O Memorial às Pessoas Escravizadas, que venceu o Orçamento Participativo de Lisboa em 2017, continua por concretizar e o município propõe agora a instalação na Ribeira das Naus, em terrenos da Marinha, disse esta quarta-feira a associação promotora.

“A câmara ficou de ver se os terrenos continuam na posse da Marinha e se está disponível para a instalação do monumento”, afirmou à Lusa Evalina Dias, presidente da Djass — Associação de Afrodescendentes, que candidatou ao Orçamento Participativo (OP) de Lisboa, em 2017, a criação de um memorial que preste homenagem aos milhões de pessoas escravizadas pelo império português.

Além da intenção erigir o monumento no relvado da Ribeira das Naus, na frente ribeirinha entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço, da reunião realizada esta quarta-feira entre a associação e o gabinete da vereadora da Economia e Inovação, Joana Oliveira Costa (CDS-PP), saiu que a autarquia também irá solicitar “os pareceres” para o efeito ao atual instituto Património Cultural, que sucedeu à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC).

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A reunião, explicou Evalina Dias, serviu para apresentar “a nova vereadora”, que substituiu Diogo Moura — acusado de crimes de fraude em eleições internas do CDS-PP —, que suspendeu funções a pedido do presidente da câmara, Carlos Moedas (PSD), tendo a autarquia voltado a propor a instalação do monumento num terreno nas traseiras das agências europeias no Cais do Sodré.

De acordo com a também fundadora da Djass, a associação recusou esta localização porque “está de costas para o rio” Tejo e “não convida à reclusão” e contemplação do memorial, cujo objetivo principal é prestar tributo à memória dos milhões de africanos “escravizados por Portugal ao longo da sua História, nomeadamente entre os séculos XV e XIX”.

O monumento visa homenagear as “vítimas e resistentes de ontem e de hoje“, promover “o reconhecimento histórico do papel de Portugal na escravatura e no tráfico de pessoas escravizadas” e evocar os legados desse longo período na sociedade portuguesa atual, “desde a rica herança cultural africana às formas contemporâneas de opressão e discriminação”.

A proposta visa ainda “contribuir para o reconhecimento do papel central que Portugal, e em particular a cidade de Lisboa, tiveram na escravatura e tráfico de pessoas escravizadas”, celebrar a resistência africana “contra a opressão da escravatura” e “destacar a secular presença negra e africana em Portugal e o seu contributo para a economia, cultura e sociedade portuguesas”.

O memorial foi um dos vencedores do OP de 2017, que financia projetos escolhidos pela sociedade civil, e em 2019 a autarquia aumentou para 150 mil euros a dotação orçamental para a sua execução, além de confirmar a criação, numa segunda fase, de um centro interpretativo associado, que permita uma contextualização histórica do tema, num edifício junto ao Largo José Saramago (Campo das Cebolas).

A Djass criou, em 2018, um grupo consultivo constituído por ativistas com ligação ao movimento negro e antirracista e por especialistas em história, estudos pós-coloniais, arte e museologia, para a escolha do autor do memorial, que recaiu em “Plantação”, do artista angolano Kiluanji Kia Henda, constituído por centenas de canas-de-açúcar em alumínio, o “ouro branco” que esteve nas origens do tráfico de pessoas escravizadas.

Para a instalação do memorial no Campo das Cebolas, e para diminuir o impacto da “plantação”, Kia Henda reduziu de 540 para 400 as canas em alumínio preto, com três metros de altura.

Contudo, segundo Evalina Dias, a proposta apesar da luz verde do executivo de Fernando Medina (PS), acabou por ser suspensa pela nova vereação de Carlos Moedas (PSD), alegando falta de pareceres obrigatórios da DGPC, por estar na Zona Especial de Proteção da Sé de Lisboa, monumento nacional.

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A então DGPC deu parecer negativo ao projeto face aos relevantes impactos visuais da “plantação” na ligação entre o largo e os imóveis nas proximidades, como a Casa dos Bicos, e o Tejo.

A Empresa de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) também emitiu parecer desfavorável com base no risco que representava a perfuração da cobertura do parque de estacionamento do Largo José Saramago para fixar as 400 canas-de-açúcar em alumínio.

Apesar das contrariedades e da demora em se encontrar um local para o Memorial às Pessoas Escravizadas, Evalina Dias referiu que “a vereadora disse que está muito interessada e empenhada em que o projeto vá avante” e, por isso, a Djass vai agora esperar que a autarquia avalie a viabilidade de a “plantação” de Kia Henda passar à realidade.

A Lusa contactou o gabinete da vereadora Joana Oliveira Costa, mas ainda não obteve resposta.