As ondas de calor fizeram aumentar as admissões hospitalares diárias em 18,9%, entre 2000 e 2018, sobretudo por queimaduras (34%) e traumatismos múltiplos (27%), revela um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).

O estudo pioneiro aponta para “um aumento geral estatisticamente significativo nos internamentos hospitalares diários durante os dias de onda de calor”, sendo as crianças e os jovens até aos 18 anos os mais afetados (21,7%) e os idosos (17,2%).

Segundo os investigadores da ENSP da Universidade NOVA de Lisboa e do Centro CoLAB + Atlantic, as ondas de calor provocaram um aumento dos internamentos, entre 7% e 34,3%, em 25 grandes causas de doença.

Em média, em dias de onda de calor, os internamentos aumentaram 34% para queimaduras, 27% para os traumatismos múltiplos, 25% para as doenças infecciosas, 25% para as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, 23% para as doenças mentais, 22% para as doenças do aparelho respiratório e em 16% para as doenças do aparelho circulatório, entre outras”, sublinha o estudo publicado na revista científica Lancet Planetary Health.

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“O estudo é muito abrangente no sentido em que cruza mais de 12 milhões de hospitalizações que decorreram em Portugal continental ao longo de praticamente duas décadas (2000 a 2018)”, disse esta quarta-feira à agência Lusa a primeira autora da investigação, Ana Margarida Alho, investigadora da ENSP.

Os dados de hospitalizações são cruzados com os dados de temperatura diária do ar para os 278 concelhos de Portugal continental, explicou a investigadora.

Os resultados concluem que “mais de 70% do território tem um incremento nas hospitalizações durante ondas de calor”, sendo que os aumentos mais substanciais verificaram-se nas regiões do Norte, incluindo as áreas metropolitanas do Porto, e de Lisboa, com o grupo mais jovem (menos 18 anos) particularmente afetado nas regiões do interior e sul.

Este aumento tão pronunciado das admissões hospitalares pode comprometer a qualidade dos cuidados de saúde prestados aos doentes, sobrecarregando ainda mais os profissionais de saúde, em particular nesta altura do verão, em que as escalas das equipas já estão reduzidas face ao período de férias.

Um dos “grandes desafios” que motivou a realização do estudo foi quantificar a morbilidade (doença) associada ao fenómeno, uma vez que já há muitos dados sobre a mortalidade, disse, defendendo que “a morbilidade é uma fase prematura da mortalidade na qual se deve atuar precocemente”. O conceito de morbilidade corresponde à relação entre o número de casos de uma doença e o total de indivíduos de uma determinada população, num dado momento ou ao longo de determinado período.

Ana Margarida Alho avançou que este estudo vai ter continuidade com o objetivo de especificar, dentro de cada grupo de doença, os motivos que levam o doente ao internamento, dando como exemplo a doença mental e os traumatismos.

“Está documentado que as pessoas durante as ondas de calor tendem a dormir com pior qualidade e isso muitas vezes chega a descompensar uma doença que já possa existir e, por vezes, também existem efeitos da medicação que podem alterar a homeostasia do corpo e isto precisa de ser obviamente especificado”, explicou.

Quantos ao traumatismos múltiplos, disse que as pessoas tendem a consumir mais álcool em dias de calor e tendem muitas vezes a ter comportamentos mais desinibidos, mais impulsivos, ou realizarem desportos mais radicais, conduzir em estradas que não conhecem tão bem, e tudo isso pode desencadear esta subida de internamentos.

A investigadora observou que, até recentemente, a ocorrência de ondas de calor era considerada um fenómeno incomum, mas “os eventos climáticos extremos, como as ondas de calor estão a tornar-se características comuns do verão em todo o mundo, tornando as medidas de adaptação ao calor uma prioridade”.

“2023 foi o ano mais quente alguma vez registado e os eventos meteorológicos extremos, entre os quais as ondas de calor, representam uma das maiores preocupações atuais”, prevendo-se que no final do século múltiplas zonas do sul da Europa excedam mais de 60 dias.

Para Ana Margarida Alho, é importante promover o acesso precoce aos cuidados de saúde, considerando crucial aumentar a consciencialização pública sobre os riscos e comportamentos a adotar em ondas de calor, contribuindo assim para prevenir a doença relacionada com o calor e a mortalidade subsequente.

Os investigadores consideram que estes resultados devem ser utilizados de modo a promover a adaptação dos cuidados de saúde em Portugal para um fenómeno cada vez mais frequente, intenso e duradouro.