“É a minha irmã e a minha maior inspiração”, pode ouvir-se Prince dizer no ecrã gigante do palco do AGEAS Cool Jazz. “É a maior de todos os tempos”, dizia Joni Mitchell, num vídeo que incluía testemunhos de personalidades como Stevie Wonder, Michelle Obama, Whitney Houston e Grace Jones.
Essas pequenas entrevistas estavam incluídas na apresentação da lendária artista norte-americana de 71 anos, Chaka Khan, que esteve no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais, para fazer o primeiro de dois espetáculos na Península Ibérica (o segundo será em Ibiza, Espanha), com o objetivo de celebrar os 50 anos da sua carreira.
O vídeo oferecia algum contexto da carreira de Yvette Marie Stevens, nome real da mulher que ficou conhecida como Rainha do Funk, explicando que ela venceu dez Prémios Grammy e foi influente em diversos estilos musicais, ela que foi a primeira artista a misturar R&B com rap, através da versão de I Feel For You, de Prince.
No entanto, se olhássemos ao nosso redor, na noite de quarta-feira, todas estas explicações e informações pareciam inúteis. A maré de casacos coloridos e penteados impressionantes que enchiam o recinto do festival indicava que os fiéis a esta lenda dispensavam qualquer tipo de introdução para a história de vida de Khan.
O sentimento foi refletido quando a artista, que em 2023 entrou no Rock and Roll Hall of Fame, subiu ao palco, acompanhada por uma talentosa banda (que inclui dois bateristas) e um conjunto de dançarinos, e se lançou ao êxito This is My Night.
Assim que ecoaram os primeiros sons do sintetizador, a maioria das pessoas foi transportada para uma quente e suada pista de dança nos anos 80. “This is my night / I’m gonna do it just right / I’m gonna let this magic shine”, cantava a diva Chaka, com a ajuda do coro, o anúncio perfeito do que seria aquela noite.
Ainda que muitas vezes a voz de Chaka Khan tivesse de, entre temas, ser empurrada com a ajuda do coro — como aconteceu por exemplo em Do You Love What You Feel — quando chegava a altura de ela recuperar o seu lendário falsete, não havia quem fizesse frente à sua poderosa voz.
Reconheçam-se as evidências: neste caso, as talentosas vocalistas que compunham o coro, de um talento cruzado com atitude que impressionou, ocupando um lugar importante ao carregar as letras até ao final — mas foi o grito de Khan, especialmente em I Feel For You, que fez as almas ali presentes viajar até paraísos de dança.
A artista pode já não ter a resistência e energia para aguentar um concerto de mais de uma hora do início ao fim – teve mesmo de fazer uma pausa a meio, que serviu para um DJ apresentar uma remistura com uma série de canções da americana (e Music Sounds Better With You dos Stardust), com os BPMs mais acelerados e a atuação das dançarinas – mas continua a ter o poder para nos deixar em sentido e recordar a influência que deixou e que hoje continua a manifestar-se.
Se a música de Khan continua a ter impacto e a soar fresca nas suas atuações ao vivo, tal acontece também porque ela se rodeou de um impressionante elenco de músicos que ajudam a garantir que o seu funk continua quente e sensual. O baixista, em particular, impressionou pela técnica e pela entrega, conferindo a faixas como Tell Me Something Good mais intensidade e atitude.
Mas engane-se quem pense que foi só dançar ao som de funk ao longo desta hora de concerto. A artista mostrou todo o seu ecletismo apresentando Sweet Thing com elementos que piscavam o olho ao reggae, ou I Remember U, que permitiu criar um momento mais intimista, com a vocalista a dançar com um dos seus bailarinos, movida pelo soul e R&B desta canção.
Contudo, os maiores êxitos ficaram guardados para o fim. Depois de uma versão de Everywhere dos Fleetwood Mac (onde os dois bateristas do grupo tiveram a oportunidade de brilhar), Khan soltou o hino de festas I’m Every Woman, soltando a farra no Hipódromo de Cascais. Os corpos perderam todas as inibições e, acima de tudo, agarraram-se, bailaram e celebraram.
Enquanto o nosso cérebro ainda se ocupava com aritméticas fundamentais como “quantos filhos terão sido feitos ao som destas canções”, Chaka Khan estava na reta final do concerto, com Ain’t Nobody a servir como despedida para uma enorme atuação.
Sem grandes alaridos, a artista abandonou o palco e deixou que as atenções se centrassem nos instrumentistas, que se encarregaram de levar o concerto ao seu destino: aquele onde ficam as boas memórias.
Antes de Chaka Khan subir ao palco, os britânicos Morcheeba encantaram com um nostálgico derivado do trip-hop, assim como os Onoma, vencedores do concurso Talentos AGEAS Cool Jazz. O final da noite foi marcado por um DJ set de Alex D’Alva Teixeira. Os concertos do AGEAS Cool Jazz regressam a 19 de julho com Dino D’Santiago e Maro.