Desde 127 Horas, de Danny Boyle (2010) onde a personagem de James Franco corta, a sangue-frio, um braço esmagado por um pedregulho, para não morrer de fome e sede num canyon do deserto do Utah, que não víamos uma cena de auto-mutilação tão arrepiante como a de Furiosa: Uma Saga Mad Max, de George Miller, em que a jovem Furiosa de Anya Taylor-Joy prefere prescindir, também a frio, do seu braço esquerdo, a enfrentar um destino pior do que a morte às mãos do Dr. Dementus (Chris Hemsworth). Um dos senhores da guerra da Austrália pós-apocalipse, que anos antes a raptou, a torturou e matou a sua mãe, e em cujas mãos ia cair de novo.

[Veja o “trailer” de ‘Furiosa: Uma Saga Mad Max’:]

Braços mutilados à parte, o título do quinto filme da série Mad Max, iniciada em 1979 com Mad Max: As Motos da Morte, é enganador. O solitário guerreiro da estrada não é tido nem achado para esta nova história, embora apareça a certa altura, muito brevemente, ao longe, junto ao seu carro, personificado pelo duplo de Tom Hardy no filme anterior, Mad Max: Estrada da Fúria (2015). Se neste quarto filme, em que Tom Hardy substituiu (sem o fazer esquecer) Mel Gibson no papel de Max, as atenções já se viravam para a Furiosa de Charlize Theron, em Furiosa: Uma Saga Mad Max, ele sai de cena, para dar lugar à origin story desta personagem, a nova heroína da saga.

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[Veja uma entrevista com George Miller:]

O facto de George Miller e do seu co-argumentista Nick Lathouris estarem já a recorrer ao mesmo expediente de outras séries de filmes, contando aqui a história da juventude de Furiosa, e de como foi parar à Cidadela de Immortan Joe, fazendo dela mais uma (previsivel) história de vingança, é um sinal claro de que estão a ficar sem combustível criativo. Isto apesar do desolado e selvático mundo pós-apocalíptico em que a narrativa decorre e no qual tudo gira em redor de combustível, água, comida e munições, exercer ainda todo o seu fascínio brutal, e do quase octogenário Miller continuar a filmar sequências de ação como se tivesse 30 diabos no encalce. Em Furiosa: Uma Saga Mad Max, a história deixou de ser importante. O filme vive já essencialmente pelo cenário futurista devastado e grotesco, pela vertigem e pela ultra-violência omnipresente.

[Veja uma entrevista com Chris Hemsworth e Anya Taylor-Joy:]

A fita anterior tinha personagens sólidas na Furiosa de Charlize Theron e mesmo no Max menor de Tom Hardy, por um lado, e no magnificamente intimidante e tirânico Immortan Joe de Hugh Keays-Byrne (entretanto falecido e aqui substituído por Lachy Hulme), pelo outro, sem esquecer o Nux de Nicholas Hoult como comparsa carismático. Nesta, Immortan Joe aparece muito menos, o Dr. Dementus de Chris Hemsworth é demasiado auto-caricatural e nunca suficientemente ameaçador, o Praetorian Jack de Tom Burke um pálido (além de breve) sucedâneo de Max, e a jovem e lacónica Furiosa de Anya Taylor-Joy mostra-se monótona na sua irredutibilidade vingativa, além de pouco convincente como heroína de ação.

[Veja uma sequência do filme:]

Há lapsos de continuidade e plausibilidade no enredo e, ao contrário do que acontecia em qualquer dos quatro filmes anteriores, as duas horas e meia de duração fazem-se sentir. O que nunca cansa são os combates a toda a velocidade entre veículos monstruosamente mutantes, motos descontroladas, asas delta com metralhadoras e parascendentes que lançam bombas incendiárias, dando todo um novo significado à expressão road rage (o trabalho da legião de “duplos” continua assombroso).

George Miller tem uma sexta fita prevista, Mad Max: The Wasteland, que poderá ou não assinar, na qual não está prevista a participação da personagem de Furiosa, e que deverá ser de novo sobre Max Rockatansky, interpretado uma segunda vez por Tom Hardy. Apesar do realizador ter referido que Mel Gibson poderia eventualmente voltar a personificar o primeiro e verdadeiro herói desta franquia de filmes. Pelo que vimos em Furiosa: Uma Saga Mad Max, o regresso de Gibson seria fundamental para meter mais octanas na saga e impedir o motor de gripar.