Ainda não é conhecido aquilo que foi anunciado pelo atual Governo, mesmo durante a fase de campanha eleitoral, como o Plano de Emergência (na Saúde), que irá ser apresentado até 2 de junho próximo. Depreende-se, pelo já dito e escrito sobre o assunto, que irá contar com um reforço das parcerias com o setor Social e com os Privados para reduzir as listas de espera dos doentes para consultas e cirurgias.

Faz sentido. Se o SNS não está a conseguir resolver os problemas dos cidadãos, impedindo-lhes o acesso a cuidados de saúde aos quais têm direito, até em termos da Constituição da República, é necessário encontrar uma solução que permita minorar essa dificuldade. Mais, se há capacidade instalada e disponibilidade das Unidades de Saúde do setor social (p.e. as Misericórdias) e/ou do setor privado para o fazerem, a um preço justo, porque não utilizá-las?

Trata-se, seguramente, de uma excelente oportunidade!

Seguramente que a mera obstinação ideológica de esquerda não poderá bastar para impedir os cidadãos, em situação de fragilidade, por doença, de terem acesso aos cuidados de saúde de que necessitam. Não seria minimamente aceitável, e perpetuar essa postura, alegadamente adotada nos últimos anos seria, até, eventualmente, uma crueldade com algum requinte de malvadez, uma vez que a situação e as suas consequências são sobejamente conhecidas de todos.

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Portanto, perpetuar essa postura de esquerda radical ou quase radical não é solução nem é aceitável, porque urge garantir o acesso a cuidados de saúde a todos os cidadãos, e compete ao Estado fazê-lo, com todos os meios ao seu dispor.

Diferente é afirmar que esta alegada opção (reforço das parcerias/ da contratualização com os setores social e privado) não apresentará qualquer risco ou ameaça para o SNS.

Facilmente se compreenderá que se o Estado contratualizar um determinado número de cirurgias ou consultas com estes setores, a mais do que já contratualizou nos últimos tempos e, principalmente, em excesso relativamente à sua capacidade de resposta, os mesmos irão tentar reforçar essa capacidade e adequar-se ao aumento da procura. Nomeadamente, como será, provavelmente, o caso, se o problema não for de capacidade das instalações nem de equipamento, mas de recursos humanos. E como o conseguirão fazer, em tempo útil (rapidamente)? Oferecendo contratos aos profissionais que estão, atualmente, no SNS…

Este efeito terá como consequência que a capacidade do SNS se reduz, sendo necessário, no momento seguinte, contratar mais consultas e/ou cirurgias a estes setores, o que levará a contração de mais profissionais de saúde (saídos do SNS) e por aí fora, em espiral negativa…

Repare-se que o mercado livre da saúde (em que os setores privado/social se movimentam) ajusta-se, como qualquer outro mercado, à lei da oferta e da procura…. Se a procura aumentar, a preços que cubram os custos adicionais, e enquanto não for necessário ampliar instalações/comprar equipamentos, será natural que surja este movimento de adaptação (ou seja, enquanto a receita marginal – o que se recebe por tratar/atender mais um doente- for superior ao custo marginal – o que custa tratar/atender mais esse doente).

Portanto, se parece imperioso (e bem!) que o Estado recorra aos setores social e privado para garantir o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, parece igualmente importante que reconheça o risco dessa abordagem e que o tente reduzir.

Algumas medidas poderão, eventualmente, entre outras, reduzir esse risco:

  1. Melhorar as condições de trabalho dos profissionais de saúde no SNS, para atrair novos e reter os atuais. Inclui vencimentos, mas não termina aí (até porque os vencimentos do SNS seriam facilmente ultrapassados pelos oferecidos pelos setores social e privado, se o mercado a isso levasse);
  2. Contratualizar, no SNS e com profissionais do SNS, a preços (no mínimo) idênticos aos que o Estado estaria disposto a pagar para fora, consultas (primeiras e subsequentes) e exames complementares de diagnóstico, tal como já faz com cirurgias;
  3. Promover a saudável concorrência entre unidades do SNS para resolução das listas de espera (globais), remunerando-as por isso, além dos profissionais, e assegurando os custos de eventuais deslocações e alojamento de doentes/acompanhantes que beneficiem de tratamento mais célere noutra unidade de saúde;
  4. Contratualizar a capacidade instalada do setor privado/social em determinado momento (e não a promessa de capacidade futura);
  5. Realizar contratos-programa com o setor social/privado de média e longa duração, para adequado planeamento e maximização da eficiência, reduzindo a incerteza e o seu custo inerente;
  6. Não proibindo os médicos de, se for sua opção, abandonarem o SNS no momento em que o entenderem, mas limitar a possibilidade (5 anos?) de, saindo do SNS, trabalharem nos setores social e/ou privado em programas contratualizados, exatamente pelo SNS, para reduzir as suas listas de espera.