O combate ao antissemitismo é uma luta pelo fortalecimento da democracia, garantindo direitos de minorias, numa altura em que “o ódio circula pelas redes sociais e plataformas praticamente sem controlo”, disse à Lusa Fernando Lottengerg, comissário da OEA.

“O antissemitismo é um ódio contra uma comunidade, mas tem por trás de si uma teoria da conspiração que visa desacreditar o sistema democrático, onde todos têm participação e direitos iguais. O ataque a um grupo mostra que minorias não têm o seu lugar protegido nem a sua possibilidade de existir com o seu modo de vida dentro de uma sociedade democrática”, aponta Fernando Lottenberg, jurista brasileiro e comissário de Monitorização e de Combate ao Antissemitismo da Organização dos Estados Americanos (OEA), em entrevista à Lusa na Argentina.

O comissário esteve nesta semana em Buenos Aires onde participou do Congresso Judaico Internacional, prévio ao evento dos 30 anos do atentado terrorista contra a Associação Mutual Israelita-Argentina (AMIA) que deixou 85 mortos e mais de 300 feridos. Até hoje, o atentado continua impune, assim como o atentado contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires em 1992, quando 29 pessoas morreram e centenas ficaram feridas.

O cargo de Lottenberg foi criado em outubro de 2021, muito antes do ataque terrorista do Hamas contra Israel em 7 de outubro passado. A OEA detetou um crescente e preocupante aumento do antissemitismo no continente americano que põe em causa o fortalecimento da democracia em países de frágeis instituições numa região na qual o Irão tem penetrado nos últimos anos.

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“Muitas vezes, o antissemitismo é visto como um problema ou do Oriente Médio ou da Europa. É difícil o reconhecimento do antissemitismo como uma questão em países que aparentemente não estão acostumados a vivenciá-lo. A importância da luta contra o antissemitismo é reforçar a ideia de que algo que começa com os judeus não necessariamente acaba com os judeus“, defende Lottenberg.

A Justiça argentina identificou a ação do Irão no planeamento e financiamento do ataque contra a AMIA, indicando que usou o Hezbollah como executor do ataque.

“A impunidade que permanece depois de 30 anos do atentado à AMIA e de 32 de um atentado anterior contra a Embaixada de Israel, também aqui em Buenos Aires, é uma chaga na sociedade argentina”, observa Lottenberg, quem, na quinta-feira (18), discursou no Parlamento argentino.

“O tema tem a ver com as instituições e com a democracia. Lembro-me que esse atentado ocorreu quando a Argentina estava a reconsolidar a sua democracia, depois de uma ditadura feroz. Os atentados são uma maneira de mostrar que a instituição polícia, que a instituição Ministério Público e que a instituição Poder Judiciário não funcionaria”, avalia.

O Irão é um ator que já desestabilizou todo um arco no Médio Oriente. Hoje, controla praticamente sete capitais e tudo isso mostra que, se os países, se as democracias, não estiverem unidas e cooperando em diálogo, o sistema democrático fica em risco”, indica.

Somente em 2019, o ex-Presidente Mauricio Macri declarou o Hezbollah como organização terrorista. Este mês, o Presidente Javier Milei incluiu o Hamas na mesma lista.

“Acho que a atitude do governo argentino de reconhecer o Hamas como um grupo terrorista é importante porque ‘dá nome aos bois’. O que aconteceu em 7 de outubro, até a Human Rights Watch, insuspeita de qualquer simpatia com Israel, acusou nesta semana o Hamas por crimes de guerra e crimes contra o direito humanitário. O equilíbrio é olhar para os dois lados e ver quem começou essa guerra. Havia um cessar-fogo até 6 de outubro. Quem rompeu o cessar-fogo?”, questiona Lottenberg.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) reúne 34 Estados das Américas, sendo o fórum político, jurídico e social do Hemisfério. A União Europeia participa como observadora permanente. O papel de Lottenberg não é o de defender a visão de um país sobre o outro, mas o de fortalecer os pilares perseguidos pela OEA em termos de democracia, direitos humanos, segurança e desenvolvimento.

“Não precisamos estar de acordo com as avaliações. As opiniões são e devem ser diversificadas. Porém, a profundidade, a exatidão são fundamentais para conter esse ódio tão ancestral. O antissemitismo é a forma de ódio mais antiga. Existe desde que os judeus existem e precede em muito a existência do Estado de Israel, que no discurso de ódio passou a ser a personificação do mal. Se pudermos ter uma contraposição de informação correta com análise, com debates, de alguma maneira é possível minorar essa onda”, considera Lottenberg.

Na guerra de interpretações e de contrainformações, o comissário da OEA sublinha a importância da imprensa profissional.

“Os meios de comunicação podem ter um papel fundamental nessa luta. Hoje, a informação deixou de estar limitada aos meios tradicionais. Hoje, o ódio circula pelas redes sociais e pelas plataformas praticamente sem controlo. Então, a informação correta, precisa, com profundidade, com análise ganha relevância”, destaca Lottenberg.

“A conduta das partes num conflito pode ser objeto de análise, de debate e de opiniões. O que não é aceitável é utilizar isso como pretexto para atitudes antissemitas. Qualquer país está sujeito a críticas, mas a crítica deve ser a uma política de governo sem responsabilizar coletivamente judeus de todo o mundo“, conclui Fernando Lottenberg em entrevista à Lusa.