(Em atualização)

Morreu este domingo o pintor e ceramista Manuel Cargaleiro. Marcelo Rebelo de Sousa manifesta pesar pela morte do também desenhador e escultor numa nota no site da Presidência, e evoca o talento do Mestre Cargaleiro.

Cargaleiro tinha 97 anos e vivia em Paris desde 1957. O Presidente realça que, mesmo após várias décadas fora, o artista “nunca deixou que o cosmopolitismo significasse desenraizamento”. “Prova disso é a memória das imagens e das cores da Beira Baixa na sua obra, nomeadamente a lembrança das mantas de retalhos; prova disso igualmente a empenhada presença do artista na região onde nasceu, através da Fundação e do Museu Cargaleiro”, é dito na nota da Presidência.

A nota de Marcelo Rebelo de Sousa elogia ainda o trabalho do artista enquanto “ceramista e pintor, mas também desenhador, gravador e escultor”, que deixou “a assinatura em igrejas, jardins ou estações de metro e em inúmeras peças tão geométricas e cromáticas como as de outros artistas cosmopolitas que viveram em Portugal”. Por isso, apesar de tantos anos fora, Marcelo realça que Cargaleiro “continuou a sentir-se, e continuámos a senti-lo, um artista português”.

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“O Presidente da República nunca esquecerá o último encontro com Mestre Cargaleiro, semanas atrás, na casa deste em Lisboa, em que continuava a sonhar projetos para o futuro e a acreditar na vida, sempre prestigiando Portugal.”

A nota de pesar da Presidência lembra também os elogios feitos por outros artistas, como Maria Helena Vieira da Silva, que destacava a “técnica perfeita, a medida certa, as cores raras” de Cargaleiro, ou do arquiteto Siza Vieira, que sublinhou a “alegria invulgar no panorama artístico português”.

O artista português foi condecorado em 2017 com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e, em 2023, com a Grã-Cruz da Ordem de Camões. Marcelo Rebelo de Sousa diz que, noutras ocasiões, “teve a oportunidade de homenagear essas singularidades”, mas que “renova agora a saudação, a sua obra jubilosa e luminosa, fiel ao passado e ao presente, a um tempo que é o nosso e que também foi o seu”.

Manuel Alves Cargaleiro nasceu a 16 de março de 1927, em Chão das Servas, no concelho de Vila Velha de Rodão, no distrito de Castelo Branco. Fez as primeiras experiências com a modelação de barro na olaria de José Trindade, no Monte da Caparica. Mais tarde, estudou em Lisboa, frequentando a Escola Superior de Belas Artes para se dedicar às artes plásticas, é possível ler num perfil no site da Fundação Manuel Cargaleiro. A fundação em nome próprio existe desde 1990 e está localizada em Castelo Branco.

Manuel Cargaleiro expôs as suas obras pela primeira vez na “Primeira Exposição Anual de Cerâmica”, na Sala de Exposições do Secretariado Nacional da Informação. Cultura Popular e Turismo (SNI), no Palácio Foz, em Lisboa. Um ano mais tarde, organizou com a Comissão Municipal de Turismo de Almada o “I Salão de Artes Plásticas da Caparica”. A primeira exposição em nome próprio foi feita em 1952, na Sala de Exposições do SNI.

Um artista multifacetado, Cargaleiro fez em 1953 a primeira exposição de pintura, no Salão da Jovem Pintura, na Galeria de Março, em Lisboa. Um ano mais tarde, apresenta a exposição individual “Cerâmicas de Manuel Cargaleiro”.

Entrevista com o mestre Manuel Cargaleiro, pintor, escultor e colecionador de arte, no Museu Cargaleiro. Castelo Branco, 19 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Manuel Cargaleiro fotografado em 2022 durante uma entrevista ao Observador

É também em 1954 que se estreia no ensino das artes. Ao longo de quatro anos trabalhou como professor de cerâmica na Escola de Artes Decorativas António Arroio, em Lisboa. É igualmente em 54 que vai pela primeira viagem a Paris, conhecendo nomes como Maria Helena Vieira da Silva, Arpad Szènes e Roger Bissière.

Ainda a meio da década de 50, o artista plástico dirige os trabalho de passagem para cerâmica das estações da Via Sacra do Santuário de Nossa Senhora de Fátima. Em 1955, faz também a primeira participação numa exposição coletiva internacional dedicada à cerâmica, no I Festival International de Céramique, em Cannes, França.

Em 1957, o trabalho de Manuel Cargaleiro era cada vez mais internacional. Nesse ano, recebe uma bolsa do governo italiano, através do Instituto de Alta Cultura. Estuda a arte da cerâmica em Faença, com Giuseppe Liverani, Roma e Florença. É também nesse ano que se fixa em Paris, em França.

Manuel Cargaleiro foi um dos primeiros bolseiros da Fundação Calouste Gulbenkian, fazendo um estágio na Faïencerie de Gien, sob a orientação de Roger Bernard.

Nas décadas seguintes, participa em várias exposições individuais e coletivas em vários países, como França, Brasil, Japão, Alemanha, Itália, Angola, Moçambique, Espanha, Venezuela, Suíça ou Bélgica.

Em 1974, quando se comemoram 25 anos do trabalho artístico do Mestre Cargaleiro, é editada uma medalha do escultor Lagoa Henriques.

Em 1980, volta às exposições individuais, primeiro, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e depois em Paris e Reims.

Em 1984, o seu nome é dado à Escola Secundária Manuel Cargaleiro, no concelho do Seixal, que tem em destaque um painel de azulejos do artista plástico.

Já na década de 90, a arte de Manuel Cargaleiro chega a vários locais públicos em Portugal, como a estação de Metro do Rato, em Lisboa, mas também a França, com obra disponível na estação de metro dos Campos Elísios — Clemenceau.

O artista português recebeu diversos prémios ao longo de uma carreira que atravessou mais de sete décadas. Um deles foi o primeiro prémio no concurso internacional “Viaggio attraverso la Ceramica”, em Vietri sul Mare, na província de Salerno. Em 2004, foi inaugurado em Itália o Museo Artistico Industriale di Ceramica Manuel Cargaleiro.

Em 2005, é inaugurado em Portugal o Museu Cargaleiro, que resulta de uma parceria entre a fundação em nome do artista e a Câmara Municipal de Castelo Branco. Em 2011, o museu foi ampliado para acolher e expor toda a obra da fundação.

Entrevista com o mestre Manuel Cargaleiro, pintor, escultor e colecionador de arte, no Museu Cargaleiro. Castelo Branco, 19 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Uma das várias obras de Manuel Cargaleiro no museu com o seu nome, em Castelo Branco

O artista português foi agraciado em 2019 com a Medalha de Mérito Cultural pelo então primeiro-ministro António Costa e pela ministra da Cultura da altura, Graça Fonseca. Recebeu também a Medalha Grand Vermeil, atribuída pela presidente de Câmara de Paris Anne Hidalgo.

Em 2022, Cargaleiro recebeu o que considerou ser um “prémio único”: o título honoris causa, atribuído pela Universidade da Beira Interior.

Montenegro vai declarar um dia de luto nacional pela morte de Cargaleiro

O primeiro-ministro Luís Montenegro diz em comunicado que foi com “profundo pesar” que tomou conhecimento da morte do artista português.

Montenegro lembra que “sendo um homem do mundo, foi também um cidadão sensível às suas origens, tendo escolhido Castelo Branco para instalar o seu museu e a sua coleção, permitindo a tantos visitantes um conhecimento mais vasto da sua obra.” O chefe de Governo diz ainda que “deixa um legado que muito prestigia a arte portuguesa e Portugal.”

Luís Montenegro diz que “em acordo com Sua Excelência o Presidente da República, o Governo vai aprovar a declaração de luto nacional no dia em que se realizem as exéquias de Manuel Cargaleiro”.

Também a ministra da Cultura expressa um “profundo pesar” pela morte do pintor e ceramista Manuel Cargaleiro, cuja “intensa atividade artística se traduz num legado essencial para a arte portuguesa”. A ministra destaca em comunicado o “legado ímpar, cruzando referências e gerações” do artista plástico.