O 25 de Novembro há muito que divide direita e esquerda e o debate na Assembleia da República centrou-se entre a tese de “revisionismo histórico” e a necessidade de corrigir um “erro histórico“. Desta vez, mesmo à direita, só houve meio consenso: está aprovada a sessão solene do 25 de Novembro, mas não a data como feriado nacional. O PSD avisou que não precisava de embarcar em radicalismos para valorizar o dia e justificou que não seria preciso um feriado para dignificar a data. No final, só CDS e IL levaram a melhor.

A proposta para que passasse a haver uma sessão solene anual evocativa do 25 de Novembro de 1975, na Assembleia da República, partiu do CDS e acabou aprovada com os votos a favor de PSD, Chega, Iniciativa Liberal e do próprio CDS, os votos contra de PS, Bloco de Esquerda, PCP e Livre e a abstenção do PAN. Também a proposta da IL, que recomendava que realize uma sessão evocativa do cinquentenário do 25 de Novembro no âmbito das celebrações do cinquentenário do 25 de Abril teve luz verde com os mesmos votos a favor aos quais se juntou o PS, as abstenções de Livre e PAN e os votos contra do Bloco de Esquerda e PCP.

Paulo Núncio começou por argumentar que era preciso recuperar o assunto tanto por “memória histórica” como pelo “sentimento de gratidão“. Considerando que é preciso “celebrar e não esquecer o 25 de Novembro” por ser “a etapa final da consolidação da democracia portuguesa”, o líder parlamentar do CDS justificou que “separar as duas datas é um erro histórico que tem de ser corrigido” — “Só com o 25 de Novembro a democracia e a liberdade saíram vencedoras, porque entre 25 de Abril e 25 de Novembro estiveram sob ataque.”

E foi exatamente essa discrepância entre o que um lado e outro consideram ataque que levou a uma tarde de discussão acesa — com muitos apartes, farpas e até pateadas. Rui Tavares interveio logo de início para sublinhar que “a democracia foi conquistada a 25 de Abril de 1974” ñ e que depois desse “todos os dias são dias para defender a democracia”. Apesar de concordar com “muitas coisas” ditas por Núncio, o porta-voz do Livre não acredita que “a democracia tenha estado em risco entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro”, chegou mesmo a sublinhar que “a democracia está sempre em risco”, mas considera que é preciso haver clareza nos “factos” que há para comemorar na sessão solene proposta.

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O líder parlamentar do CDS acabaria por defender que no 25 de Novembro se comemora “o fim do PREC, o desvio totalitário, o fim do extremismo radical, a democracia e a liberdade”, mas também “a liberdade de consciência, de imprensa, económica e política”. “Não houve guerra civil porque se deu o 25 de Novembro”, alertou Núncio, o que levou a aplausos vindos das bancadas de PSD, Chega e CDS.

À direita prosseguiam os argumentos em defesa da celebração do 25 de Novembro. O Chega, pela voz do deputado Jorge Galveias, acusou a “extrema-esquerda de continuar a branquear” o que se passou entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975 e recordou os “ataques a liberdades individuais e à propriedade privada, a perseguição e tentativa de eliminação de todos aqueles que tinham, a coragem de lutar contra PCP e movimentos de extrema-esquerda, as nacionalizações saneamentos, o saque das propriedades por bandos raivosos de ladrões da extrema-esquerda, as prisões, as torturas, as listas de nomes a serem eliminados um a um”.

Galveias aproveitou também para responder a Rui Tavares: “O senhor não tem noção do que foi o PREC e do que se passou em Portugal.” Ainda pelo Chega, Vanessa Barata realçou que “Portugal estava à beira de uma guerra civil” e que o 25 de Novembro serviu para “travar o que parecia certo: uma ditadura de esquerda” e “conduziu o país à verdadeira liberdade”.

A Iniciativa Liberal, através de Rui Rocha, defendeu a existência de uma “tentativa de controlo do passado e da narrativa do passado pela extrema-esquerda”, recordou os tempos em que os liberais foram impedidos de descer a Avenida da Liberdade e deu conta de que houve alturas em que a “direita prescindiu” de celebrar o 25 de Abril por “reserva mental”. Pelo caminho, citou Mário Soares para dar conta de que o 25 de Novembro “é na história contemporânea de Portugal uma data tão importante para a afirmação da democracia pluralista, pluripartidária e civilista como a própria Revolução dos Cravos”. “Essa tentativa da esquerda radical obliterar o 25 de Novembro e dominar o 25 de Abril também foi fonte de populismo porque parte da população não se reconheceu nessa tentativa de reescrever a história e se sentiu confinada a uma versão que da história que não aceitou”, realçou, alertando que “reescrever a história tem como compensação a radicalização daqueles que por natureza não o seriam”. Para Rui Rocha, “o 25 de Novembro só é divisivo para quem não ama a democracia“.

Já Inês Sousa Real, do PAN, apontou que “o 25 de Novembro não deve ser um bastião da direita e 25 de Abril não deve ser um bastião da esquerda“.

Francisco Assis subiu ao púlpito para um dos discursos mais consensuais de todo o debate, tanto que no final acabou aplaudido por parte da bancada do PSD, designadamente pelo líder parlamentar Hugo Soares, e obrigado a justificar que aquela é a posição do PS. Começou por dizer que a declaração do PSD, por parte de Bruno Vitorino, foi um “insulto à memória de Sá Carneiro“, garantiu que “o PS está “completamente à vontade” no tema do 25 de Novembro, desde logo porque “não há personalidade política civil mais ligada [à data] do que Mário Soares e o PS é Mário Soares”.

Citou demoradamente Mário Soares, disse que o 25 de Novembro é “uma data fundamental na democracia portuguesa” e que “deve ser colocada no âmbito do processo histórico em que está integrado” — apontando que “é complexo e por vezes contraditório”. Realçou que “houve um risco real de instauração de um regime autoritário, que levado até às últimas consequências seria até totalitário, de inspiração marxista-leninista”, que isso é “indiscutível”, e considera que, 50 anos depois, “ainda não estamos em condições de fazer apreciação absolutamente rigorosa de tudo o que se passou”. Na opinião de Assis faz sentido “voltar” ao 25 de Novembro, mas não opondo as duas datas, o que leva o deputado socialista a dizer que presta um “péssimo serviço” quem procura identificá-lo com “o pior que há na direita portuguesa e europeia”. “Os vencedores do 25 de Novembro foram os verdadeiros democratas e estão espalhados por vários partidos e presentes nesta Assembleia da República”, sublinhou.

As palavras levaram Hugo Soares a aplaudir de pé e a dizer que “quis o destino que a última intervenção [de Assis] fosse uma lição ao PS“. “Que falta vai fazer ao PS, a sua capacidade, moderação e bom senso”, atirou o líder parlamentar do PSD, que notou “incómodo” no secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, e que teve “dúvidas se estava a ouvir social-democrata ou um socialista”. E recordou também que foi Assis que se “levantou” contra a construção da geringonça — “Fica claro que quem saiu do centro moderado foi o PS.” Francisco Assis agradeceu as palavras e aplausos, mas assegurou que foi a líder parlamentar do PS que pediu para usar da palavra: “Fui a voz do PS, esta é a posição do PS e foi sempre”, esclareceu o deputado.

Pelo PSD tinha falado pouco antes para realçar que “a democracia e a liberdade não caíram do céu” e que “o 25 de Abril não tem donos, apesar das tentativas de alguns”, justificando que serviu para “consolidar o 25 de Abril” e permitiu “travar a tentativa do golpe de Estado”. “Podia ter havido uma guerra civil e foi nesse dia que falhou a tentativa de golpe de Estado militar”, insistiu o deputado social-democrata, sublinhando que “a esquerda radical agrediu e ameaçou pessoas, chegando a matar algumas”. Acabou por falar sobre a “liberdade de lutar contra o politicamente correto”, apontando ao “medo do que vão dizer os comentadores do regime ou das ofensas e ameaças de que vamos ser alvo” e aos “ativistas, como agora se chama aos vândalos e marginais da esquerda, que parecem poder fazer tudo”. “E quantos são pagos pelos nossos impostos?”, questionou, abordando ainda o tema de “livros que se tornaram ofensivos”, como Asterix e Tintin, e da liberdade das crianças — “Liberdade de educar as crianças sem doutrinação ideológica nas escolas, sim à ciência e à biologia, não à ideologia. Não têm de impingir às crianças crenças que só existem na cabeça de alguns. A abordagem leva a aplausos de várias bancadas, entre ela a do Chega.

E foi exatamente Bruno Vitorino que acabou, em resposta a Rui Tavares, por assegurar que o PSD estaria contra o feriado: “Para valorizarmos este tema [o 25 de Novembro] não precisamos de ser radicais, precisamos de estar ao lado dos moderados, para darmos importância a uma data, e para dizermos que é importante assinalar essa mesma data e para que a história seja discutida como se passou e não como alguns querem que se tivesse passado não precisamos de ter um feriado, isso não tira qualquer dignidade à discussão e muito menos ao momento em si”, justificava.

Ainda pelo Chega, Filipe Melo chegou a questionar o PS sobre se “Mário Soares hoje teria vergonha deste PS, de um PS que durante sete anos andou apoiado pela extrema-esquerda?” — a afirmação valeu-lhe longos segundos de pateadas por parte da bancada do PS. “Se é verdade que 25 de Abril trouxe liberdade, 25 de Novembro trouxe democracia”, rematou, frisando que o feriado proposto — e chumbado — serviria para homenagear nomes que jamais serão apagados da história.

A defesa da esquerda viria logo de seguida, com António Filipe, do PCP, a acusar o CDS-PP de “revisionismo histórico” e de “tentar reescrever a história numa tentativa de branquear uma ditadura fascista”. Com destaque para a tese de que “o 25 de Abril foi a data em que povo português se libertou do fascismo”, o deputado comunista reconheceu que a consolidação da democracia “não foi fácil”, mas recusou a ideia de que a data serviu para “evitar que o PCP instaurasse uma ditadura em Portugal”, dizendo que a mesma “não tem a mínima adesão à realidade”. “O que os factos documentados demonstram é que foi PCP foi a principal vítima da violência política que perdurou mesmo além do 25 de Novembro até ao desmantelamento da rede bombista fascizante”, reiterou o deputado comunista, que defendeu que “toda a atuação do PCP, antes durante e depois do 25 de Novembro, foi no sentido de encontrar uma solução política para a crise que o país atravessava que evitasse uma guerra civil”.

A intervenção foi uma das que mais aqueceu o ambiente durante o debate. Pedro Pinto pedurua a palavra para dizer que “quem ouviu esta intervenção ficou muito baralhado” porque ficou “sem saber se houve ou não período revolucionário” e “a pensar que foi só o PCP a vítima“. “E depois falou que queriam ilegalizar o PCP, vou-lhe recordar que quem ilegalizou um partido, que era o PDC, foi o PCP”, atirou o líder parlamentar do Chega, o que levou António Filipe a assegurar que o partido “não se envergonha de nada do que fez” e dizendo que “não fez nada” do que estava a ser acusado por Pedro Pinto: “O PCP nunca ilegalizou nenhum partido, o partido que o senhor referiu aí até concorreu a eleições em 1979”, afirmou, o que levou João Almeida a interromper dizendo que essas eleições aconteceram depois do 25 de Novembro, sugerindo que desmonta a tese.

“O que aqui trazem é uma procura por reescrever a história. (…) Agora, é completamente falso que alguma vez em Portugal, após o 25 de Abril, houvesse qualquer tentativa de… houve tentativas de reverter a democracia no sentido reacionário, em setembro de 74, no 11 de março… agora, isto é um facto histórico, ninguém pode vir acusar o PCP de antes, durante e depois dos acontecimentos do 25 de Novembro não ter colaborado  haver solução política e de diálogo que não pusesse em causa a democracia”, defendeu António Filipe.

Pelo Bloco de Esquerda, e de cravo ao peito, Joana Mortágua afirmou que o 25 de Novembro tem servido para “dizer 25 de Abril, mas…”. Contou que “o 25 de Abril foi uma revolução e o grito do povo contra o fascismo” e argumentou que “o golpe teve características históricas”, desde logo porque enalteceu os que “nunca tinham tido voz” — “O povo foi expressão e ator da explosão revolucionária”, sublinhou, rematando que “o processo democrático tem uma única data fundadora: o 25 de Abril“. Certa de que há uma “mitologia de uma certa direita” que quer encontrar uma “data alternativa ao 25 de Abril”, Mortágua atirou: “O 25 de Novembro não é a reposição da normalidade democrática, não tem essa importância histórica.” E disse ainda: “Novembro é usado como pretexto contra Abril.”

No fim do debate, o peso da direita não foi suficiente para aprovar o feriado sugerido pelo Chega, mas a sessão solene passará a ter lugar na Assembleia da República. O feriado acabou chumbado com os votos contra do PSD, PS, Livre, PCP, BE e PAN, abstenção da IL e votos a favor de Chega e CDS.