Um vídeo originário da Síria com uma estátua da Virgem Maria, datado de 2013 e divulgado na campanha eleitoral das europeias nas redes sociais do Chega, foi considerado como desinformação pelos especialistas.

O vídeo foi denunciado à Comissão Nacional de Eleições (CNE), através do número de WhatsApp criado para esse efeito pela comissão, que tem uma parceria para a deteção de notícias falsas com o MediaLab, centro de estudo de ciências da comunicação integrado no (ISCTE-IUL).

Os especialistas consideram que o vídeo é desinformativo porque foi usado de forma descontextualizada, o que o integra nessa categoria, de acordo com a classificação dos diversos tipos de desinformação adotada pelo MediaLab. O departamento de verificação (fact-check) da AFP já considerou que é falso, a propósito da sua divulgação recente em diversos países relativamente à guerra de Israel contra o Hamas.

O vídeo, que aparenta ser real e no qual dois homens partem uma estátua da Virgem Maria, já correu mundo e foi publicado originalmente a 23 de Outubro de 2013 no site norte-americano The Middle East Media Research Institute. Segundo as informações disponíveis, retrata um clérigo islâmico (Omar Raghba), anunciando o fim da idolatração de símbolos após a conquista islâmica de territórios cristãos na Síria em 2013.

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O relatório do MediaLab a que a Lusa teve acesso refere que, depois desta data, o vídeo já foi utilizado em variados contextos, “sempre por agentes políticos ou partidos com ligações à extrema-direita e aos movimentos anti-muçulmanos”.

A sua disseminação mais famosa e com mais alcance foi a realizada pelo então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em novembro de 2017, após o que “entrou no circuito de partilha de movimentos de extrema-direita anti-imigração e pode ser encontrado em dezenas de publicações realizadas nas redes sociais, a maioria descontextualizadas”, referem os autores do relatório, Gustavo Cardoso e José Moreno.

Em Portugal, o vídeo foi colocado nas redes sociais (Facebook, Instagram, Tik tok, Youtube, X) do Chega e de André Ventura a 20 de maio, tendo tido, entre essa data e 26 de maio, um total de 40.912 interações (gostos, partilhas e comentários) e 52.535 visualizações, excluindo o Instagram.

Na mensagem que acompanha o vídeo lê-se “eles [os muçulmanos] não respeitam a religião dos noutros”, assim alertando para uma suposta ameaça da islamização, relacionado com o tema da imigração, o qual, de acordo com os investigadores, continua a marcar a campanha para as eleições.

Relacionado com este tema, o Chega divulgou também nas suas redes sociais uma outra mensagem eleitoral, uma imagem comparando uma mulher com burca e outra sem burca, questionando “Que Europa queres?”.

O plano que podia ser de “aproximação” acabou como “frouxo”. Ventura agradece que AD tenha puxado tema da imigração

Estas publicações, que também foram denunciadas à CNE por um utilizador, geraram um total de 25.120 interações no Instagram, Facebook X. Só no X, as duas publicações terão gerado 141.632 visualizações, refere o relatório.

Os especialistas anotam que esta comunicação é semelhante à do partido Vox (Espanha) nas suas redes, publicada no mesmo dia, 3 de junho. Desta forma, referem Gustavo Cardoso e José Moreno, “temos uma publicação praticamente em simultâneo nos dois países da Península Ibérica, provenientes de partidos da mesma família política, com a mesma mensagem e uma imagem muito semelhante”.

Ao referir uma “onda de islamização crescente que ameaça a Europa” e estendendo essa ameaça a Portugal, “a publicação do Chega ignora o facto de a religião muçulmana ser claramente minoritária, tanto na Europa como em Portugal”, alerta o relatório.

No país — diz-se no texto — “a religião muçulmana não representa mais do que 0,4% da população e na Europa não ultrapassa os dois por cento” este “contexto é ignorado pela publicação, o que faz dela um conteúdo descontextualizado”.

Em suma, alertam os investigadores, embora a mensagem veiculada seja política, nem o texto nem a imagem contém uma mensagem de ódio, nem incitamento à violência, correspondendo a um “discurso político legítimo”, embora “nos limites de uma zona narrativa cinzenta”, que permite interpretações pessoais diferentes.

Assim, “do ponto de vista da comunicação política, o texto e a imagem procuram precisamente essa ambiguidade como estratégia comunicativa do partido”, concluem.