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"Lobo e Cão": a ilha do tesouro de Cláudia Varejão

Este artigo tem mais de 1 ano

A realizadora portuense trabalhou com atores não profissionais para criar a sua primeira ficção. Uma história de "coming of age", com o amor e a ilha de São Miguel como personagens principais.

Ana (interpretada por Ana Cabral) é o eixo central de um filme que se desenvolve em redor das dores de crescimento, da consciência sexual e da insularidade de um mundo que quer ser maior
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Ana (interpretada por Ana Cabral) é o eixo central de um filme que se desenvolve em redor das dores de crescimento, da consciência sexual e da insularidade de um mundo que quer ser maior

Ana (interpretada por Ana Cabral) é o eixo central de um filme que se desenvolve em redor das dores de crescimento, da consciência sexual e da insularidade de um mundo que quer ser maior

No cinema de Cláudia Varejão o amor persiste como uma constante. Por isso, existe muito quotidiano nas histórias que conta e rituais dentro desse dia-a-dia. Por defeito, a realizadora portuense (nascida em 1980) convida o espectador para um território desconhecido, mas o que acontece transmite um sentimento de familiaridade. O amor está em todo o lado. “Lobo e Cão” – vencedor de Melhor Filme na Giornata degli Autore na 79ª Bienal de Veneza – difere de “Ama-San” (2016) e “Amor Fati” (2019) no ponto de partida: aqui trata-se de ficção. Em tudo o resto, a experiência move-se do mesmo modo.

“Ama-San” e “Amor Fati” apresentam-se como documentários. O primeiro conta a história de uma tradição com mais de dois mil anos, que envolve mulheres dedicadas ao mergulho, que entram no mar apenas com o oxigénio que têm nos pulmões para apanharem ostras. “Amor Fati” filma diferentes grupos de pessoas para mostrar como elas têm (ou constroem) semelhanças físicas com a pessoa amada. A surpresa ao longo do filme passa por perceber que essa mesma pessoa amada não é necessariamente companheira, pode ser uma memória, alguém que se perdeu. E de como, por sobrevivência e persistência da memória, também nos podemos tornar um pouco naqueles que já não existem.

Nos dois filmes anteriores a “Lobo e Cão”, Cláudia Varejão usa o documentário como ponto de partida. O documentário, ou a ferramenta do documentário, serve para desarmar o espectador, para interiorizar a verdade do retrato para que não seja totalmente evidente a forma como aos poucos e poucos é possível ser envolvido por uma ficção. A evidência da virtude da realizadora manifesta-se porque os dois filmes nunca se sentem como híbridos e a ideia de documentário que pode ser ficção paira, mas não se concretiza durante a experiência: é algo que assalta o espectador muito depois.

[o trailer de “Lobo e Cão”:]

Agora, Varejão faz o caminho inverso. E, ao fazê-lo, percebe-se que estamos perante uma linguagem própria, um código que a realizadora tem construído com tempo, paciência e artifício. O ponto de partida é o envolvimento da comunidade local da ilha de São Miguel. Quis fazer um filme que integrasse a ilha, as pessoas, as histórias, as especificidades. Novamente há o amor, aqui o amor adolescente — melhor, aquele que se manifesta de forma descontrolada na passagem para a vida adulta. “Lobo e Cão” é uma obra sobre o coming of age.

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O processo, então, pode ser a parte documental desta ficção. A realizadora trabalhou com atores locais, não profissionais, e uma equipa técnica e artística também açoriana. O processo transforma toda a experiência para o realizador, o mundo de “Lobo e Cão” respira, é vivo e familiar, as dinâmicas da ficção invadem a realidade de uma ilha. No passado, o quotidiano, os rituais diários, caminhavam para a ficção; aqui é a ficção que caminha para eles e, noutro estágio, os desembrulha a reforça a presença de uma realizadora numa ilha.

Ana (Ana Cabral) move-se como uma espécie de guia para todo o processo. O ponto de partida da história é o dia-a-dia de dois adolescentes gay (Ana e Luís, interpretado por Ruben Pimenta) que vivem numa comunidade insular e como se movem entre a vida familiar, a escola e o convívio com outros colegas, as adversidades que existem na comunidade, mas também o que constroem à volta para existirem enquanto adolescentes.

“Lobo e Cão” acontece de uma forma redentora, não só para o espectador, mas também da parte realizadora para com o objeto filmado: a ilha de São Miguel e as suas pessoas

Apesar da especificidade da ilha, “Lobo e Cão” atira-se de uma forma bela às dores de crescimento. Não é a identidade sexual que está no centro, mas o facto daquelas duas personagens, os dois adolescentes – e o seus amigos – estarem a deixar de ser adolescentes, movem-se para a idade adulta. Todo o filme é um movimento nesse sentido e, mais uma vez, Cláudia Varejão faz tudo acontecer com uma profunda humanidade e bondade.

Sim, está lá a comunidade da ilha de São Miguel. Sem ela este filme não poderia existir. E, sim, “Lobo e Cão” é sobre ela, sobre as especificidades de uma ilha, da população e de como essa combinação misturada com a necessidade de sobrevivência (o turismo, por exemplo) constrói uma história muito própria e particular. Tal como nas obras declaradas como documentário, Varejão, na primeira ficção, faz com que o filme pareça acontecer sem plano, o que só pode ser visto como virtude.

Um filme com esta estrutura, feito por Cláudia Varejão, teria de ter o amor como personagem. E, mais uma vez, a realizadora filma essa coisa difícil como uma possibilidade do dia-a-dia. Está em todo o lado nos seus filmes – por vezes também há paixão – e em “Lobo e Cão” acontece de uma forma redentora, não só para o espectador, mas também da parte realizadora para com o objeto filmado: a ilha de São Miguel e as suas pessoas. “Lobo e Cão” é uma carta de amor a uma ilha. Não àquela abstração de “um ilha”, enquanto pedaço de terra, mas a tudo o que nela se encontra.

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