.

“São fruto de um plano relativamente subjetivo e na reta final fazem-se os acertos. Isto não foi montado de uma forma sequencial — o primeiro pavilhão primeiro, depois o segundo, etc.. Ela [exposição] nasceu, cresceu, construiu-se e foi-se desenvolvendo da mesma forma em todos os pavilhões ao mesmo tempo. Até que vieram os dias finais em que eu e a minha equipa fomos passando [em todos os pavilhões] e tomando notas ‘passar isto talvez para ao pé daquela peça, assim, assim, tumba’. E foi assim”, explicou.

Embora na exposição estejam expostas mais de 1.500 peças, no armazém onde Pedro Cabrita Reis guarda o seu acervo pessoal ficaram ainda muitas outras. “O que está aqui é uma grande parte, seguramente mais do que dois terços, mas tenho ainda outras obras no mesmo armazém de onde estas vieram”, contou.

Algumas, “pela sua dimensão, não tinham cabimento” na mostra. “Noutros casos, as minhas opções de escolha foram sendo feitas de outra maneira — fui repetidas vezes ao armazém buscar obras para esta exposição e algumas voltaram para casa”, referiu.

Pedro Cabrita Reis partilhou com a Lusa que trabalha “desalmadamente”, está “sempre a trabalhar”.

“Tenho essa disposição interior. Ainda que não seja com as mãos, o artista está sempre a trabalhar. Olhar em redor, sinalizar as coisas em redor, e ver através delas aquilo que elas podem dar como potencial motivo para a criação de uma obra, ou para o aprofundamento de um qualquer pensamento, na, da e para a criação artística”, partilhou.

Viajar entre os milhares de obras que tinha à disposição para expor na mostra não lhe trouxe surpresas, visto que se lembra de quase tudo o que fez.

“Com a minha idade [67 anos] e a má vida que levei desde que comecei a ter alguma vida pessoal, a minha memória tem vindo a diluir-se, mas não a memória do trabalho. O encanto de ver as obras não é da surpresa. Eu sei exatamente o que está dentro daquela caixa e dentro daquele embrulho, e quando ela é desembrulhada e posta aqui o encanto é do encontro de um velho amigo”, contou.

Pedro Cabrita Reis: “O que faço, faço como quero”

Depois de a exposição terminar — está patente até 28 de julho — as obras irão regressar todas ao armazém. “Não vou vender nada, era o que faltava”, garantiu, consciente de que “não irá faltar assédio nesse sentido”. Além de ter decidido não vender as obras, Pedro Cabrita Reis optou por não cobrar bilhetes para a exposição.

Recebi dinheiro público, através da Câmara Municipal de Lisboa, que mo concedeu pela Associação de Turismo de Lisboa. Não considerei que fosse correto eticamente receber dinheiro dos contribuintes e ganhar dinheiro a vender bilhetes”, justificou. Se tivesse decidido cobrar bilhetes, estes nunca iriam custar menos de dez ou quinze euros, disse. “Mas numa família de cinco pessoas, 75 euros, que não é nada, é muito para muitas famílias”, disse.

“Atelier” pode ser visitada de quinta-feira a domingo, entre as 14h00 e as 18h00.