A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna — que representa a maior especialidade hospitalar e a base da força de trabalho médico nas urgências — deixa duras críticas às medidas para a área das urgências incluídas no Plano de Emergência para a Saúde apresentado pelo Governo no final de maio. Os médicos internistas apontam “erros e equívocos” ao documento, sugerem que não existem médicos suficientes para os chamados Centros de Atendimento Clínico (que têm como objetivo desviar utentes das urgências) e acusam o Ministério da Saúde de “chantagem” com a criação da especialidade de Medicina de Urgência — uma medida que consideram que não beneficia os utentes.
A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna acusa o Ministério da Saúde, liderado por Ana Paula Martins, de ter dado à Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) apenas cinco minutos para expôr os seus pontos de vista sobre o Plano de Emergência e de ter conduzido o processo de elaboração do documento com “precipitação e incongruência”.
Em comunicado enviado ao Observador, a SPMI assume que converge com o diagnóstico feito pelo grupo de peritos que elaborou o Plano de Emergência: o principal problema é o recurso indevido de situações agudas não graves aos serviços de urgência, bem como a incapacidade de drenagem dos doentes com indicação de internamento por falta de vaga nos serviços.
Internistas não acreditam no desvio de doentes das urgências para os centros de saúde
No entanto, os internistas estão contra as soluções anunciadas pelo governo, nomeadamente a aposta no encaminhamento de doentes não urgentes para os centros de saúde, com consulta marcada no dia seguinte, uma estratégia que, lembram, não resultou. “Esquecem-se de que todas as tentativas de reencaminhar estes doentes para consultas nos Cuidados de Saúde Primários falharam redondamente, não por falta de vagas nos CSP, mas por recusa desses mesmos doentes”, dizem os internistas.
A SPMI demonstra também ceticismo quanto à constituição dos Centros de Atendimento Clínico, estruturas que vão ser criadas em Lisboa e no Porto para receber doentes não urgentes que se desloquem aos hospitais. “Falta explicar como vão ter médicos” para estas respostas, salienta a Sociedade de Medicina Interna.
Outra crítica diz respeito à opção do Governo de reforçar a hospitalização domiciliária, como estratégia para retirar doentes com alta clínica dos hospitais. “Chegam a sugerir que uma das opções para retirar doentes com alta clínica/casos sociais é através da otimização da hospitalização domiciliária quando o problema é exatamente a recusa do doente e da família em o levar para casa e não a possibilidade de as equipas de Medicina Interna ou Medicina Geral e Familiar o tratarem em casa, pois esses doentes não precisam de cuidados médicos, precisam de apoio social ou de enfermagem”, defende a sociedade que representa os médicos internistas.
Criação da especialidade de Medicina de Urgência não é do interesse dos doentes, dizem os médicos
Mas a crítica mais contundente é dirigida à intenção do Governo de criar a especialidade de Medicina de Urgência e Emergência. “Aqui o interesse é única e exclusivamente destes médicos e do gestor, não do doente“, realça o presidente da SPMI, Luís Duarte Costa.
“Nunca haverá alguém que esteja bem preparado para identificar e resolver síndromes gripais, lombalgias e gastroenterites, tratar um edema agudo do pulmão, cetoacidose diabética, sépsis e choque, fazer um cateterismo coronário, fibrinólise num AVC, operar uma apendicite, colecistite ou ainda operar um fémur partido”, diz o médico internista, que dirige o serviço de urgência geral do Hospital da Luz.
A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, que nos últimos anos se tem mostrado contra a criação da especialidade, rejeita a opção do Governo de avançar com esta medida mesmo sem a concordância da Ordem dos Médicos — entidade que, há dois anos, chumbou a criação da especialidade por larga margem.
“Estamos disponíveis para trabalhar com a Ministra da Saúde, mas sem a chantagem de criar uma especialidade de urgência na Assembleia da República se ela for, novamente, chumbada no órgão próprio da Ordem dos Médicos, a Assembleia de Representantes”, refere Luís Duarte Costa.
Para os internistas, o SNS precisa de resolver, de forma urgente, quatro problemas centrais: a baixa eficiência dos serviços hospitalares (através da alteração do modelo de organização para um trabalho eficiente e com avaliação de resultados na melhoria da saúde dos doentes); a falta de especialistas de Medicina Interna e baixa atratividade na escolha dos novos médicos para esta especialidade (com 250 vagas não preenchidas nos últimos dois anos); os casos sociais e internamentos indevidos (que impedem o funcionamento dos serviços hospitalares); e o excesso de afluência aos serviços de urgência de situações não urgentes (que coloca em risco a avaliação de doentes graves e emergentes e resulta em incapacidade de escoar os doentes com decisão clínica efetivada por falta de vagas no internamento hospitalar).