Milhares de apoiantes da coligação de esquerda manifestaram-se esta segunda-feira em Paris contra a extrema-direita, com várias alusões aos anos 1940, pedindo ao Presidente francês que clarifique a sua posição e apele sem ambiguidades a uma “frente republicana”.

A manifestação decorreu na Praça da República, no centro de Paris, e foi convocada pela Nova Frente Popular (Nouvelle Union Populaire, em francês), tendo contado com intervenções de dirigentes de todos os partidos, entre os quais o líder da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, e o secretário nacional do PS francês, Olivier Faure.

A União Nacional foi a formação mais votada na primeira volta das eleições legislativas francesas realizadas este domingo, com cerca de 34% dos votos, à frente da coligação de esquerda Nova Frente Popular (NFP, 28,5%) e da centrista Juntos pela República (22&), de acordo com as primeiras projeções.

Já não há, neste país, escapatória a uma escolha fundamental. É agora o momento: somos nós ou eles, não há nada no meio. E não estamos aqui só para fazer barragem, estamos aqui porque queremos mudar tudo”, exclamou Jean-Luc Mélenchon na reta final da manifestação, provocando um longo aplauso das pessoas que o estavam a ouvir.

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Com bandeiras da coligação, da Palestina, ou com o arco-íris representativo do movimento LGBT, milhares de manifestantes foram entoando cânticos como “não queremos fachos”, “siamo tutti antifascisti”, “no pasarán” ou a música Bella Ciao.

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À Lusa, Raphaël, de 23 anos, disse que ficou “muito triste” com os resultados desta noite porque, apesar das sondagens, “o que era uma mera vertigem tornou-se realidade e a extrema-direita nunca esteve tão perto no poder desde o Pétain”, general que implementou o regime de Vichy, que colaborou com a Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial.

Refutando a ideia de que a França “nunca experimentou” a extrema-direita no poder, vários manifestantes levaram para a Praça da República cartazes ou bandeiras alusivos à Segunda Guerra Mundial, entre os quais Maxime, de 24 anos, que empunhava uma bandeira de França com a Cruz de Lorena no meio.

“É o símbolo da resistência, sob o qual coligaram-se comunistas, ‘gaulistas’ para liberar a França do regime de Vichy, para lutar contra o fascismo e os nazis, e hoje parece-me que a União Nacional são os herdeiros de Pétain. Portanto, estamos numa situação histórica e parece-me que este símbolo tem toda a razão de ser atualmente”, disse.

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Na senda dessa resistência dos anos 1940, que juntou personalidades de esquerda e do centro-direita, foram várias as personalidades que, esta noite, pediram aos partidos que compõem a coligação presidencial para retirarem as suas candidaturas nos casos em que tenham ficado em terceiro lugar e apelem ao voto na esquerda para derrotar a extrema-direita.

“Hoje, ouvimos muitos dirigentes do ‘macronismo’ a exprimirem-se e continua a ser tudo muito confuso, continua a ser muito confuso para pessoas que, ainda assim, beneficiaram dos vossos votos em 2017 e 2022, porque foram vocês que impediram a eleição da Le Pen nas presidenciais, porque fizeram o esforço para ir votar neles”, disse aos manifestantes o secretário nacional do PS francês.

Salientando que, até agora, “está tudo em aberto em França”, Jeff, de 67 anos, disse à Lusa que o facto de existirem 300 a 390 círculos eleitorais onde haverá três candidatos a disputar a eleição abre a possibilidade de “uma reação antifascista” em todo o país.

“A esquerda já pediu aos seus eleitores para que, a partir do momento em que estiver em terceiro lugar, desista a favor de um partido republicano, contra o fascismo. Enquanto a direita, até agora, ainda não deu qualquer sinal. Portanto, é muito ambíguo”, afirmou, em sintonia com a secretária nacional do partido Europa Ecologia Os Verdes (EELV), que considerou que as eleições estão agora nas mãos “dos partidos no Governo”.

Nenhum líder de um partido centrista deve faltar à chamada. Reclamam-se humanistas, democratas, republicanos: é agora que vamos ver se são verdadeiramente ou não! Que venham e nos ajudem a construir uma nova frente republicana à volta do nosso programa”, apelou a líder ecologista.

Já o coordenador da França Insubmissa Manuel Bompard considerou “inaceitável” que se estabeleça uma equivalência entre a União Nacional e o seu partido e, numa noite em que a extrema-direita obteve o seu melhor resultado de sempre em eleições legislativas, deixou uma mensagem que resumiu o estado de espírito dos manifestantes.

“Hoje, o nosso estado de espírito não é de alegria, mas também não é de tristeza. Hoje o estado de espírito tem de ser de combate, de batalha, para que, em cada círculo eleitoral, cada casa, empresa ou serviço público, vamos buscar os eleitores e, daqui a uma semana, inflijamos uma derrota à União Nacional”, disse.