Foi no passado dia 2 de julho que o auditório da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), no Porto, recebeu o II Fórum Luso-Espanhol. Organizado, em conjunto, pela Fundação Repsol e pela Fundação Corell, a conferência reuniu líderes e especialistas dos dois países para falar sobre os desafios e as oportunidades que a Península Ibérica enfrenta no caminho para uma transição energética sustentável.
A abertura do evento, realizado no âmbito do Open Room, ficou a cargo de Joaquim Reis, Diretor da Fundação Repsol em Portugal, que lembrou o forte intercâmbio económico entre Portugal e Espanha e o grande potencial de crescimento que ainda existe
Terminou dizendo que “neste contexto de oportunidades para Portugal e Espanha, é necessário avançar no sentido de uma comunidade mais sustentável e justa, dinamizando ações, projetos e iniciativas que nos ajudem a avançar para uma economia e um futuro mais sustentável, sem deixar ninguém para trás”.
A cerimónia de abertura contou, ainda, com a intervenção de Marcos Basante, Presidente da Fundação Corell, que alertou para o facto de o transporte terrestre de longa distância viver um momento de incerteza e apelou a que Portugal e Espanha trabalhem em conjunto para tornar o transporte de mercadorias melhor e mais sustentável.
Filipe Araújo, Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto, fez a última intervenção da abertura institucional do evento. “A cidade do Porto tem como objetivo tornar-se uma cidade mais sustentável, neutra em carbono e adaptada aos desafios que as alterações climáticas nos colocam”, começou por afirmar. Para o também vereador do Ambiente e da Transição Climática, este caminho tem de ser feito não só pelas instituições da cidade, mas também com o apoio dos cidadãos, “sempre numa lógica de contribuir para uma cidade próspera e sustentável”.
O Vice-Presidente relembrou que, nesse sentido, a autarquia tem apostado e investido na produção da sua própria energia com a instalação de painéis fotovoltaicos. No entanto, considera que este esforço não pode vir só das entidades públicas, mas tem de contar, também, com o setor privado: “nada disto pode ser realizado, nem nenhum objetivo atingido, sem o envolvimento de todos”, concluiu.
Os desafios tecnológicos para as empresas portuguesas
O primeiro painel, onde se debateu os desafios tecnológicos que as empresas portuguesas enfrentam na transição energética, juntou António Louro, Diretor Geral da Mercedes-Benz Trucks Portugal, Sérgio Salgueiro, Diretor de Operações da ALSA em Portugal, Marcos Madeira, Diretor de Canais de Mobilidade da Repsol Portuguesa, Salvador Galve, Presidente da Aliança Europeia corREDores.eu e Helena Braga, Professora Associada da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
Como afirma Sérgio Salgueiro, “a ALSA tem vindo, já há mais 15 anos, a investir em soluções tecnológicas com vista à descarbonização”. E, apesar de as viaturas com energia elétrica serem aquelas que estão mais desenvolvidas, também estão “a apostar muito em energias que ainda não estão desenvolvidas, como o hidrogénio”. No entanto, o Diretor de Operação da ALSA diz que precisam de ter “parcerias com instituições académicas e com produtores de viaturas com vista a testar e ver como é que essas viaturas respondem em ambiente de mercado, se correspondem às expectativas dos clientes”.
Continuando no tema dos transportes, para a Mercedes-Benz existem duas alternativas: as viaturas elétricas e os camiões que funcionam com base no hidrogénio. Para António Louro, apesar de a energia elétrica ser das mais eficientes que existem no mercado, apresenta um inconveniente: é preciso ter “rotas e cargas facilmente planeáveis e constantes”. Esse inconveniente pode ser ultrapassado com recurso ao hidrogénio que, segundo o Diretor Geral da marca, “vai permitir transportes que não são tão facilmente planeáveis”, como o transporte de longo curso. Apesar disso, e apesar de já começar a existir alguma infraestrutura que permite avançar para estas soluções, António Louro diz que “ainda temos muito caminho pela frente”.
Para Marcos Madeira, “os combustíveis renováveis são uma solução atual para reduzir emissões, que já existe e que já está comercialmente disponível”. Como afirma o Diretor de Canais de Mobilidade da Repsol Portuguesa, a adoção de combustíveis renováveis, como o HVO, pode trazer grandes benefícios para o setor dos transportes, especialmente para o transporte rodoviário pesado, a aviação e o transporte marítimo. “A principal vantagem destes combustíveis é que podem ser utilizados nos veículos atuais, aproveitando as infraestruturas existentes, o que significa que não temos de esperar pelo desenvolvimento de novas tecnologias ou pela renovação do parque automóvel para começarmos já a reduzir emissões”.
Já Salvador Galve foca-se numa outra alternativa: a ferrovia europeia. Para o Presidente da corREDores.eu, a transição energética não é mais do que “um vetor de competitividade para reindustrializar a Europa”, que perdeu competitividade industrial. Segundo Salvador Galve, é necessário haver “uma rede ferroviária europeia de transportes”, porque “sem um transporte competitivo não haverá uma indústria competitiva”. E “é a indústria que cria qualidade e emprego estável”.
Helena Braga abordou o tema dos materiais críticos, presentes na lista de Critical Raw Materials da União Europeia. “Nessa lista estão, não só os materiais necessários para transístores, motores, telemóveis, etc., mas também os materiais identificados como fundamentais para as baterias, neste caso as baterias associadas ao lítio”. Para a Professora Associada da FEUP, as baterias de lítio ainda vão continuar a existir durante bastante tempo, mas é preciso reduzir a utilização de alguns minerais. No entanto, afirma, “ainda temos de ser mais criativos para acabar com alguns elementos da lista dos materiais críticos da União Europeia”. Helena Braga conclui dizendo que “a formação de pessoas vai ser crítica, porque as tecnologias estão a mudar não só as baterias, mas também os automóveis e os transístores”.
Os desafios da infraestrutura
A segunda mesa-redonda centrou-se nas dificuldades da infraestrutura para a mobilidade sustentável e contou com a presença de Ana Souta, Diretora Geral da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), Paulo Niza, Diretor Comercial da MEDWAY, Ramón Valdivia, Vice-Presidente Executivo da Associação Internacional de Transporte Rodoviário (ASTIC), e Vasco Silva, Diretor do Porto de Leixões.
Para Ramón Valdivia existem três principais desafios: a falta de pessoal, a falta de infraestruturas e a legislação europeia desajustada. Segundo o Vice-Presidente Executivo da ASTIC, “a principal missão das empresas de transporte, do ponto de vista social, é criar riqueza, emprego e servir a sociedade”. No entanto, “o mundo em que vivemos na Europa está verdadeiramente a criar incerteza e insegurança jurídica: é preciso mudar as tecnologias e as tendências rapidamente, porque 2030 e 2035 estão muito próximos e a legislação da União Europeia continua a focar-se em penalização e não no incentivo”.
Ana Souta refere que, “no que diz respeito às infraestruturas, nas últimas décadas tivemos um avanço muito grande. Mas, de facto, as infraestruturas não se prendem apenas pela parte das estradas e da construção da rodovia. Há toda uma outra rede de apoio que tem de ser considerada”, como os parques de descanso para os motoristas de pesados, que são poucos e, muitas vezes, estão lotados. Além disso, é preciso pensar, ainda, na sustentabilidade. Como afirma a Diretora Geral da ANTRAM, “os veículos pesados são necessários” e a solução para os tornar mais sustentáveis pode passar por “transportar mais com menos”, ou seja, utilizar transportes com maior capacidade de carga.
Paulo Niza afirma que os principais desafios com que se têm deparado na infraestrutura ferroviária estão relacionados com a linha da beira alta do Corredor Atlântico que “vai estar fechada três anos quando inicialmente era para estar fechada 9 meses”. Para o Diretor Comercial da MEDWAY isto “tem um impacto negativo em todos os operadores ferroviários de mercadorias”. No entanto, a expectativa é que a linha esteja a funcionar no início do 2º trimestre de 2025 e que os projetos possam ser retomados.
Já para Vasco Silva, “relativamente à logística dos transportes não vai haver uma solução. Vai haver várias soluções que têm de estar todas agregadas para podermos dar resposta à logística de transporte. E isso tem de ser um trabalho conjunto dos portos, do transporte ferroviário e do transporte rodoviário. Todos nós vamos ser precisos”.
O fórum contou, ainda, com três apresentações: André Sá, Professor do Instituto Politécnico da Guarda, falou sobre a transformação digital da logística e do transporte através do desenvolvimento de gémeos digitais para fabricantes de automóveis. Yolanda Moratilla, Professora da Escola Técnica Superior de Engenharia da Universidade Pontificia de Comillas e investigadora da Cátedra Rafael Mariño de Novas Tecnologias Energéticas deu a conhecer o estudo “Recursos minerais na faixa ocidental da Extremadura”. E, por fim, André Themudo, responsável da Black Rock em Portugal, falou sobre as chaves para investir em infraestrutura sustentável.