A Imprensa Nacional Casa da Moeda foi uma das empresas públicas que também entregou dinheiro ao Estado, no final de 2023. Neste caso foram 10 milhões, contra um pedido inicial de 20 milhões de euros por parte do Ministério das Finanças. Dora Moita, presidente da empresa, que esteve esta tarde no Parlamento a falar sobre o caso, assumiu que perante uma deliberação unânime empresarial — o mesmo é dizer uma aprovação por parte do acionista — não podia recusar-se a fazer essa entrega.

Mas os deputados confrontaram a gestora com o facto de ter pedido parecer ao conselho fiscal, pronúncia que só chegou à administração depois do pagamento ter sido feito. Dora Moita não vê nisso qualquer ilegalidade, dizendo que era um parecer não vinculativo — que acabou por ser positivo. “Não cometemos nenhuma ilegalidade”, reforça Dora Moita, dizendo que “ilegal é sim contrariar o Código das Sociedades Comerciais quando se está no exercício das funções”, que, nas palavras da gestora, dá aos acionistas a prerrogativa de decidir onde querem aplicar o seu dinheiro.

No PSD e no CDS a leitura é que o parecer seria obrigatório. O Código das Sociedades Comerciais obriga ao parecer do conselho fiscal quando se procede à antecipação de resultados. Nas contas da Casa da Moeda, no entanto, está expresso que os 10 milhões são entrega de reservas livres, pelo que é uma remuneração extraordinária e não antecipada. Ainda assim, devido a essa entrega a administração da Casa da Moeda sugeriu que todos os resultados de 2023 fossem, este ano, destinados às reservas livres, no valor de 21,8 milhões de euros, sem qualquer pagamento de dividendos.

“No exercício findo em 31 de dezembro de 2023 apurou-se um resultado líquido do exercício, nas contas da INCM, no montante global de 21.689.607,95 euros. Com este enquadramento, nos termos das disposições legais e estatutárias e tendo em consideração que durante o ano 2023 foram liquidados 12,3 milhões de euros de dividendos em dívida desde o início da pandemia, aos quais acresceu a distribuição, não prevista, em dezembro, de 10 milhões de euros de Reservas Livres”, o conselho de administração propõe que fique em reservas livres todo o montante, até “para um maior suporte da atividade operacional, bem como para o financiamento, com capitais próprios, de parte do investimento previsto para 2024”. 

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que, segundo o Público, foi feito. Na assembleia geral de 28 de março foi aprovada a não distribuição de dividendos pelo ano de 2023.

Ou seja o pagamento de 10 milhões foram distribuição de reservas e não antecipação de resultados. Com os 10 milhões de euros pagos no final do ano, o valor que a Casa da Moeda entregou ao Estado durante 2023 totalizou 23,35 milhões de euros, já que, na assembleia geral anual tinha sido aprovada a distribuição de cerca de 13 milhões de euros de dividendos que, segundo Dora Moita, estavam em dívida para com a Parpública pelos anos que não foram distribuídos em 2020 e 2021. Em 2022, a distribuição tinha sido de 7,5 milhões.

O telefonema de Costa, a surpresa de Medina e o bate pé da gestão. Como 100 milhões da Águas de Portugal saíram para o Estado

O processo iniciou-se no caso da Casa da Moeda como já tinha acontecido com a NAV e com a Águas de Portugal.

Governo pediu 50 milhões, NAV deu 20 milhões no primeiro dividendo extraordinário da empresa que diz não ter comprometido a operação

Uma reunião que Dora Moita disse ter sido com o secretário de Estado João Nuno Mendes. “Foi uma reunião exploratória onde não foram tomadas decisões”, indicou aos deputados. Mas a 26 de dezembro a gestão da INCM alertou o Governo para o risco de entregar 20 milhões de euros, que traria, segundo os emails citados, pressões sobre a tesouraria da empresa, e que poderia, mesmo, levar a um défice de caixa de 4 milhões em março de 2024, face aos compromissos que se adivinhavam. “A nossa posição foi que não era viável, comprometia ou punha em causa compromissos que já tínhamos assumidos e que iriam acontecer no 1.º trimestre 2024”. Dora Moita explica agora que essa era a posição com base na informação contabilística que tinha à época, a 22 e a 26 dezembro.

E com isso a empresa propôs entregar 5 milhões, acabando por ver a decisão revertida para que entregasse 10 milhões. E por isso foram feitos dois pagamentos de 5 milhões cada. “10 milhões era o limite daquilo que nos pareceu que seria comportável face às projeções de tesouraria para 2024”.

Mas algo aconteceu que melhorou a tesouraria da empresa. Segundo contou aos deputados a Casa da Moeda viu um cliente (público, não identificado) pagar-lhe uma dívida vencida — em data não especificada na audição parlamentar. Esse dinheiro permitiu suportar a tesouraria, não tendo a empresa de acorrer a qualquer tipo de endividamento. Foi paga uma dívida de 9 milhões, acrescentou, informação que “à data das estimativas não era conhecida”, mas que “nos libertou e não temos pressão de tesouraria e tudo o que está no planeamento está a ser executado”.

Para a responsável, nomeada em 2023, “as projeções são feitas num determinado dia, que se tira fotografia em determinado dia, mas o mundo não pára. Fizemos projeções, mas alguns recebimentos de clientes que não estávamos a contar acabaram por entrar na tesouraria e libertou-nos”.

Dora Moita realçou, várias vezes, na sua audição que a deliberação única empresarial da Parpública era para cumprir, “não se contraria e não é matéria de opinião sobre o assunto, a empresa tem de cumprir, foi isso que fizemos”, assumindo que as interações com os acionistas, neste caso, “foram feitas com cordialidade e feitas dentro da ética institucional regular”.

Assume ainda que não sabe o que aconteceu ao dinheiro, uma vez que estas audições começaram com um relatório da UTAO a indicar que a redução de dívida pública para menos de 100% do PIB em 2023 foi artificial. “A nossa intervenção termina quando passamos para o acionista a verba solicitada, procurando defender a empresa. A partir daqui não temos informação técnica sobre o que foi feito do montante. Não nos compete fazer esse tipo considerações”. “No mundo empresarial não há conforto nem desconforto”, concluiu, considerando que não ver qualquer ingerência de um acionista que pede remuneração pelo capital.

UTAO “mantém” que redução da dívida em 2023 foi “artificial” (embora análise pudesse estar mais bem explicada, reconhece Rui Baleiras)