O presidente da Assembleia da República tinha manifestado a intenção de ouvir ex-presidentes do Tribunal Constitucional sobre os limites à liberdade de expressão dos deputados no hemiciclo, mas só avançaria com o modelo se obtivesse consenso entre os partidos. No rescaldo das declarações de André Ventura sobre os cidadãos turcos, a proposta acabou por não seguir em frente devido às posições de PS (que discorda, mas não exclui), PCP, BE e Livre. José Pedro Aguiar-Branco, sabe o Observador, continua a considerar importante ter suporte jurídico, admitindo apresentar outro modelo.

A bancada parlamentar do PS enviaria mesmo mais tarde uma nota às redações a explicar a sua resposta à proposta de Aguiar-Branco para ouvir os antigos presidentes do Tribunal Constitucional sobre a liberdade de expressão e os seus limites, explicando que não concorda com a proposta, mas também “não a exclui”.

“O Grupo Parlamentar do PS considera que esta é uma matéria eminentemente de autorregulação do funcionamento da AR que lhe deveria caber resolver sozinha, no quadro dos poderes e das regras consagradas no Regimento da AR”, argumentou partido.

Ainda assim, o PS “não recusa a proposta, remetendo a possibilidade ou conveniência de ouvir entidades externas à AR para discussão própria em conferência de líderes”, prossegue a nota. Ou seja: a sua posição “obsta à audição de imediato dos antigos Presidentes do Tribunal Constitucional, mas não o exclui”.

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Durante a tarde, num e-mail ao qual o Observador teve acesso, Aguiar-Branco informou que na próxima reunião da conferência de líderes, nesta quarta-feira, iria “abordar o assunto do âmbito e dos limites da liberdade de expressão dos deputados e a sua eventual compatibilização com a fixação de linhas vermelhas”.

E, por considerar que o tema tinha “especial importância” e “implicações no sistema político”, o PAR argumentava que se justifica uma “análise detalhada do ponto de vista jurídico-constitucional”.

Por isso, Aguiar-Branco queria contar com a “leitura” dos antigos presidentes do TC, “especialmente num contexto em que os Senhores Deputados beneficiam de um reforço de liberdade de expressão quando se encontrem no exercício de funções, através do instituto das imunidades parlamentares”.

O Presidente da Assembleia da República pretendia assim convidar José Manuel Cardoso da Costa, Rui Moura Ramos, Joaquim Sousa Ribeiro, Manuel da Costa Andrade e João Caupers, para a reunião, “sendo que a presença destes ilustres convidados seria circunscrita à discussão deste ponto e a título meramente introdutório”, dizia o e-mail enviado aos partidos. O que não se vai concretizar.

“Bancada pode dizer que etnia é mais preguiçosa ou burra?”. Aguiar Branco responde: “Pode”, “não serei censor”

A discussão começou na sexta-feira passada, em plenário, quando André Ventura lançou, a propósito da construção do aeroporto de Istambul (que ficou concluída em cinco anos), a seguinte tirada: “Os turcos não são conhecidos por serem os mais trabalhadores do mundo”. No seguimento disto houve protestos noutras bancadas, incluindo a do PS, com a líder parlamentar socialista, Alexandra Leitão, a perguntar diretamente a Aguiar-Branco: “Se determinada bancada disser que determina raça ou etnia é mais preguiçosa ou burra ou menos digna também pode? É uma pergunta”.

“No meu entender pode. A liberdade expressão está constitucionalmente consagrada, não é uma liberdade sob ponderação do juízo de uma qualquer pessoa faça em relação àquilo que no discurso político é dito. Não haverá condicionamento na liberdade expressão. A avaliação do discurso político que seja feito nessa casa será feito pelo povo em eleições se se revê nas suas posições”, argumentou a segunda figura do Estado português, numa resposta que irritou as bancadas da esquerda.