Entrámos no segundo capítulo daquilo que mais gostamos em qualquer fase final do Campeonato da Europa. O primeiro, escrito ao longo de nove dias, foi o arranque. Os primeiros jogos, os golos, os muitos autogolos, a festa, os adeptos, as surpresas, os jogadores revelação, os flops. Agora, com um grau de importância tão ou mais relevante, começam as contas, as probabilidades, as múltiplas hipóteses. Mais: as teorias. As teorias que começavam logo com um brinde no grupo A com o Alemanha-Suíça. Em condições normais, a formação alemã teria apenas de confirmar o passaporte para os oitavos com o primeiro lugar diante dos helvéticos com uma vitória ou até mesmo com um empate. No entanto, e se fosse assim, poderia cruzar com a Espanha nos quartos, ao passo que seguindo como segundo classificado ficava no lado oposto da grelha. Teorias, claro.

Dia 10 do Europeu. Já há onzes para os dois jogos que fecham grupo A em Frankfurt e Estugarda

Tudo caía por terra pela forma como o conjunto germânico entrou e deu continuidade às exibições nesta fase final. A goleada à Escócia, numa partida sem história que estava resolvida ao intervalo, teve prolongamento em mais um triunfo contra a Hungria que mostrou outras facetas menos positivas, como a incapacidade de travar transições quando uma equipa salta a primeira linha de pressão mais alta, mas que confirmou as mais valias da identidade criada por Julian Nagelsmann, capaz de potenciar o melhor da experiência de Toni Kroos e Gündogan e a partir daí aproveitar o sangue novo que Musiala e Wirtz oferecem à equipa. Era isso que estaria novamente em jogo contra o adversário teoricamente mais forte do grupo, sendo que existia a hipótese não confirmada de alterações na equipa não tendo aquele à vontade dos líderes Espanha e Portugal.

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Já a Suíça, não tendo a posição propriamente definida (uma conjugação cósmica ainda podia deixar a equipa da Escócia no segundo lugar), jogava de forma tranquila a tentar disputar o primeiro posto. O encontro com os britânicos não foi o mais feliz a nível de eficácia apesar do golo fantástico de Shaquiri mas aquele triunfo e a exibição a abrir com a Hungria deixaram as contas bem encaminhadas para a formação de Murat Yakin dar o salto e sair da zona quase “neutra” em termos de Europeus a passar a fase de grupos mas a cair muitas vezes na ronda inicial, confirmando aquilo que fez em 2020 onde só caiu nos quartos e no desempate por grandes penalidades frente à Espanha. Para isso, os helvéticos apostavam agora na terceira formação diferente em termos ofensivos, com a referência Embolo a ter o apoio mais direto de Rieder e Ndoye.

O encontro começou com grande dinâmica, entre um cabeceamento de Havertz para defesa de Yann Sommer após cantos e um remate perigoso de Ndoye que foi prensado num defesa contrário e saiu para canto, mas foi depois perdendo algum ritmo também por “influência” da Alemanha, que colocou uma mudança abaixo ao perceber que a Suíça estava a explorar bem a profundidade e a pressionar alto com várias unidades sem bola a povoarem também a saída pelo corredor central. Foi nesse período de maior “controlo” que Andrich ainda marcou, num remate de meia distância com Yann Sommer mal batido, mas o lance foi invalidado por falta de Musiala sobre Aebisher (17′). Foi depois desse período de mais “controlo” que os helvéticos se soltaram e chegaram mesmo ao golo, com Freuler a cruzar na esquerda para desvio ao primeiro poste de Ndoye (28′), que dois minutos depois ameaçou o segundo com um remate a rasar o poste da baliza de Neuer.

O segundo tempo começou com mais Alemanha em campo, conseguindo encontrar os espaços mais perto da baliza para as meias distâncias de Musiala (defesa de Sommer) e Kroos (ao lado), mas a Suíça foi aguentando a vantagem mínima sem abdicar das saídas rápidas, o que fez com que Murat Yakin apostasse de uma só vez nas entradas de Duah, Amdouni e Vargas. Ainda houve um remate de Kimmich em boa posição cortado de forma rapidíssima por Akanji mas os minutos passavam sem alteração no resultado, o que fez com que Sané e Füllkrug saíssem do banco para o jogo nos 15 minutos finais. Aí, houve um pouco de tudo: Vargas marcou num lance que seria anulado por fora de jogo (84′), Havertz acertou na parte de cima da trave na sequência de um canto (85′), Xhaka teve um remate fantástico para uma defesa ainda maior de Neuer (88′) e Füllkrug empatou de cabeça na sequência de um cruzamento de David Raum virando o jogo ao contrário (90+2′).

A pérola

  • Já tinha recebido o prémio de MVP no encontro com a Escócia, fez agora um jogo que nem precisava de distinção individual para ser o melhor de todos. Liderando a linha de três defesas com Schär e Ricardo Rodríguez, Akanji voltou a ser um autêntico monstro no setor recuado frente a uma Alemanha que nem mesmo em desvantagem criou muitas ou grandes oportunidades de perigo. A maturidade, capacidade de liderança, combatividade e experiência do central é uma das âncoras para o equilíbrio da Suíça. Todavia, ainda estava para chegar o verdadeiro panzer que iria decidir o encontro: com mais um golo de cabeça, Füllkrug saiu do banco para dar continuidade a todo o sofrimento que passou entre lesões até levar o B. Dortmund à final da Liga dos Campeões e levar já dois golos pela Alemanha no Europeu.

O joker

  • Foi uma das grandes revelações da temporada após trocar o Basileia pelo Bolonha, foi um dos principais nomes na campanha sensacional da equipa na Serie A que terminou com a qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Thiago Motta soube potenciar as principais qualidades de Ndoye na frente de ataque dos transalpinos com um problemas que não conseguiu resolver: a falta de eficácia. Foi esse o grande problema nos primeiros jogos com Hungria e Escócia, foi tudo menos isso o problema com a Alemanha, marcando no primeiro remate enquadrado e ficando depois perto do bis antes do intervalo.

A sentença

  • Com este resultado, a Alemanha conseguiu segurar in extremis o primeiro lugar do grupo A, tendo agora pela frente o segundo classificado do grupo C que sairá entre Inglaterra, Dinamarca, Eslovénia e Sérvia (e com um ponto já confirmado: caso ganhe nos oitavos, vai defrontar a Espanha nos quartos se a Roja também ganhar). Já a Suíça acabou na segunda posição, tendo agora pela frente o segundo do grupo B que deverá sair do duelo entre Itália e Croácia (a Albânia tem hipóteses mas bem menos).

A mentira

  • A Alemanha não deixa de ser uma das fortes candidatas ao título mas voltou a mostrar aquele que é o seu maior calcanhar de Aquiles nesta nova estrutura desenhada por Julian Nagelsmann: tal como tinha acontecido na primeira parte com a Hungria, quando uma equipa consegue passar a primeira fase de pressão dos germânicos e encontra um jogador entre linhas que pode receber, a estrutura defensiva fica desconfortável e abrem-se demasiado espaços. Em paralelo, havendo um maior povoamento do corredor central sem posse, a Alemanha tem mais dificuldades para construir com qualidade até fazer chegar a bola a Musiala, Wirtz ou Gündogan. Entre muitos pontos positivos, nem tudo é perfeito…