Jacques Prévert deu-lhe o apelido “Aimée” do seu nome artístico e o Anouk proveio da personagem que interpretou no seu primeiro filme, La MaisonSous la Mer (1947). Fellini, que a dirigiu em A Doce Vida (1960) e Fellini 8 ½ (1963), dizia que o tempo não passava por ela, Henry Miller venerava-a, Ungarodedicou-lhe um perfume, Omar Sharif (com o qual teve um caso) chamou-lhe “um tesouro francês” e em Um Homem e uma Mulher, de Claude Lelouch (1966), cruza a França num Ford Mustang para ir ter com ela a Deauville. AnoukAimée era de uma beleza que quase intimidava e, qualquer que fosse o papel que desempenhasse, nunca deixou de primar pela elegância e pela graça, qualidades que conferia às personagens se elas não as tivessem. Nem em Lola, de Jacques Demy (1961), onde interpreta uma artista de cabaré, ela é vulgar ou rasteira. Nascida Françoise Dreyfus em Paris, foi uma das maiores e mais distintas atrizes francesas e esta terça-feira, 18 de junho, aos 92 anos, na cidade onde nasceu.

[“La Dolce Vita”:]

Depois de La Maison Sous la Mer, Anouk Aimée começou, ainda bastante nova, a alinhar filme atrás de filme, saindo mesmo de França para aparecer em produções inglesas, alemãs e uma americana, Crepúsculo Vermelho, de Anatole Litvak, em 1959, ano em que participa também em Les Dragueurs, o primeiro filme de Jean-Pierre Mocky. É no início da década de 60 que se lança definitivamente, com os dois Fellini e em ambos ao lado de Marcello Mastroianni, burguesa romana rica, ociosa e entediada em A Doce Vida, de cabelo curto e óculos fininhos, mulher do realizador em crise criativa e que a engana em Fellini 8 1/2; e com Lola, de guepière, meias negras, saltos altos e cartola, rodeada de marinheiros e intocada pela grosseria. Pelo meio, fez uma passagem pelos EUA para personificar uma rainha na superprodução bíblica Sodoma e Gomorra, de Robert Aldrich e SergioLeone (1962).

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[“Lola”:]

Em 1966, chega o colossal sucesso de Um Homem e uma Mulher, ao lado de Trintignant, interpretando Anne, uma mulher comum que trabalha no cinema, viúva e mãe, apaixonada por Jean-Louis, um viúvo piloto de automóveis e pai, numa das mais singelas e arrebatadoras histórias de amor do cinema, que queria ser “como as da vida”. O filme ganha o Festival de Cannes e o Óscar e o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, e Anouk Aimée o Globo de Ouro de Melhor Atriz. A personagem cola-se-lhe à pele para a posteridade. Depois de aparecer em Modelos de Aluguer, de Jacques Demy (1969), rodado nos EUA, O Rendez Vous, de Sidney Lumet (1969) e Justine, de George Cukor (1969), e de recusar, em 1968, o papel que iria depois para Faye Dunaway em O Grande Mestre do Crime, de Norman Jewison, casa-se em 1970 com Albert Finney (o seu terceiro marido após o cineasta grego Nico Papatakis e o músico francês Pierre Barouh) e sai de cena durante alguns anos.

[“Um Homem e uma Mulher”:]

Após o divórcio, em 1978, Anouk Aimée regressa à representação e ganha em 1980 o Prémio de Melhor Atriz no Festival de Cannes por Salto no Vazio, de Marco Bellochio, no papel de um mulher depressiva e suicida que tem uma relação difícil com o irmão (Michel Piccoli). Roda depois com Bernardo Bertolucci, Élie Chouraqui, Jerzy Skolimowski ou Robert Altman, reencontra Claude Lelouch e Jean-Louis Trintignant no passo em falso que foi Um Homem e uma Mulher: Vinte Anos Depois (1986), e brilha no teatro na peça Cartas de Amor, que interpreta entre 1990 e 2014 ao lado de actores como Bruno Cremer, Trintignant, Alain Delon ou Gérard Depardieu. No seu último filme, Os Melhores Anos das Nossas Vidas (2019), de Claude Lelouch, Anouk Aimée e Jean-Louis Trintignant regressam pela terceira vez às personagens de Um Homem e Uma Mulher para uma despedida que não podia ser mais nostálgica, inspirada e tocante. Aimée detestava falar da idade e da passagem do tempo mas é, neste filme, a mais linda e sofisticada octogenária da tela.

[“Os Melhores Anos das Nossas Vidas”:]

Anouk Aimée nunca mais se voltou a casar depois de se separar de Albert Finney e vivia com os seus cães e gatos em Paris. Muito perto, curiosamente, da rua onde morava Anne, a sua personagem de Um Homem e Uma Mulher. Quando era nova, queria ser farmacêutica ou bailarina, acabou por ser atriz. “A profissão escolheu-me”, disse numa entrevista. A escolha não podia ter sido mais acertada.