O PCP questionou o Governo sobre estudantes bolseiros da Universidade de Lisboa (UL) a trabalharem na Fundação Champalimaud a “falsos recibos verdes”, inquirindo sobre diligências que pretende tomar para assegurar a estas pessoas um contrato efetivo de trabalho.

Na pergunta dirigida aos ministros da Educação e do Trabalho, e datada de quarta-feira, o grupo parlamentar do PCP menciona que a Fundação Champalimaud recorre a “trabalho efetivo encapotado pelo regime de prestação de serviços, utilizando para isso estudantes que se encontram numa situação de vulnerabilidade económica”.

“A Fundação está a recorrer à contratação através de vínculos precários, de forma reiterada. São os contratos a termo, mesmo a tempo parcial, que desrespeitam a lei, e usam abusivamente os recibos verdes”, assinala a bancada comunista.

O PCP acrescenta que os estudantes bolseiros da UL estão a trabalhar a recibos verdes na Champalimaud por força de um protocolo entre a Fundação e os Serviços de Ação Social Escolar da UL.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Citando uma denúncia, o PCP refere que “o trabalho prestado pelos estudantes tem todas as características de trabalho dependente, nomeadamente por ter local de trabalho e vencimento fixo e utilização de material de trabalho que é propriedade da entidade empregadora”.

Em maio, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) arquivou uma queixa por considerar que os estudantes visados estão ao abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica, tendo a ACT alegado não ter competência para a averiguação do caso, adiantam os comunistas.

Em resposta, Miguel Lourenço, 24 anos, que apresentou a queixa à ACT em janeiro e foi dispensado do trabalho pela Champalimaud em abril, requereu a reversão do arquivamento do processo e a instauração de uma “ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho”, invocando estar em causa “uma relação de trabalho dependente mascarada de falsos recibos verdes, com condições de trabalho de exposição prolongada a gases tóxicos, e uma grave situação de evasão fiscal e contributiva”.

O jovem argumenta que ao caso “não se aplica” o Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica, uma vez que o trabalho contratualizado com a Fundação Champalimaud não era científico.

Segundo o contrato que assinou, resumia-se ao “acolhimento e orientação dos doentes e visitantes a partir da garagem” do Centro Clínico, em Lisboa, “inclusive com recurso a veículos auxiliares para deslocação exclusiva nas instalações e/ou eventual disponibilização de ajudas técnicas aos doentes que delas necessitem”.

Contudo, mais recentemente, como descreveu Miguel Lourenço à Lusa, o trabalho já incluía a correção de fichas de doentes, telefonemas para doentes por causa de consultas e apoio à instalação de uma aplicação móvel.

O vencimento era fixo, de sete euros por cada hora trabalhada, acrescenta o estudante na resposta em maio à ACT, sublinhando que as bolsas de estudo, de que é um dos beneficiários, “são atribuídas pela Direção-Geral do Ensino Superior” para alunos carenciados para pagamento de propinas e outras despesas.

Apesar de ter assinado o contrato com a Fundação Champalimaud em março de 2023, Miguel Lourenço só expôs a situação à ACT em janeiro último, alegando à Lusa que apenas nessa altura se apercebeu de que “era um falso recibo verde” na sequência de notícias sobre uma ação da ACT para regularização de trabalhadores independentes.

Na queixa que fez em janeiro à ACT, Miguel Lourenço denuncia “falsos recibos verdes” de 45 estudantes.

Confrontada pela Lusa com o assunto, a Fundação Champalimaud refutou qualquer irregularidade, invocando que “são os estudantes que gerem as suas presenças informando o número de horas e datas em que têm interesse em realizar algumas horas – e assim auferir algum tipo de rendimento”.

“Os estudantes são selecionados pelos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa, que criou um procedimento/lista de interessados e que os envia ao Centro Champalimaud sempre que existir vaga, o que regularmente acontece porque o interesse e/ou a disponibilidade dos estudantes não é contínua”, argumentou a Fundação, destacando o “caráter social” do trabalho, ao prestar de forma remunerada “apoio aos mais necessitados, neste caso estudantes”.

A UL não respondeu a um pedido de esclarecimento da Lusa sobre a matéria.