A passagem de um meteoroide nos céus de Portugal no sábado mobilizou as redes sociais e encheu os noticiários. Mas, e se fosse um corpo celeste gigante? Em 2004, quando vários cientistas da NASA tomaram conhecimento de um asteroide em forma de amendoim, com um diâmetro de 340 metros, previram uma colisão com a Terra e anteciparam um cataclismo. E, em coerência, decidiram baptizá-lo de Apófis, o “Senhor do Caos” da mitologia egípcia.

Afinal, o encontro entre este corpo celeste e a Terra está a menos de cinco anos e promete ser muito mais útil do que perigoso. Por questões protocolares, a NASA não pode descartar por completo a colisão com a Terra, mas tudo indica que o asteroide fará uma tangente à Terra. Vai passar suficientemente perto para a NASA estudar melhor as suas propriedades e elaborar estratégias de defesa espacial mais eficazes para ameaças futuras.

O que é e o que aconteceu à bola de fogo que cruzou o céu de Portugal. Nove respostas

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Antes de ser o nome deste célebre meteorito, Apófis era uma cobra da mitologia egípcia. Esta serpente era a maior inimiga do deus do sol, Rá, que todos os dias viajava pelo céu, num barco, onde levava os outros deuses, desde o nascer do sol até ao pôr do sol. Quando chegava o crepúsculo, Apófis, cujo cumprimento era quase infinito, aproveitava a escuridão para atacar o barco divino. Os rituais sacerdotais do antigo Egipto honravam Rá e destruíam a serpente, vista como uma entidade malvada, profeta do caos e da destruição, associada a terramotos e tsunamis.

O nome justifica-se: quando os cientistas o descobriram há vinte anos e anteciparam uma colisão fatal com o planeta Terra em 2029, semelhante à explosão de 20 mil bombas atómicas, causando uma destruição absoluta num raio de 200 quilómetros. O ano não mudou, mas a previsão sim, eliminando qualquer risco de perigo e de colisão com a Terra – pelo menos até daqui a meio século. Será dia 13 de abril de 2029 – já daqui a menos de cinco anos – que o asteroide vai passar a 32 mil quilómetros da Terra, menos de um décimo da distância da lua e tão ou mais perto que vários satélites artificiais.

Será visível a olho nu, durante algumas horas, desde Europa e África, aparecendo como um ponto de luz solar no céu noturno. Por enquanto, a NASA antecipou que, no momento de maior proximidade, o asteroide atravessará o oceano Atlântico, perto das 23h portuguesas. No entanto, Michael Nolan, investigador na Universidade do Arizona, já avisou a agência Reuters que “não vai ser um espetáculo glorioso.” E, ainda assim, apesar de se estimar que a passagem de um asteroide de dimensões colossais, como o Apófis, tão perto da Terra, aconteça a cada 7500 anos, este é o primeiro encontro deste tipo previsto com antecedência.

Em 2020, a sonda espacial OSIRIS-Rex aterrou de paraquedas no Utah, nos Estados Unidos, trazendo para a terra uma amostra de outro asteroide. A NASA não reformou a sonda, rebatizou-a como OSIRIS-APEX, uma abreviatura para Apophis Explorer e colocou-a, em 2023, em direção ao seu próximo alvo: o asteroide Apófis, estando a expedição detalhada no Planetary Science Journal.

Num primeiro momento, a sonda vai observar a passagem e a aproximação do asteroide. Depois, alcançará o Apófis. Estes dados, junto com telescópios terrestres, vão ser usados para detetar e analisar de que forma o Apófis foi alterado pela sua passagem tão próxima à Terra. Porém, a OSIRIS-APEX só regressará à Terra dezoito meses mais tarde, durante os quais vai orbitar e até pairar sobre a superfície do asteroide, como refere a Reuters.

A cientista da NASA Marina Brozović, em comunicado, descreveu a aproximação do Apófis à Terra como “uma oportunidade incrível para a ciência” e disse ainda que “com as observações de radar, talvez se consiga ver pormenores da superfície que tenham poucos metros de tamanho.”

Para Paul Chodas, diretor do CNEOS – Centro de Estudos de Objectos Próximos da Terra da NASA, que identificou o asteroide como um dos 2000 objetos potencialmente perigosos para a Terra – a observação de 2029 permitirá “ganhar conhecimento científico fulcral” para lidar com futuras ameaças. Quanto mais minuciosa for a análise do asteroide e quanto mais os cientistas descobrirem sobre as suas propriedades, maiores são as hipóteses de criarem estratégias eficazes de desvio de corpos semelhantes e assim diminuir as ameaças de impacto.

O 99942 ​Apophis é um asteroide pedregoso, oblongo, com um diâmetro que tem apenas menos cem metros da altura do Empire State Building, em Nova Iorque, que tem 443 metros. Os cientistas acreditam que está composto sobretudo por silicato, ferro e níquel.  O mais provável é que a força da gravidade cause perturbações consideráveis tanto na superfície como no movimento do asteroide, alterando a sua trajetória orbital e rotação. É ainda possível que a força da maré provoque deslizes das matérias no Apófis e que, subsequentemente, o asteroide deixe um rasto semelhante a um cometa.

Como outros asteroides, o Apófis é um tesouro do sistema solar primitivo: tanto a mineralogia como a química do asteroide são as mesmas há quase 4500 milhões de anos. Por comparação ao asteroide que a sonda DART da NASA desviou em 2022, num teste de defesa planetária, o Apófis é enorme. Contudo, quando comparado com o asteroide que se julga que terá atingido a Terra há 66 milhões de anos, e que algumas teorias ligam à extinção os dinossauros, é pequeno.

Nolan disse à Reuters que o asteroide não é grande o suficiente para ter consequências semelhantes, não sendo uma ameaça para a vida na Terra. Afirmando que não teria um impacto global, relembrou que, caso a colisão acontecesse, podia facilmente desencadear um tsunami ou destruir uma grande região ou cidade. “Vem a muitos quilómetros por segundo. A esta velocidade, a sua composição é indiferente, é só uma coisa enorme e pesada que se move rapidamente.”