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800 Gondomar: "São Gunão" e os padroeiros do punk rock

Este artigo tem mais de 6 meses

Quando chegaram, mostraram como a distorção pode salvar. Estiveram em pausa, mas depois de uns concertos de regresso, editaram "São Gunão", novo disco. Agora, apresentam-no ao vivo.

“Temos uma vontade de denunciar os nossos medos e enfrentá-los sem tentar culpabilizar ninguém. Temos orgulho em ser um ‘ser falho’ – como diria A Garota Não"
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“Temos uma vontade de denunciar os nossos medos e enfrentá-los sem tentar culpabilizar ninguém. Temos orgulho em ser um ‘ser falho’ – como diria A Garota Não"

“Temos uma vontade de denunciar os nossos medos e enfrentá-los sem tentar culpabilizar ninguém. Temos orgulho em ser um ‘ser falho’ – como diria A Garota Não"

Das bandas mais trabalhadoras que os anos que se seguiram a 2010 viram por estas paragens. Os 800 Gondomar tocaram de norte a sul, este a oeste, verteram (literalmente, apostamos) sangue e suor em cima de palco. Contudo, um inesperado hiato do grupo de Rio Tinto provocou um silêncio ensurdecedor na cena musical nacional.

Nos entretantos mais recentes, deixámos de ter oportunidade de ouvir as pérolas de disorção que compõem um reportório repleto de grandes momentos de garage rock, psicadelismo e de uma estética lo-fi, incluídos no EP Circunvalação (2016) e no disco Linhas de Baixo (2017). Mas desde março deste ano que, com Rui Fonseca, Frederico Ferreira e Alô Farooq, temos os temas do novo São Gunão. Este é o primeiro disco do conjunto em sete anos, no qual, através do bom e velho punk, exploram histórias de jovens adultos que ainda tem algumas dificuldades em livrar-se da primeira parte deste rótulo. Esta quinta-feira, 16 de maio, apresentam-no ao vivo no B.Leza, em Lisboa.

Mas, antes de entrarmos noutros detalhes, há informações importantes a confirmar: por onde é que andaram os 800 Gondomar? Rui e Afonso, em conversa com o Observador, explicaram que o grupo nunca perdeu contacto e a música nunca abandonou totalmente as suas vidas, passou apenas a ocupar um espaço menor em relação a outros projetos e experiências. Apenas Frederico, que não esteve presente na entrevista, se manteve mais ativo no meio, acompanhando os Sunflowers enquanto baixista. “Nestes últimos anos, estive sobretudo a trabalhar em cinema”, explicou Afonso, que está mais envolvida na parte da imagem e da direção de fotografia. “Nunca deixei a música de lado, mas foquei-me, nestes últimos anos, mais nesta arte.

[“AX GTI”:]

Um dos projetos mais badalados onde esteve envolvido foi a longa-metragem de Cláudia Varejão, Lobo e Cão, na qual ocupou o cargo de assistente de imagem. Atualmente, continua a trabalhar na área, estando a desenvolver um filme no Porto, apesar de não nos ter revelado o nome do projeto.

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No caso de Rui, o percurso não foi tão linear. Com vontade de se desligar do mundo da produção cultural e artística, acabou por emigrar para a Grécia, onde aproveitou para “descansar a cabeça”, nas suas próprias palavras. “Acabei por usufruir de diversas componentes da vida porque não estava sempre preocupado em musicar e transformar tudo em canções”, descreve o baterista. Ao longo destes anos, acabou por exercer as mais variadas profissões que, em pouco ou nada, tem a ver com música. Por exemplo, trabalhou na construção civil durante um ano e foi lixeiro num festival de trance.

[Já saiu o primeiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui.]

Além destes empregos, desenvolveu um projeto a solo chamada Querido Líder, onde domina o drone e os sons de teclados, e criou, ao lado de Vanessa Lonau, Sara Azul e badsá, o conjunto BCC (Banda de Call Center), inspirado nos tempos em que os quatro trabalharam num call-center. Neste momento, já não faz parte desse projeto.

[“Mataram o Fábio”:]

“O meu local de trabalho era diferente das outras pessoas que partilhavam o projeto comigo. Elas estavam mais envolvidas na parte das vendas e eu fazia sondagens políticas”, diz. “Ninguém me ligava porque estava com problemas e eu não incomodava as pessoas a tentar impingir produtos. Ligava a alguém e estávamos ali cinco minutos a debater política”. “Foi uma experiência interessante porque era possível perceber como é que certas pessoas sentem diretamente alguns dos problemas que abordamos nas músicas dos 800 Gondomar”, diz, acrescentando que algumas destas experiências “inusitadas” acabaram por tingir o novo disco.

“Apenas pela questão da qualidade da chamada telefónica, consegues logo estabelecer a classe e a condição social de alguém. Este vínculo sociopolítico, da exploração de símbolos de pertença, ajuda-nos a construir melhor aquilo que temos para dizer”, explica Rui. “Considero que somos pessoas atentas e com a capacidade para recolher os elementos bonitos e plásticos da vida, para falar sobre e para explorar tudo isto, na altura certa.”

É isto que se ouve em canções como Rio Tinto ou Tchoo Tchoo, é com elas que o grupo acaba por explorar os novos problemas que enfrentam na terra onde viveram durante a maior parte das suas vidas, nomeadamente, a gentrificação e a inflação. “Rio Tinto é um símbolo espetacular de como as perspetivas da vida mudaram”, afirma o baterista, que ainda ali vive. “Sempre defendemos a nossa cidade apesar de ter a fama de ser um subúrbio indesejável. No entanto, num curto espaço de tempo, tornou-se um local mais próximo dos ideais de vida de qualquer pessoa, uma vez que é o foco urbanístico mais próximo do Porto, onde ainda consegues arranjar um ou outro lugar sem sufoco a nível de rendas”, refere.

[o álbum “São Gunão” dos 800 Gondomar está na íntegra no Spotify:]

Esta é uma das várias reflexões do grupo, que se depara com uma série de novos problemas e questões despertadas por uma nova maturidade. Isto levou os 800 Gondomar a explorar temas que ainda não tinham tido oportunidade de transformar em rock’n’roll, como episódios que viveram na escola e o que os conduziu à criação de uma ode a um ex-colega de escola de Rui, Mataram o Fábio. “Existe uma inegável plasticidade em muitos dos temas que nos rodeiam, situações pelas quais fomos passando, outras sobre as quais ainda não nos debruçámos, como é o caso do tecido escolar. Esta canção transporta-nos para esse imaginário nostálgico e selvagem”, descreve o músico: “Acho interessante propor estas viagens e regressar a estes lugares tão específicos e intensos. Toda a gente se lembra do dia onde estava quando certas coisas aconteceram.”

A nova atitude da banda gerou ainda vontade de escrever sobre temas como a saúde mental, a pressão de ter sucesso na vida (como fazem em Não Há Mal: “não há mal não há mal / nenhum / em ser humano / e perder alguns anos), ou a constatação de que nem sempre somos os melhores seres humanos — aliás, na maior parte das vezes acontece o contrário: “Sou um otário sublime / pobre feio e em filmes”, ouve-se em Erva Daninha.

“Gosto de pensar que sempre fomos uma banda com uma componente emocional muito assumida”, confessa Alô. “Mas sinto que agora conseguimos ser mais incisivos na maneira como falamos destes temas. Conseguimos também não ser tão ressabiados perante as injustiças da vida, tanto aquelas que nos provocam como aquelas que criamos perante nós mesmos”.

“Existe uma dificuldade de aceitação do crescimento, mas, ao mesmo tempo, assumimos isto de peito aberto”, reflete Rui. “Temos uma vontade de denunciar os nossos medos e enfrentá-los sem tentar culpabilizar ninguém. Temos orgulho em ser um ‘ser falho’ – como diria A Garota Não – porque só assim é que podemos deixar de o ser.”

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