Publicação só em língua inglesa, sem o conveniente bilinguismo, cada vez mais habitual em edições congéneres, e que própria editora Monade também pratica, este livro em grande formato — justificado como primeira obra de referência sobre o trabalho do arquiteto paisagista e professor João Gomes da Silva (Lisboa, 1962-) —, pode dizer-se sem hesitar, visa apoiar a internacionalização profissional e académica do seu autor, várias vezes premiado, e que tem notória e muito relevante colaboração com Álvaro Siza Vieira, João Luís Carrilho da Graça, Manuel Salgado e Paulo David, entre outros, e já lecionou em universidades inglesas e suíças. Em março passado, numa iniciativa da editora portuense Monade e da revista italiana Casabella, o livro foi levado ao Theatro Milano, a pretexto duma conferência do autor, ali apresentado por Federico Tranfa, como parte dum ciclo de lectures de algum efeito e prestígio.

O extenso ensaio fotográfico de João Carmo Simões, arquiteto e um dos dois editores da Monade, com Daniela Sá, serve de roteiro geral que antecede os desenhos técnicos da envolvente do bairro da Malagueira, em Évora (1987-91) e do Convento de Jesus, em Setúbal (1996-99), do Jardim do Palácio de Belém (1998-2002), do Parque do Museu de Serralves (1996-98), das Piscinas das Salinas, em Câmara de Lobos (2003-6), do pavilhão vulcânico e dos jardins aquáticos em São Vicente (2003-4) e da promenade da Praia Formosa, na Madeira (2004-6), do jardim da Casa do Pego, em Sintra (2004), da Herdade do Esporão, em Monsaraz (2010-15), da Quinta da Alorna, em Almeirim (2010-16), da frente ribeirinha (2009-15) e do Terminal de Cruzeiros de Lisboa (2010-15) — e da lista completa dos trabalhos do atelier partilhado com Inês Norton, em que, desde então, há sobretudo pequenas e quase médias encomendas municipais e privadas.


Título: “The Order of Landscape”
Autores: João Gomes da Silva, Cláudia Taborda
Fotografia: João Carmo Simões

Edição: Daniela Sá e João Carmo Simões
Editora: Monade
Páginas: 316

Falta-lhes certamente o impacto projetual das obras aqui representadas em fotografias e plantas, mas incluem — entre muitas outras, de expressivo significado — um jardim de homenagem a Gonçalo Ribeiro Telles em Coruche (2022), a reabilitação da Quinta de Nossa Senhora da Piedade, em Vila Franca de Xira, e a extensão do Museu de Serralves, no Porto (2021), a do ISCTE (2019) e também o pátio do novo e dinâmico Centro Brotéria, em Lisboa, 2022. A intervenção no paço henriquino no Convento de Cristo, em Tomar, projetada em 2023, aguardará ainda certamente o seu desfecho e conclusão.

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João Gomes da Silva é não apenas um arquiteto paisagista com obra relevante, é também um professor universitário (começou como assistente de Gonçalo Ribeiro Telles na Universidade de Évora) e um ágil pensador acerca do seu ofício. Sobre a contínua renovação das teorias sobre arquitetura paisagística, já em modo mais contemporâneo do que moderno, como ele próprio reclama, João Gomes da Silva, prudente, reconheceu algures que “temos vindo a ser menos solicitados para a reflexão sobre a realidade e mais para a produção em massa”. Ainda assim, o livro reúne dois ensaios tematicamente conjugados — Landscape: order, transformation, architecture (pp. 250-55, 272-73) e Site and place: nature and the tectonics of landscape (pp. 256-70, 274-75) —, embora não nos seja dado saber se são inéditos, ou em que data e contexto foram escritos, ou mesmo que outra bibliografia do autor (em língua portuguesa, ou talvez não só nela) merece ser referida nesta publicação e, desse modo, poder ganhar a nossa melhor atenção num momento posterior. Conheço entrevistas disponíveis em-linha e o quase autobiográfico A Paisagem: ideia ou experiência?, publicado no Jornal de Arquitetura em maio de 2002, mas haverá certamente alguns outros e mais perto de nós, sejam reflexões sobre obras suas ou em que colaborou (por exemplo, o Terminal dos Cruzeiros em Lisboa, as Termas Romanas de São Pedro do Sul, com livros publicados em 2017 e 2021 pela chancela NMB), etc. Contudo, as longas legendas explicativas dos mais importantes projetos da carreira do arquiteto (v. pp. 276-99) cumprem perfeitamente essa função elucidativa, deixando aos ensaios a formulação teórica, abstratizante.

Paisagem é palimpsesto e palíndrome, continuum natural e continuum cultural, enquanto expressão de comunidades locais: fenómeno espacial e forma arquitetural que criam lugares que alcançaram valor simbólico para nós e sobre os quais todos temos as perceções subjetivas, memórias individuais e coletivas que dão o tal genni loci. Mas também lemos — mesmo que, diria, sem instantânea consciência disso — um sítio ou lugar como facto temporal e formação cultural, recorrendo em diferentes graus e momentos a topografia, geologia, botânica, hidrologia, ecologia, geografia, história, antropologia e economia, identificando “um complexo sistema de signos e significados que constituem a legível presença do tempo no espaço” (e traduzo; p. 262), a memória — “condição vital da humanidade” (p. 268) — tornando-se parte da experiência arquitetural e da relação referencial com os espaços em que nos movemos. “Não vivemos fora de paisagem”, e “a paisagem é o lugar da nossa identidade”, escreve por fim João Gomes da Silva, às pp. 269-70.

Com este livro, fica-se mais convicto de que é desta qualificação — diria mesmo, da urgente qualificação — da nossa paisagem, da nossa arquitetura e do nosso território,  que deveríamos estar a falar. Mas isso seria já outra conversa…