O “annus horribilis” de Isabel II já era passado, mas em 1994 a família real continuava a ser apanhada no fogo cruzado dos príncipes de Gales numa história que, já se sabe, pouco teve de encantada. Na noite de 29 de junho muitos britânicos terão ficado por casa para ver uma entrevista do herdeiro do trono na televisão, mas a sua mulher, pelo contrário, decidiu sair. Sabendo que o marido iria confessar perante os súbditos que a tinha traído, Diana tirou do armário aquele que foi, provavelmente, o seu vestido mais arrojado até então e seguiu para uma festa. O resto é História e história da moda, porque o momento foi de tal modo impactante que a criação da designer grega Christina Stambolian ganhou nome próprio e tornou-se um ícone. O “vestido da vingança” teve o seu momento de fama há 30 anos, mas continua a dar que falar e tem uma história para contar.

29 de junho, (mais) um dia sísmico para a casa real

Para celebrar 25 anos como herdeiro do trono, e à boleia melhorar também a sua imagem perante os súbditos, o príncipe Carlos decidiu ser protagonista do documentário “Charles: The Private Man, The Public Role”. O programa contava com uma entrevista do jornalista Jonathan Dimbleby ao príncipe de Gales filmada na sala de estar da sua residência privada, Highgrove, e foi para o ar a 29 de junho de 1994. Houve espaço para mostrar o trabalho filantrópico e diplomático do príncipe, mas a maior parte seria sobre o tema do momento: o casamento com Diana e Carlos foi diretamente questionado sobre a sua fidelidade à mulher e viria a confessar o adultério.

“Até o casamento ficar arruinado para lá de qualquer possibilidade de recuperação, ambos tentámos”, cita Tina Brown na biografia da princesa de Gales que assina, “Diana, uma vida” (Oceanos, 2007). O entrevistador perguntou-lhe se foi a relação com Camila Parker Bowles que provocou o fim do casamento e o príncipe deu uma reposta longa, incoerente e que, apesar de não responder explicitamente à pergunta, não deixava dúvidas. “A reação esmagadoramente negativa do público baseou-se, não no adultério em si, mas na tola ingenuidade do príncipe ao admiti-lo”, escreve Tina Brown no livro. “O que é um bom indicador de como o clima moral na Grã-Bretanha tinha mudado desde a abdicação”, acrescenta a autora.

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A famosa camisola com ovelhas que Diana usou em 1981 vai a leilão e tem uma história para contar

No dia em que o documentário foi para o ar, o então príncipe de Gales teve um incidente de aviação quando pilotava um avião que ultrapassou a pista e foi parar num pântano. Aconteceu quando Carlos tentava aterrar na ilha de Islay no âmbito de uma viagem oficial de cinco dias à Escócia.

O divórcio do príncipe Carlos e de Diana só viria a estar concluído em agosto de 1996, mas a separação do casal foi anunciada a 9 de dezembro de 1992 pelo primeiro-ministro da altura, John Major, no parlamento britânico. Um ano mais tarde, em dezembro de 1993, a princesa de Gales aproveitou um discurso que fez num almoço de solidariedade no Hotel Hilton em Londres para anunciar que no final do ano iria “reduzir a extensão da vida pública” que levava até então. Disse que nos meses que se seguiriam esperava encontrar um equilíbrio entre o seu “papel público” com “uma vida mais privada”. Acrescentou ainda que nos anos que já levava de exposição, a atenção da imprensa viria a “afetar tanto os deveres públicos” como a sua “vida pessoal de uma maneira que é difícil aguentar”.

Mas uma retirada em nada diminuiu o interesse em Diana, pelo contrário. Tina Brown conta que, desde que Diana se tinha retirado formalmente da vida pública, o preço de uma fotografia sua aumentou 25%. “Um conjunto de fotografias dela a fazer compras podia valer até duas mil libras. Diana de fato de banho valia dez mil libras, isto só em direitos para o Reino Unido” escreve a autora e acrescenta que “nos anos noventa, uma foto de Diana na capa de uma revista garantia um aumento de vendas de pelo menos 10 por cento”.

O tal “vestido da vingança”

Na noite em que a entrevista de Carlos foi transmitida e o príncipe confessou o adultério perante a nação, Diana foi a uma festa anual de angariação de fundos da Vanity Fair na Serpentine Gallery, no meio dos jardins de Kensington, em Londres. Tina Brown escreve na biografia de Diana que a princesa de Gales tinha declinado o convite até dois dias antes do evento, mas entretanto começaram não só os anúncios do programa do marido, como os rumores sobre o adultério. Um dos organizadores da gala recebeu então um telefonema, conta a autora. “Disse que afinal sempre queria ir”, conta o organizador e perguntou a Diana: “O que andas tu a tramar?”. Ela respondeu: “Vais ver”. Mas ele percebeu do que se trataria quando relacionou a data do evento com a da entrevista, explica Brown no livro.

Diana fez uma chegada triunfal, como uma estrela. Saiu do carro sorridente, com um vestido preto curto, a sua gargantilha de pérolas e safira. Tina Brown diz que inicialmente lhe chamaram o “vestido-vai-te-lixar”, mas na verdade ele fica na história da moda como “vestido da vingança” (revenge dress).

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Diana, a princesa de Gales, a chegar à Serpentine Gallery. Foi recebida por lord Peter Palumbo © Getty Images

O vestido preto tinha decote coração, bainha acima do joelho e uma faixa negra transparente à volta da cintura e a esvoaçar de ambos os lados. Era uma criação de Christina Stambolian, designer de moda grega desconhecida até à data. Diana usou meias negras transparentes e sapatos pretos Manolo Blahnik.

A princesa de Gales usou a gargantilha de pérolas e safira de que tanto gostava, como provam as várias vezes que a vimos usá-la ao longo dos anos. A peça é composta por uma pregadeira com uma grande safira que foi o presente de casamento que a rainha mãe lhe ofereceu quando se casou com o príncipe Carlos, em 1981. Foi Diana quem decidiu tornar a pregadeira num colar e foram então acrescentadas sete filas de pérolas que envolvem o pescoço. Todos os acessórias eram pretos, como a clutch e os sapatos. Por isso, sobressaiu ainda mais a manicure com verniz vermelho, que era muito raro usar.

O vestido foi, na verdade, comprado em setembro de 1991. Diana foi à loja de Christina Stambolian depois de ter almoçado com o irmão e, além de comprar algumas peças, fez uma encomenda à designer grega. “Quero um vestido especial para uma ocasião especial. Não importa se é curto ou longo. Tem de ser algo especial.”, conta  Claudia Joseph, autora do livro “Diana: A Life in Dresses” (ACC Art Books). “Sentámo-nos e eu fiz alguns desenhos num papel”, contou a designer citada no Daily Mail. Diz que Diana achou o vestido um pouco “risqué” e queria que cobrisse mais o corpo, mas a princesa foi convencida a avançar com o design.

Streetwear, tricórnios e o vestido da vingança. Diana, 40 anos de um ícone de estilo

Depois discutiram a cor. Diana quereria bege e a designer preferia preto. De seguida duas costureiras confecionaram o vestido à mão — terão demorado 60 horas a tornar a criação realidade. Mas a peça viria a ficar no armário real durante três anos à espera do seu momento. A designer de origem grega chegou a pensar que nunca o veria em público. Para a  festa da Serpentine Gallery Diana estaria a planear usar uma criação de Valentino e a informação terá chegado à imprensa antes do suposto, escreve a Hello que através do próprio designer, então a princesa de Gales mudou de planos e foi resgatar o seu Christina Stambolian.

Depois de se afastar da família real e do pesado protocolo no que toca à apresentação, as escolhas de moda de Diana ganharam uma nova dimensão e o guarda-roupa passou a incluir saias mais curtas, vestidos mais arrojados e até o preto que é uma cor que a realeza reserva para o luto.

“Ela queria parecer que valia um milhão de dólares. E conseguiu”, disse Anna Harvey, consultora da Vogue britânica que ajudou Diana com escolhas de moda nos primeiros anos de princesa, no documentário “Princess Diana’s Dresses: The Auction”, de 2013.

“Os fotógrafos, amontoados em três filas compactas, enlouqueceram quando Diana parou habilmente diante de cada um deles na passadeira vermelha da Vanity Fair”, descreve Tina Brown. Na manhã de 30 de junho, as primeiras páginas do jornais britânicos eram de Diana. É difícil prever o que teria acontecido caso houvesse redes sociais e sites em constante atualização.

O vestido que até teve um papel na série “The Crown”

A série “The Crown”, da Netflix, que em seis temporadas conta a história do reinado de Isabel II, não passou ao lado deste momento marcante. O dia em que a entrevista do príncipe Carlos foi transmitida na televisão e em que Diana, a princesa de Gales, foi a uma festa e nasceu o mítico “vestido da vingança” é retratado no episódio cinco da 5ª temporada, que tem o título “O caminho a seguir” (“The way ahead”). É possível ver o momento do vestido no pequeno vídeo em baixo e partilhado no Youtube.

“Quando as pessoas na minha vida descobriram que eu ia interpretar este papel, foi sobre este vestido que toda me enviou mensagens e foi aí que comecei a perceber quão simbólico este vestido é para as pessoas”, disse à Vogue Elizabeth Debicki, a atriz que faz de Diana nas temporadas 5 e 6.

O famoso vestido foi, de facto, recriado para a série. Viria a ser um dos lotes no leilão “The Crown Auction”, com conteúdos variados da série realizado pela casa leiloeira Bonham’s em fevereiro de 2024. O vestido, acompanhado por uma clutch e um ar de sapatos, foi vendido por 12.800 libras (aproximadamente 15.130 euros).

Uma história onde muita gente quer participar

Até o mordomo de Diana, Paul Burrell, disse ter tido um papel neste episódio. No documentário “Secrets of the Royal Dressmakers” do canal 5 britânico terá dito que foi ele quem escolheu o vestido para a princesa naquele dia.

Em junho de 1997 a Christie’s leiloou 79 vestidos de Diana. Terão sido escolhidos pela própria depois de o príncipe William lhe ter dado a ideia. O leilão foi um acontecimento: motivou dois eventos de apresentação e exposição das peças, um em Londres e outro em Nova Iorque, ambos com a presença da princesa de Gales. Os fundos revertiam para as causas de Diana, o Royal Marsden Hospital Cancer Fund e o AIDS Crisis Trust.

Entre os lotes a leilão lá estava o “vestido da vingança”. Foi comprado por um casal de escoceses, Graeme and Briege Mackenzi, que eram donos de um franchise da Body Shop na Escócia. O valor do vestido varia. A Hello diz ter sido comprado por mais de 39 mil libras (atualmente, mais de 46 mil euros), mas o Daily Mail escreve que foi por 44,511 (mais de 52 mil euros). Os compradores tinham como objetivo usá-lo para angariar fundos para solidariedade e até conheceram a princesa no leilão. Depois da morte de Diana puseram o vestido no cofre de um banco porque acharam que o correto seria não voltar a usá-lo. O vestido ainda pertence aos Mackenzi, mas não é visto há anos. Christina Satmbolian viria a fazer uma réplica do vestido no tamanho de Diana que foi leiloado em 2011 e está em exposição no Museum of Style Icons, em County Kildare na Irlanda.

Depois do dia em que em 1991 Diana entrou pela loja de Christina Stambolian, a designer só voltaria a ver a sua cliente num dos eventos da Christie’s. “Já agora, o vestido preto, foi um trabalho para me enfiar dentro dele”, sussurrou-lhe Diana. Ninguém diria.